Apresentação: A cárie dentária é uma doença multifatorial e altamente prevalente a nível mundial. Sua etiologia consiste na produção de ácidos, por bactérias, a partir de açúcares fermentáveis e na consequente queda de pH, favorecendo a desmineralização dos tecidos dentais duros - dentina e esmalte. Diversos estudos têm apontado para uma relação entre os fatores socioeconômicos com a incidência de tal patologia, sendo que muitos deles analisam essa questão relacionada ao público infantil. Vários fatores contribuem para a relevância do enfoque a esse tema nessa faixa etária, dentre eles a ausência da disponibilização de informações dos pais ou responsáveis para criança sobre a importância da escovação e do uso do fio dental, a necessidade de auxílio ou monitoramento para a realização das atividades de higiene oral e o descuido frequente com a dentição decídua, sendo que esses fatores estão presentes de formas diferentes de acordo com os estratos sociais e outras variáveis, determinando consequências variáveis. Nesse sentido, apesar do aumento do controle sobre os índices de cárie dentária em alguns lugares do mundo, observa-se, ainda, que as regiões mais afetadas são aquelas com um menor nível socioeconômico, evidenciando que fatores, como o acesso aos serviços de saúde, a renda, o nível de escolaridade, a etnia e a localização espacial, estão intrinsecamente relacionados a essa problemática. Por isso, o presente trabalho tem por objetivo avaliar a literatura existente sobre a associação entre a incidência de cárie dental durante a infância, os fatores, as consequências e os impactos associados, bem como realizar uma análise minuciosa, visando compreender a distribuição da doença nos diferentes espaços geográficos e como ela se vincula às condições sociais e econômicas da população. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de uma revisão de literatura, com busca nas bases de dados PubMed, Google Scholar e MDPI utilizando como descritores: "socioeconomic factors", "dental caries" e "child", articulados pelo operador booleano “AND”, publicados de 2019 a 2024, nos idiomas português e inglês. Na plataforma PubMed foram encontrados 140 trabalhos, dos quais três foram escolhidos. Já na base de dados Google Scholar, foram obtidos 1920 resultados e quatro selecionados. Por fim, na plataforma MDPI, dois dos quatorze artigos apresentados foram eleitos. Posteriormente, na fase de seleção, os critérios de exclusão consistiram na abordagem de temáticas muito específicas - de modo a tangenciar o tema principal proposto -, nos trabalhos que não atendiam o requisito de idade das pessoas envolvidas - sendo adolescentes ou adultos o público alvo - e nos artigos publicados em idiomas que não fossem português ou inglês. Resultados: Um dos estudos apresentou, a partir de uma amostra final de 7.217 crianças brasileiras de 5 anos, a prevalência de 49,8% de cárie dentária, sendo ela significativamente diferente entre as regiões do país. A menor prevalência foi observada no Sudeste, seguida pelo Sul. É imprescindível salientar que, na região Norte, quase 65% das crianças de 5 anos apresentavam pelo menos um dente afetado por cárie dentária. A região Centro-Oeste apresentou prevalência de cárie dentária de 57,2%, enquanto no Nordeste a prevalência foi de 60,2%. A nível individual, observou-se que a maior prevalência de cárie estava associada a crianças em famílias com renda média inferior a US$ 1.136,36 e aqueles com pele preta, parda, amarela e, principalmente, nativa. Entretanto, a associação entre a variável de desfecho e a cor da pele perde significância após o ajuste pelos outros fatores considerados na análise multivariada. Isso sugere que as disparidades na prevalência de crianças doentes observadas nos diferentes grupos étnicos estão mais relacionadas a outras variáveis, como as socioeconômicas entre estes grupos.
A prevalência de cárie dentária entre crianças de 5 anos de idade de famílias de baixa renda (até US$ 227,73) foi 2,43 vezes maior do que entre crianças de 5 anos de famílias com maior renda (acima de US$ 1.136,36). A prevalência de cárie dentária não tratada mostrou-se mais elevada em áreas com menor percentual de acesso à água fluoretada, onde a relação entre população e dentista era superior a 3.000, e em regiões com maior proporção de crianças de 5 anos provenientes de famílias de baixa renda. A presença de equipes de atenção básica à saúde bucal foi identificada como um fator de proteção, possivelmente resultando em uma redução na prevalência de 0,96.
Outro estudo demonstrou que são maiores as chances de ter cárie dentária que vieram da menor categoria de renda familiar em oposição às crianças com maior categoria de renda familiar. Além do mais, as crianças com seguro público têm aproximadamente o dobro de chances de ter cárie dentária em comparação àquelas com seguro privado dentro dos 3 anos analisados. As crianças da menor categoria de renda familiar também apresentaram a maior prevalência de cárie não tratada e tratamento odontológico sem flúor.
Outras características foram analisadas com 11.115 indivíduos incluindo 11 estudos de países como Brasil, Nigéria, Camboja, Tanzânia, México e Etiópia, a fim de analisar a prevalência de cárie no público infantil levando em conta fatores como gênero, padrões nutricionais e higiene oral. A proporção do sexo feminino na população com cárie foi de 49,68%, bebidas/doces açucarados consumidos na população com cárie foi de 69,74%, assim, havia uma probabilidade 2,04 vezes maior de ocorrência de cárie dentária entre os participantes que consumiam bebidas/doces açucarados em comparação com o grupo sem cárie. Além disso, a proporção de bons hábitos de escovação (maior e/ou igual 2 escovações por dia) na população com cárie foi de 56,87% e houve uma redução de 35% na aquisição de cárie.
Em outro estudo, demonstrou-se que o nível educacional atrelado ao socioeconômico também representa um fator importante na incidência de cárie na infância, mães com níveis mais altos de escolaridade relataram mais frequência de escovação nos seus filhos, maior supervisão na escovação e corrigiram os hábitos de escovação.
Após mais uma análise com 759 pré-escolares com idade média de 3,51 sendo 54,3% do sexo feminino. 85,6% frequentaram pré-escolas públicas e a prevalência de cárie dentária foi de 55,6%. A maioria dos pais/cuidadores relatou que recebem uma renda inferior ao dobro do salário mínimo brasileiro (55,7%) e que quatro a cinco indivíduos viviam com a mesma renda familiar. Considerações finais: Diante dos resultados apresentados, torna-se relevante destacar que a prevalência de cárie dentária é influenciada por diferentes fatores como o acesso a serviços de saúde bucal, hábitos alimentares, práticas e hábitos de higiene oral, nível educacional dos pais e desigualdades socioeconômicas. Outrossim, esses fatores podem desempenhar papel importante na ocorrência de cárie dentária desde a infância até a adolescência. Assim, evidencia-se a importância do conhecimento de cirurgiões-dentistas acerca dos fatores geográficos e socioeconômicos que afetam a saúde bucal das crianças e os seus impactos ao longo da vida. Destaca-se também a relevância de uma abordagem abrangente em saúde, que considera os determinantes sociais, fatores socioeconômicos e espaciais que podem influenciar a saúde bucal dos pacientes infantis e que compreende a necessidade de medidas mais abrangentes considerando a individualidade de cada paciente e sua realidade em saúde bucal. Logo, fazer intervenções que melhorem a educação sobre higiene oral, aumentem o acesso a recursos de saúde bucal e promovam políticas públicas preventivas são essenciais para reduzir essas disparidades e melhorar a qualidade de vida durante a infância.