INTRODUÇÃO:
No Brasil, a proposta da Redução de Danos (RD) foi oficializada na Portaria nº 1.028/2005, sendo estruturada, conforme Art. 3°, a partir dos eixos da informação, educação e aconselhamento. A então Coordenação de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, em seu Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas (PEAD), através da portaria 1.059/2005 disponibilizava incentivos financeiros às ações de RD nos CAPS, como a disponibilização de bolsas para os então futuros redutores de danos, assim como supervisão de um comitê assessor de RD do SUS.
Muitas das ações direcionadas à RD dentro no SUS foram apagadas em 2019 pelo então presidente Jair Bolsonaro, através de uma “Nova” Política Nacional Sobre Drogas (PNAD), publicada no Decreto 9.761/2019, radicalmente conservadora, sustentada na centralidade da abstinência como única via de cuidado. Atualmente o Brasil está sob um governo de centro-esquerda que no passado foi defensor da luta antimanicomial. Apesar do “revogaço” de vários decretos manicomiais da gestão anterior, a atual gestão não alterou o decreto 9.761/2019, continuando vigente uma política de drogas marcada pelo retrocesso.
No sentido contrário à PNAD até então vigente, a ideia de uma Escola de Redução de Danos (ERD) em João Pessoa surgiu dos trabalhos do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental (RESMEN) da UFPB, em um CAPS AD III, a partir da proposição de uma formação em RD para os/as usuários/as do serviço. Como desdobramento, em agosto de 2023, uma técnica do serviço assume a aposta inaugurando a Escola de Redução de Danos “Parahyba”, formando a cada seis meses uma nova turma, com um diploma de Redutor de Danos com 80h/aula, oferecido através da parceria com a RESMEN/UFPB.
A partir dessa experiência, o presente estudo busca analisar a potência de uma ERD pública para a produção de cuidado e autonomia de pessoas que usam substâncias psicoativas.
METODOLOGIA:
Trata-se de um relato de experiência do acompanhamento semanal das atividades da ERD “Parahyba”, durante setembro de 2023 a abril de 2024. A Escola de Redução de Danos oferece diversas atividades: aulas teóricas e debates sobre temas centrais à Redução de Danos, com informações sobre drogas, seus funcionamentos e interações; visitas de convidados que tratam de assuntos como assistência social e direitos previstos em lei aos cidadãos brasileiros, dentre outros; além de ações práticas em ambientes urbanos, onde são distribuídos insumos e realizado acolhimento a situações de emergência.
Os encontros/aulas ocorreram às quartas-feiras e costumavam durar duas horas. Foram elaborados diários de campo com a finalidade de registrar o que foi experienciado e subsidiar discussões com o grupo ApoiaRAPS, um grupo de ensino-pesquisa-extensão constituído por docentes e discentes de diversas áreas da saúde, que através do vínculo com o CAPS AD III onde surgiu a ERD, facilitou o acesso às atividades da escola.
RESULTADOS:
A ERD da Parahyba é um espaço não apenas de acolhida, mas de legitimação dos saberes, falas e práticas de seus/as estudantes, que encontram ressonância para expressarem suas vivências não apenas como usuários/as de drogas, mas como sujeitos-multidão que tem diversas outras dinâmicas e experiências de vida (familiar, social, sexual, como viventes de rua, etc). Nas rodas de conversa da ERD não há “o certo” a ser dito. Mesmo que o assunto fuja ao tema proposto, é garantido o espaço seguro de fala, sem medo de julgamentos “policiais” comuns a processos educacionais tradicionais.
Na ERD não há professores/as e alunos/as, mestres/as ou doutores/as. Há uma sala lotada de “pesquisadores” de todas as áreas, estudantes cheios/as de experiências, compartilhando o que sabem e construindo novos saberes, comprometidos com uma mudança social em prol de políticas de saúde mais éticas. A educação promovida pela escola pretende ser libertadora, objetivando a construção de uma educação popular em RD: usuários/as de substâncias psicoativas constroem coletivamente as práticas e saberes de cuidado.
A redução de danos não é uma atribuição específica de redutores/as de danos. A ERD pretende preparar as pessoas que buscam participar dos encontros por meio do compartilhamento de conhecimentos necessários para a atuação em ações de RD: o aparato legal que embasa a redução de danos; conhecimentos sobre o funcionamento das drogas no corpo humano; primeiros socorros em situações de emergência; cuidados nas diversas práticas sexuais; a relação entre trabalho, saúde mental e uso de drogas; as lutas sociais, nas quais se inclui a luta antiproibicionista, dentre outros. Cada redutor/a de danos parte de um determinado território, e portanto terá mais afinidade com alguns dos temas discutidos na escola.
Definir o que seria um/a redutor/a da danos não é uma tarefa simples, haja visto a complexidade de cenários onde a RD está presente como ética de promoção de cuidado. Contudo, alguns manuais do Ministério da Saúde sobre o tema definem tal prática como um dispositivo para a melhoria da qualidade de vida de pessoas que usam substâncias psicoativas ou qualquer outra pessoa que precise de apoio para fazer gestão de riscos em seu modo de viver. São práticas de um/a redutor/a de danos a promoção de cuidado, com ações de prevenção, informação, distribuição de insumos, apoio e acolhimento, em diversas cenas de uso, como a rua ou eventos, atuando muitas vezes em parcerias com dispositivos como o Consultório na Rua e CAPS. Em síntese o/a redutor/a de danos assume a prerrogativa do cuidado em liberdade, apostando em várias estratégias de cuidado para além da abstinência, sendo um/a promotor/a de potência de vida das pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Espaços educacionais como as ERD são estratégicos para a política de redução de danos. Os/As redutores/as de danos inseridos/as ou não em contexto do CAPS/RAPS, são pessoas aptas a falarem sobre as drogas e seus usos de forma ética e não-moralista, com vistas ao apoio de quem está em vulnerabilidade pelo uso de substâncias psicoativas ou dificuldades de gestão de riscos. A iniciativa do CAPS AD III em estruturar uma ERD fortalece a RAPS ao criar novas rotas mesmo quando a política nacional fecha o cerco contra as estratégias não tocadas na abstinência. A existência da ERD da Parahyba é uma aposta na potência do cuidado em liberdade e na autonomia, ao educar sem objetivo técnico de determinar como será a prática realizada pelos/as redutores/as formados/as pela escola, mas ao contrário, promovendo uma formação que busca abarcar a pluralidade das experiências subjetivas presentes