A Avaliação Psicológica (AP) é uma prática que consiste em compreender o ser humano em sua totalidade. Refere-se a uma ferramenta importante para entender os diversos aspectos do funcionamento humano ao longo do ciclo de vida, de forma a compreender a pessoa humana por meio da investigação e da atenção em diferentes contextos. No entanto, esse processo não é isento de desafios, especialmente quando consideramos as variáveis éticas e culturais que influenciam tanto os avaliadores quanto os avaliados. Diversidade cultural, diferenças socioeconômicas, questões raciais, mudanças normativas são apenas alguns dos fatores que podem deixar a AP ainda mais complexa em diferentes estágios da vida.
O compromisso com a ética e a diversidade cultural deve estar no cerne da prática psicológica, promovendo um entendimento mais profundo e respeitoso do desenvolvimento humano. Portanto, no que se refere à ética em AP, vale destacar que aderência estrita aos códigos de ética é imperativa, mas nem sempre suficiente. É necessário também considerar as nuances éticas que surgem em diferentes contextos e fases da vida. Dessa forma, a AP é complexa porque para ser bem realizada exige conhecimentos de diversas áreas da psicologia e de especificidades de contextos, temáticas, populações, além das diversas técnicas, métodos e instrumentos.
Buscando encontrar possibilidades para a AP que respeite esses parâmetros, em diferentes áreas e públicos, vale (re)pensar nas possibilidades de atuação da psicologia que preconize a ética e compreenda os aspectos culturais que envolvem a subjetividade da pessoa. Principalmente no que se refere, a uma prática de avaliação psicológica que englobe a dimensão do território, dos modos de vida, e da realidade; a exemplo, da Amazônia.
Na Amazônia a psicologia se constrói como ciência e profissão a partir de um contexto sociocultural diverso e rico, formando profissionais que apresentam em sua essência o comprometimento com a especificidade do lugar e dos modos de vida da região norte do país. Havendo a compreensão de que o homem e a mulher na Amazônia possuem uma relação próxima com a floresta e com a natureza, com o meio urbano e com o interior, com a cultura das diferentes formações humanas caracterizadas por populações que habitam este local (populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas, camponesas e migrantes de outras regiões), demandando uma atuação profissional que consiga compreender o modo de viver e existir neste contexto rico, diverso e dinâmico.
Nessa perspectiva, o profissional de psicologia na Amazônia necessita ter um olhar primoroso para as diferenças, de modo a compreendê-las e valorizá-las, de evidenciar que a diversidade sociocultural faz da Psicologia uma ciência rica e potente para a produção de conhecimentos que referencie as práticas profissionais pautadas na promoção de saúde e do bem-estar social, no respeito à diversidade, lutando contra a opressão e o preconceito para com a diversidade. Como afirma um dos princípios fundamentais do Código de Ética do Psicólogo (CFP, 2005): “II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Compreende-se que os fatores culturais influenciam significativamente como os indivíduos percebem e respondem aos testes psicológicos, desse modo, utilização de métodos e técnicas em AP que não consideram o contexto cultural do avaliado pode resultar em diagnósticos imprecisos e intervenções ineficazes. Assim, avaliar psicologicamente pessoas na região Amazônica apresenta de forma complexa e contextualizada, enraizada nas ricas e diversas culturas locais, bem como nas significativas disparidades socioeconômicas que caracterizam a área.
A Amazônia é lar de muitos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, cada um com sua própria cosmovisão, tradições e concepções de mundo, de modo que, pensar AP nesse contexto, nos faz refletir que os instrumentos de avaliação psicológica comumente usados são desenvolvidos com base em normas que não necessariamente refletem essas culturas diversificadas, a exemplo, grande maioria dos testes psicológicos validados, são propostos por pesquisadores de regiões como sul e sudeste, representando muitas vezes, desconexão com a realidade da região norte do país.
Desse modo, em diferentes culturas, é recomendável utilizar versões de instrumentos já testados, no entanto, uma série de etapas devem ser seguidas para que um instrumento possa ser utilizado em um novo contexto cultural. O primeiro passo é a tradução e adaptação cultural do instrumento. Esta é uma tarefa bastante complexa, pois, ao traduzir um instrumento, é necessário buscar vários tipos de equivalência em relação ao original, como equivalência cultural, semântica, técnica, de conteúdo, de critério e conceitual. Também é necessário verificar a confiabilidade e validade do instrumento adaptado ao novo contexto cultural. Nessa realidade, muitas vezes, os instrumentos psicológicos a serem utilizados pela profissional podem incluir entrevistas abertas, observação, visitas domiciliares, dentre outros.
Assim, é importante pensar em uma AP que desenvolva ou adapte ferramentas de avaliação que respeitem e incorporem a complexidade cultural das populações amazônidas. Além disso, a pobreza, raça, gênero e as questões ambientais podem influenciar significativamente a saúde mental dessas populações, aspectos que devem ser considerados na avaliação e interpretação dos resultados psicológicos. Para enfrentar esses desafios, é essencial que os profissionais recebam formação adequada em AP de forma contextualizada com a dimensão do território e das interseccionalidade que atravessam determinadas populações.
Em muitas realidades do território amazônida, onde o acesso aos serviços de psicologia é escasso, a AP pode acontecer por meio da Assistência Social. Nessa prática, o profissional da psicologia precisa levar em conta, o contexto dessa política: atuar junto às populações que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social, valendo-se, dos recursos potenciais advindos dos vínculos familiares e comunitários.
Isso implica colocar a Psicologia a serviço da comunidade e do território, assegurando o compromisso ético e político de defesa intransigente dos direitos socioassistenciais. Destarte, o fenômeno social é tomado como parte central e determinante da intervenção, posto que, a dimensão do subjetivo é atravessada, também, pelo social. Fazer Avaliação Psicológica no contexto da assistência social implica, assim, considerar as variáveis sociais que atravessam o sujeito e o impedem, ou não, de ter garantidos os seus direitos socioassistenciais.
Nesses contextos de avaliação, a psicóloga analisará as funções protetivas da família e da comunidade, os vínculos estabelecidos entre os sujeitos envolvidos, as condições de acesso a bens e direitos, e principalmente estabelecerá um vínculo de confiança que permitirá o acompanhamento que garantirá o pertencimento do sujeito às institucionalidades garantidas em lei.
Nesse sentido, não cabe à psicóloga realizar diagnósticos psicopatológicos, mas antes avaliar, quais os recursos psicológicos individuais, familiares e comunitários que podem ser trabalhados a fim de alcançar a autonomia necessária dos sujeitos. Desse modo, as profissionais da psicologia precisam estar constantemente conscientes dessas variáveis para realizar avaliações precisas, exigindo que desenvolvam uma sensibilidade cultural que respeite a singularidade e a construção social de cada indivíduo e das coletividades.
Por fim, estes desafios destacam a necessidade de uma abordagem contextualizada e adaptada na avaliação psicológica na região Amazônica, que considere as particularidades culturais e éticas desse contexto. Portanto, ao desenvolver práticas que são tanto cientificamente rigorosas quanto culturalmente apropriadas, podemos esperar avançar em direção a uma psicologia mais inclusiva, e uma AP pautada na adequação cultural dos instrumentos e na formação ética dos avaliadores, incentivando uma reflexão crítica sobre as práticas correntes e sugerindo caminhos para uma avaliação mais inclusiva e respeitosa das diversidades humanas.