Apresentação: O exercício da amamentação correlaciona-se diretamente com o cenário histórico, sociodemográfico, obstétrico e emocional, tendo sua percepção de forma individualizada por cada mulher. O ato de amamentar possui inúmeros benefícios para o recém-nascido, mãe, família e sociedade, devendo ser uma prática incentivada em todos os contextos em que ocorra o processo de parto e nascimento, com práticas educativas objetivando o exercício da amamentação, inseridas desde o início da gestação. Todavia é importante destacar que o fenômeno da amamentação e do desmame precoce é complexo, pois, envolve fatores modificáveis e outros não modificáveis e muitos dos aspectos que envolvem o ato de amamentar continuam semi-explicados, como é o caso da antropologia cultural. Vendo-se o mundo como um todo, grande quantidade de mulheres deixa de amamentar por inúmeros motivos, dependentes de origem e classe social, estilo de vida e nível de informação e conhecimento. Conformando que quando a mãe escolhe o modo de alimentar seu filho, expressa, nesta decisão, influências da sociedade, do seu estilo de vida, da sua história pessoal e de sua personalidade, é estratégico que se compreenda os fatores ligados às concepções das mulheres que amamentam, em diferentes conceitos, para que se possa compreender aspectos que talvez auxilie os profissionais de saúde a “enxergar” o fenômeno por outras lentes que não somente a imperiosa necessidade de amamentar. Assim, este ensaio tem por objetivo dissertar sobre o aleitamento materno, sob a ótica da etnografia, a partir de três cenários: mulheres urbanas que decidem amamentar de forma mais duradoura, amamentação sob a perspectiva de mulheres privadas de liberdade e, amamentação no contexto da saúde indígena. Método: Trata-se de um estudo de reflexão que propõe uma discussão sobre aleitamento materno, sob a ótica da etnografia, a partir de três cenários: mulheres urbanas que decidem amamentar de forma mais duradoura, amamentação sob a perspectiva de mulheres privadas de liberdade e, amamentação no contexto da saúde indígena, considerando que o aleitamento materno é reconhecido como uma prática multifacetada e complexa, uma vez que envolve diferentes atores, em diferentes espaços e tempo. Foram analisados textos do tipo: tese, dissertação e artigo após busca em base de dados e repositórios institucionais. Resultados: No que diz respeito aos aspectos etnográficos de nutrizes que decidem por manter o aleitamento materno mais duradouro, o estudo analisado evidenciou três categorias temáticas, a saber: iniciando a amamentação; vivenciando o processo de desmame precoce e, mantendo o aleitamento materno exclusivo. Na primeira categoria analítica percebe-se que as puérperas demonstram, ainda que de forma frágil, algum conhecimento sobre a importância do aleitamento materno (AM) e sua durabilidade. Todavia, fica evidente uma percepção de insegurança quanto a capacidade de ser mãe no aspecto da amamentação. Isso pode estar relacionado à forma fragmentada de como a mãe adquiri os conhecimentos sobre o AM, sendo esses mais nas suas relações sociais do que com os profissionais de saúde que podem inclusive orientar de forma inadequada, como o estudo identificou em várias falas das nutrizes, que relataram ter recebido orientações dos profissionais de saúde após o parto sobre a necessidade de incrementar de forma imediata leite de vaca na alimentação do recém-nascido. Já na segunda categoria analítica um achado importante evidencia o principal fator contribuinte para o processo de desmame precoce: as ações educativas na gestação não contribuem para que a puérpera tenha o conhecimento êmico do processo de amamentar, o que fatidicamente as leva ao processo anteriormente descrito. Na terceira categoria analítica, percebem-se os esforços para manter o aleitamento materno exclusivo (AME), observados nas falas de algumas nutrizes sobre a importância deste tipo de alimentação nos primeiros seis meses da criança, ainda que essas nutrizes percebam que outras atividades do cotidiano delas se apresentam como desafios na conciliação dessas com a vontade de manter o AME. Para compreender o aleitamento materno sob o aspecto prisional, utilizou-se os achados de uma pesquisa etnográfica que objetivou compreender a experiência e os significados da amamentação para mães que amamentam seus filhos durante o cumprimento de pena. Os achados mostraram em primeiro momento que a presença no recém-nascido e a possibilidade de amamentar, redireciona o foco da mulher do estado em cumprimento de pena para um novo horizonte, o da maternidade, da possibilidade de criar laços afetivos, de felicidade e da possibilidade de criar um planejamento, uma visão de futuro em função do filho. Esse achado revela o quão importante e forte é o aleitamento materno para o processo de ressocialização destas mulheres e sua perspectiva futura de vida, uma vez que existe, na pessoa do filho, uma nova forma de vislumbrar os rumos que estas mulheres podem dar às suas vidas. Outro achado importante é a de que o aleitamento materno e o cuidado com o recém-nascido no ambiente prisional geram nas mães a percepção de abrandamento da pena, leveza na condição de estar privada de liberdade, uma vez que se sentem úteis nessas práticas de maternagem, retirando ou minimizando o sentimento de solidão provocado pela privação da liberdade. Para trazer alguns aspectos antropológicos sobre o aleitamento no contexto indígena, foram extraídos e analisados achados de estudo etnográfico, que teve com o objetivo conhecer a prática da amamentação, da alimentação e do estado nutricional de crianças com até cinco anos de idade. Um aspecto do estudo que chama atenção logo no início é o fato de nenhum recém-nascido encontrar-se em AME, condição preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como forma ideal de alimentação da criança nos seis primeiros meses de vida. Entre as 23 crianças avaliadas, a maioria estava em aleitamento materno misto, com incremento de leite de vaca e outros alimentos industrializados. A categoria analítica tradição dos chás e água começa a desvelar os primeiros achados do estudo em relação aos tipos de aleitamento encontrados na aldeia. As nutrizes percebem, a partir do que a autora denomina de mito, que o leite materno não é suficiente para suprir as necessidades de sede da criança, sendo necessário dar água, pois a exposição ao sol e o choro são interpretados, dentre outras situações, como sede que o leite materno não é capaz de saciar. Outro achado importante é a crença entre as nutrizes de que o leite de vaca in natura é o alimento mais adequado para a saúde da criança, inclusive superior ao leite materno, considerado bom, mas incapaz de dar saciedade para os seus filhos. Ademais, as entrevistas etnográficas relevaram que as mães e sua rede parental associam o choro, a irritação do neonato, a má pega, as fissuras mamilares como consequências de uma nutrição insuficiente dada pelo leite materno, e que só pode ser solucionada com a introdução do leite de vaca. Consideração Finais: O presente ensaio trouxe alguns aspectos relacionados ao aleitamento materno em três populações distintas: mulheres em contexto urbano, mulheres privadas de liberdade e, mulheres indígenas. Foi possível observar categorias de análise reveladoras de aspectos culturais profundos e não possíveis de serem extraídos por meio de estudos quantitativos, todavia, os resultados trazidos nas etnografias analisadas são fundamentais para a compreensão de muitos indicadores relacionados ao aleitamento materno e fornecem subsídios fundamentais para a atuação dos profissionais de saúde para consolidar o ato de amamentar de maneira não conflitante com o conhecimento êmico das mulheres em seus espaços culturais.