O uso indiscriminado de antibióticos proporcionou o recrudescimento de Germes Multirresistentes (GMR) aos fármacos atualmente disponíveis para o tratamentos de infecções, conforme o “Relatório global de resistência antimicrobiana e sistema de vigilância de uso Antimicrobiano”, da Organização Mundial de Saúde, faz-se necessário medidas que auxiliem na redução da propagação e resistência desses microrganismos.
Dentre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de patógenos multirresistentes pode-se elencar a vulnerabilidade do paciente, devido as doenças prévias, procedimentos invasivos; a não adesão às medidas de prevenção, tanto por parte dos pacientes, quanto pela equipe multiprofissional, a transmissão cruzada e o uso indiscriminado de antibióticos.
Consequentemente, a contaminação por esses germes, sobretudo no ambiente hospitalar, contribuem para o aumento no tempo de internação, maior risco de morbimortalidade e custos às instituições de saúde.
Diante disso, pensando em promover a educação continuada para o aprimoramento do processo de trabalho, estruturou-se uma proposta a equipe de enfermagem, por parte das coordenadoras da Unidade de Cardiologia Intensiva (UCI), do Hospital Universitário de Santa Maria, acerca da discussão mensal de casos clínicos. Assim, a equipe foi dividida em quatro grupos com objetivos gerais distintos, sendo abordada a temática acerca dos germes multirresistentes pelo primeiro grupo, o qual foi constituído por dois enfermeiros, quatro técnicos e uma acadêmica de enfermagem.
O grupo realizou a leitura do prontuário clínico, durante o mês de abril de 2024, de um paciente que esteve sob os cuidados da equipe, durante o mês de janeiro a início do mês de março, tornando essa experiência objeto de análise e discussão, acerca do diagnóstico de infecção por GMR (Acinetobacter, Pseudomonas e Klebsiella Pneumoniae Carbapenemas). A partir disso, recorreu-se aos protocolos institucionais e artigos científicos a fim de atrelar a teoria à prática.
Objetivo: este estudo descritivo, tem o intuito de relatar as experiências da equipe de enfermagem diante da construção de um estudo de caso acerca do cuidado de um paciente com GMR, a fim de qualificar a assistência à saúde na unidade.
O estudo de caso foi realizado com um paciente do sexo masculino, 53 anos, casado, autodeclarado branco, etilista em abstinência, sem uso prévio de medicações, negando alergias, procedimentos ortodonticos e uso de drogas. Internou pela primeira vez na instituição em 2017 com perda ponderal, hipertermia e anemia, sendo diagnosticado com endocardite infecciosa. Assim, necessitou realizar a primeira intervenção cirúrgica para troca valvar aórtica, do tipo metálica, permanecendo após a alta em acompanhamento ambulatorial.
Em janeiro de 2024, internou na unidade com diagnóstico médico de endocardite infecciosa de prótese aórtica metálica, inicialmente lúcido, orientado, comunicativo e ventilando em ar ambiente. Paciente admitido e aplicadas precauções padrão referente ao controle de infecção, organização do leito, de medicamentos prescritos, orientações acerca das rotinas da instituição e acolhimento da família.
Devido a infecção reincidente, tornou-se necessário nova intervenção cirúrgica, desta vez com segunda troca de valva aórtica e primeira de valva mitral. Dentre os anos de 2017 e 2024, o paciente realizou três trocas valvares aórticas (primeira metálica, segunda biológica e terceira metálica) e uma mitral metálica. Apresentando piora clínica, permanecendo por longo período em sedoanalgesia e ventilação mecânica, via tubo orotraqueal e posteriormente, traqueostomia.
Frente a isso, manteve-se precaução padrão (máscara, luva, avental), cuidados de higiene das mãos e das bancadas, superfícies próximas ao leito com solução padronizada uma vez ao turno. Desinfecção semanal, de gavetas, bancadas, estativas, troca da cama do paciente conforme possibilidade clínica, para que os profissionais da higienização pudessem realizar a desinfecção do leito.
Além desses cuidados, a instituição prevê a coleta de Swab retal de vigilância epidemiológica das pessoas que estejam internados por mais de 48h ou provenientes de outros serviços de saúde, ou que tiveram última internação no período inferior a 90 dias. Após a coleta de vigilância de swab retal, constatou-se a presença de Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC). Confirmando-se ao longo da internação contaminação de outros sítios por Acinetobacter e Pseudomonas. Orientando assim, a equipe a adotar medidas de prevenção, adicionando placa de identificação de isolamento de contato na porta do leito, uso de aventais ao adentrar e sempre ao tocar no paciente, conforme protocolo institucional.
Com a persistência de infecção desde a internação, a antibioticoterapia alterou-se conforme os resultados de exames de imagem e orientações do controle de infecção hospitalar, setor o qual fornece informações e liberação à equipe médica para a prescrição de antibióticos (ATB). Dentre os antibióticos utilizados, destaca-se: Gentamicina, Vancomicina, Meropenem, Ampicilina, Teicoplanina, Amicacina e Polimixina B.
Conforme a Anvisa (nota técnica nº 74/2022), com a pandemia, potencializou-se a utilização de dispositivos invasivos, como a ventilação mecânica, tempo prolongado de internação, superlotação dos hospitais e alta rotatividade de profissionais. Devido a ausência de medicamentos específicos para o tratamento da Covid-19, intensificou-se o uso de ATB, mesmo com a baixa incidência de infecções associadas, na esperança de um melhor prognóstico. No entanto, o uso inadequado propiciou disseminação de GMR nas instituições de saúde.
Sabendo disso, a construção desse trabalho viabilizou a revisão dos protocolos institucionais e discussão de medidas para aprimoramento da assistência, como a intensificação da orientação de uso de aventais, lavagem de mãos por parte das equipes externas, como profissionais responsáveis pela coleta de amostras para exames laboratoriais, técnicos de radiologia. Além disso, discutiu-se acerca da quantidade unitária dos materiais armazenados nos armários do leito, como seringas, agulhas, flaconetes, soluções, a fim de evitar desperdício em caso de alta ou óbito. Uma vez que recomenda-se o descarte de materiais que não possam ser desinfetados após a saída do paciente deste leito. Dentre os dispositivos de uso permanente, como estetoscópio, termômetro, glicosímetro, mantém-se a todos os pacientes internados na unidade o uso individualizado.
Convém destacar que a implementação de Bundles é fundamental para a redução de infecções hospitalares, pois estes são um instrumento de avaliação diária dos cuidados multiprofissionais para a prevenção de infecções de trato urinário, corrente sanguínea e pneumonia associada à ventilação mecânica.
Essas medidas, são conjuntos de intervenções baseadas em evidências que, quando aplicadas de forma consistente, melhoram significativamente a segurança do paciente e reduzem a incidência de infecções associadas aos cuidados de saúde. Dessa forma, os Bundles são implementados nos três turnos de trabalho da unidade (manhã, tarde e noite), a exemplo da observação das técnicas assépticas no manuseio dos dispositivos invasivos e a necessidade de permanência ou remoção destes.
Por fim, a equipe reforçou a importância da desinfecção semanal dos leitos, a orientação de cuidados de precaução aos familiares, monitoramento e rastreamento de GMR, mantendo a avaliação constante das práticas.
Considerações finais: este estudo proporcionou à equipe de enfermagem desenvolver o raciocínio reflexivo sobre o controle da transmissão de GMR, que ocorre pela adesão de intervenções, que devem ser executadas pelos profissionais de saúde. A implementação adequada de rotinas traz melhorias no cuidado e segurança do paciente, uma vez que a sensibilização e a participação dos profissionais são fundamentais para o sucesso do controle da transmissão dos GMR. Espera-se com este estudo disseminar a relevância da educação continuada no processo de trabalho, por meio da prática de discussões de casos entre as equipes multiprofissionais, qualificando a assistência e promovendo a segurança do paciente.