A busca da aliança entre a sociedade e o movimento antimanicomial na defesa da Reforma Psiquiátrica brasileira: uma reflexão sobre os atos políticos do 18 de maio

  • Author
  • Alexsandro Batista de Alencar
  • Co-authors
  • Ronaldo Rodrigues Pires , Camila Moreira de Oliveira , Vitória Silva de Aragão , Maria Rocineide Ferreira da Silva
  • Abstract
  • Apresentação

    Trata-se de um estudo que pretende relatar e refletir criticamente sobre a experiência do movimento social da luta antimanicomial na promoção de intervenções socioculturais nos atos políticos que ocorrem todos os anos com a celebração do dia nacional da luta antimanicomial. As diversas formas de manifestação produzidas em todo o território nacional têm mobilizado a sociedade na busca de produzir uma aliança da população com a defesa da utopia de uma sociedade sem manicômios. Buscamos discutir sobre aspectos dessas intervenções e suas repercussões sociais na defesa do projeto da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

    Desenvolvimento

    O movimento social da luta antimanicomial no Estado brasileiro é fruto de toda uma mobilização internacional que surgiu, ainda no século XX, quando em várias partes do mundo também existia uma preocupação com o cuidado em saúde mental em instituições fechadas. Suas principais ações e intervenções culminaram na constituição de várias iniciativas de cuidado alternativas e substitutivas que originaram diferentes modelos e experiencias divergentes ao paradigma hospitalocêntrico-medicalizador presente nas instituições manicomiais.

    A necessidade de reforma se deu a partir da constatação que o lugar onde as pessoas, pretensamente, deveriam estar sendo “cuidadas”, eram, na verdade, espaços excludentes, segregadores, violentos e que não produziam respostas efetivas sobre suas condições de saúde mental. Esse modo de atenção as pessoas com sofrimento psíquico, tradicionalmente aceito em vários períodos da história, que sobretudo, excluíam os sujeitos da sociedade, despertou o reconhecimento sobre a necessidade de mudanças e novas compreensões sobre o manejo do sujeito que sofre.

    Diversos atores e atrizes estiveram, e ainda estão envolvidos, nesse movimento social que luta pela efetivação de uma reforma psiquiátrica, verdadeiramente antimanicomial. Podemos citar, marcadamente, a participação de profissionais de saúde, gestores do sistema de saúde e usuários dos serviços de saúde mental com seus familiares como partes importantes que compõem as diferentes frentes de resistência aos retrocessos e pela afirmação do cuidado em liberdade. Existem, na experiencia brasileira, diversos núcleos e coletivos, constituindo o movimento social antimanicomial que, de modo organizado, veem produzindo incidências ao longo dos anos, problematizando a relação da sociedade com a loucura e a defesa da diversidade e dignidade humana como bandeiras presentes e necessárias no campo da saúde mental. 

    Pode-se considerar o Manifesto de Bauru como um dos principais marcos na história da organização do movimento antimanicomial no Brasil, ao reconhecer o manicômio como instituição onde a violência e a opressão prevalecem, e exigindo a construção de novos conceitos sobre o cuidado em saúde mental tendo a liberdade como princípio norteador. Esse instrumento criado no II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, também inaugura o dia 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, imprimindo a luta pela extinção dos manicômios.

    Essa perspectiva foi fortemente mobilizada ao longo dos anos nos territórios brasileiros, sendo impulsionada com a promulgação da Lei 10.2016/2001, tida como a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira e, a partir de seus desdobramentos, formou-se um arcabouço normativo, ético, político e assistencial.

    A Reforma Psiquiátrica Brasileira, que institui em seus marcos jurídico-legais, uma reorientação do modelo assistencial em saúde mental, com base nas reivindicações dos defensores do cuidado em liberdade, é considerada, por muitos autores, um processo social complexo e uma das mais importantes políticas públicas de nosso país.  Por meio desse processo, direciona-se a transformação das diferentes dimensões necessárias de serem modificadas para a consolidação do projeto reformista. Entre estas, está a dimensão sociocultural, que é uma dimensão necessária que busca transformar a relação estabelecida entre a sociedade e aqueles que sofrem com demandas de saúde mental e que precisam de cuidados.

    Contudo, as conquistas alcançadas, materializadas destacadamente, nas mudanças política-normativas, estruturais, gestão e cuidado, ainda não foram suficientes para alcançar uma atenção digna para todas as pessoas e com respeito aos Direitos Humanos. Questões caras para os movimentos sociais antimanicomiais.

    Nesse sentido, autores apontam que o fato da existência de regras consolidadas, não determina o cessar das disputas de interesses, pois as mesmas sempre serão questionadas pelas forças que hegemonicamente tinham o poder e o domínio, produzindo instabilidades. E o processo de Reforma contrariou, e ainda contraria, os interesses privados, o lucro das entidades que se beneficiavam historicamente com o repasse de recursos do que se denominou de indústria da loucura e questiona a subalternidade das relações produzidas pela lógica manicomial nas instituições. Por isso, os ataques e investidas contrárias, continuam a operar como se observam nos constantes ataques da reforma ao longo dos anos e a tentativa de deslegitimar seus avanços.

    Tal problemática repercute sobre a, então necessária, articulação destes movimentos no meio social, reivindicando a pauta do cuidado em liberdade, conclamando a sociedade para a incorporação desse princípio.

    Nesse âmbito, o 18 de maio, dia nacional da luta antimanicomial, é um dia que, em muitos lugares do Brasil, acontecem inúmeros atos públicos em celebração a instauração de outras práticas, de outras intervenções no campo da saúde mental por meio das políticas, programas e legislações.

    As mobilizações também vão na direção da preservação da memória do período manicomial, tendo nos espaços públicos, nos serviços de saúde mental e nas universidades, palcos para a realização de grandes debates e discussões sobre os desafios, rumos e perspectivas para uma sociedade antimanicomial, acolhedora e comprometida com o cuidado em liberdade.

    Esses atos são construídos a partir das intenções de enfrentamento de opressões ainda produzidas no meio social e contam com a participação de inúmeros sujeitos que acreditam num cuidado em saúde mental a partir de intervenções comunitárias e territoriais, apostando em práticas que ofereçam condições dignas de atenção à saúde.

    Nesse sentido, os atos do 18 de maio, dentre outros objetivos, buscam construir uma aliança com a sociedade na defesa dos princípios da reforma psiquiátrica, considerando principalmente os aspectos socioculturais produtores de muitos marcadores determinantes na dinâmica do sofrimento psíquico. A cultura manicomial, manifestada pelos “desejos de manicômio” e ao mesmo tempo explícitos por meio de posturas, posições e negações da diversidade humana e da cidadania de parte da população ainda estão fortemente presentes. 

    Daí a importância da construção de uma aliança, no sentido do enlace entre os movimentos antimanicomiais e a sociedade na produção de novas subjetividades, tendo na união desses entes o encontro da mobilização necessária para mudanças concretas no contexto social em que vivem as pessoas com sofrimento psíquico. A busca por uma vida ainda melhor que a conquistada a partir do advento da Reforma Psiquiátrica ainda é um horizonte a ser alcançado, mas, acredita-se que a junção entre coletivos sociais, movimentos e sociedade, poderá produzir profundas aproximações do que se almeja.

    Considerações finais

    Que o ideal de uma sociedade sem manicômios continue sendo guia e fonte inspiradora para todos aqueles e aquelas que almejam produzir um cuidado em liberdade e uma sociedade mais inclusiva. Assim, compreendemos a exigência da permanência das mobilizações sociais com a frequência que o tema exige, considerando principalmente a dimensão sociocultural, por ser ela, a dimensão que materializa nossos modos de vida, as interações coletivas, o pertencimento, a identidade social, a atenção e o suporte tão necessários para vida livre em sociedade.

  • Keywords
  • Luta Antimanicomial, Reforma Psiquiátrica, Movimentos Sociais, Participação Social
  • Subject Area
  • EIXO 4 – Controle Social e Participação Popular
Back