REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL

  • Author
  • Luana Borges Teixeira
  • Co-authors
  • Cinthia de Castro Santos
  • Abstract
  •  

    Este é um relato de experiência de duas psicólogas em um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental (PRMSM) no Pará. Nosso objetivo é fazer uma breve análise comparativa do percurso de uma década deste PRMSM, a partir da experiência do seu ano de implantação ocorrida no biênio 2012-2014 e nos dias atuais que compreendem o biênio 2023-2025 (portanto ainda em curso). O PRMSM é uma parceria da Universidade do Estado do Pará (UEPa) e Fundação Hospital de Clinicas Gaspar Vianna (FHCGV), uma pós-graduação lato sensu que tem como diferencial ser uma especialização com educação em serviço na qual as psicólogas residentes têm a possibilidade de aliar teoria e prática nos serviços de saúde mental, devendo estar em consonância com o novo modelo de assistência à pessoa com transtorno mental proposta pela Política nacional de saúde mental e pela Política nacional de educação permanente no SUS, cuja proposta é estar integrada aos princípios e  capacitação de recurso humanos para atenção à saúde e gestão do SUS. O PRMSM é um potencial espaço de desenvolvimento da escuta e do manejo psicoterapêutico aos usuários e seus familiares possibilitando novas práticas do cuidado, como atendimentos em grupo e construção de planos terapêuticos individuais, revendo a prática da própria Psicologia e possibilitando uma (re)educação em saúde pública e não exclusivamente clínica, não objetivando diagnósticos mas a atenção integral e intersetorial às pessoas portadoras de transtornos mentais e aos usuários de álcool e outras drogas. Além disso, também é um espaço em potencial para fortalecer a prática da psicologia atuante nas discussões sobre saúde coletiva e das políticas públicas, além do estímulo, promoção e fortalecimento também da parceria com os movimentos socias como o Movimento de Luta Antimanicomial (MLA), principalmente no Pará. 

    Em 2012, o primeiro ano de prática foi realizado nas emergência e internação psiquiátrica do Hospital de Clinicas (HC) e, o segundo ano de pratica (2013), com 1 mês em outros serviços da RAPS (CAPS, Residência Terapêutica, Unidade Basica de Saude) só foi possível pela articulação e exigência dos próprios residentes que conheciam o regimento interno do PRMSM, e ainda assim, os 3 últimos meses foram obrigatoriamente e novamente realizados na emergência ou na internação psiquiátrica do HC. Era sabido que o discurso de muitos dos trabalhadores do HC era acompanhado pela gestão do PRMSM de que a rede era fora, não incluindo portanto o HC.

    Com o decorrer dos anos, alguns dos cenários de prática externa ao Hospital de Clínicas Gaspar Vianna ocorreram em um município vizinho da capital, mas em 2024 foi pactuado para ser cumprido integralmente em Belém, contando com os seguintes serviços: CAPS III adulto, CAPS infantojuvenil, CAPS Álcool e outras Drogas, Consultório na Rua, Núcleo de Apoio à Saúde da Família e Secretaria Municipal de Saúde – onde a prática é voltada para a gestão da Política de Saúde Mental. Para estes cenários, os residentes são divididos em três grupos, compostos por diferentes categorias, e passam 1 mês em cada serviço. Ademais, no mês de novembro do segundo ano de residência, os residentes podem fazer o chamado cenário optativo, o qual pode ser em um ou mais serviços de saúde mental do Estado ou fora dele, desde que a instituição que irá receber os residentes aceite esta parceria e sejam realizados os trâmites burocráticos entre esta e o HCGV. Porém, o primeiro ano de residência continua ocorrendo integralmente no HC, bem como os 3 últimos meses do segundo ano.

    Diante desse contexto, pode-se perceber que em 10 anos de Residência o modelo permanece sendo hospitalocêntrico, contrariando, inclusive, princípios da Reforma Psiquiátrica. A Lei 10.216/01, um marco da Reforma Psiquiátrica brasileira, dispõe que a internação só deve ser indicada quando os recursos extra-hospitalares forem insuficientes. Compreende-se, então, que se a primazia deve ser os investimentos nos serviços extra-hospitalares, uma residência em saúde mental deveria prezar pela inserção dos residentes, sobretudo, nestes dispositivos, o que não ocorre. Ainda que o HCGV componha a Rede de Atenção Psicossocial, esta Residência centraliza a formação em um cenário que, ainda que importante, deveria ser o último recurso a ser buscado nos casos de questões de saúde mental.

    Outro aspecto de grande debate desta Residência é que o primeiro ano de prática ocorre integralmente no Hospital. Se a internação psiquiátrica deve ser o último recurso, este cenário também o deveria ser, para que os residentes, desde o início, compreendessem o funcionamento da rede extra-hospitalar, o devido fluxo, as práticas desenvolvidas nos outros níveis de atenção até que se chegue à ação extrema: a internação psiquiátrica.

    Este modelo de residência em saúde mental não é bem visto principalmente por psicólogos recém formados e que têm minimamente noção da política pública de saúde mental, resultando em uma busca de um programa de residência fora do estado e, portanto, seguindo uma lógica desritorializada de ensino e pesquisa.

    Em 2022, durante a pré conferência municipal de Saude Mental, foi lançada a proposta de criação de um programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental consonante com a Politica Nacional de Saude Mental, e uma moção foi redigida e assinada pelos conferencistas (incluindo gestores, trabalhadores, usuários da saúde e comunidade acadêmica). No entanto, a ideia permanece no papel.

    A partir deste cenário, compreende-se que há uma necessidade de reestruturação do PRMSM, de modo que este esteja mais alinhado aos pressupostos da Reforma Psiquiátrica e, assim, prepare os residentes para manejar questões de saúde mental sobretudo no território, em liberdade. Ressalta-se que é inegável a importância dos setores de emergência e internação em saúde mental no HC, pois os serviços hospitalares (no modelo como no HC de leitos e não de clínicas especializadas) também são pontos de atenção na rede, e portanto, também do processo de formação, mas os profissionais que atuam nestes espaços precisam ter compreensão da organização e funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), bem como competência técnica para manejo da maior parte das demandas nos dispositivos extra-hospitalares. A Residência é um meio privilegiado para que isto ocorra, mas  faz-se urgente e necessário que ela esteja sendo, de fato, gerida, organizada e realizada dentro de uma lógica antimanicomial: comunitária, extra-muros, e territorial.

  • Keywords
  • Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental, Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
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