Aquilombamentos como caminhos de produção de saúdes-cuidados-resistências nos territórios: visibilidades produzidas a partir de outros modos de pensar-pesquisar-existir em saúde

  • Author
  • Valéria Monteiro Mendes
  • Co-authors
  • Josiane Moreira Germano , Heloísa Elaine dos Santos , Larissa Ferreira Mendes dos Santos , Laura Camargo Macruz Feuerwerker
  • Abstract
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    Apresentação/objetivo/método: Este trabalho decorre das proposições/análises de integrantes de um grupo da Faculdade de Saúde Pública da USP, que aposta na invenção/construção de formas de pensar-agir-existir no campo da saúde pelo encontro com diferentes coletivos dentro e fora da academia. Como pesquisadoras e profissionais de saúde, temos experienciado modos de pesquisar em contraposição à forma hegemônica de estruturar/reconhecer/publicizar a produção do conhecimento, engendrando tessituras com as vidas que integram nossas investigações. Disso, temos interrogado fabricações e atravessamentos que orientam/organizam o trabalho e as políticas de saúde e que resultam em práticas distanciadas das singularidades e potencialidades inventadas/reafirmadas nos territórios segundo distintas formas de viver e resistir para além dos equipamentos de saúde. Do ponto de vista metodológico, fazemos corpo com autoras(es) de diferentes linhagens. Aos encontros produzidos inicialmente com obras da filosofia da diferença, análise institucional e antropologia, incorporamos saberes de matrizes afro-diaspóricas e dos povos originários. Assim, temos produzido giros epistemológicos (e existenciais) e uma perspectiva teórico-metodológica com base na abordagem cartográfica, tendo como pressuposto a constituição de um corpo para o encontro (“o método é o encontro”) e cujos instrumentos não estão dados a priori, tendo em vista a construção singular dos percursos. Nesta perspectiva (que é ética-estética-política), compartilharemos questões de pesquisa e parte do que temos visibilizado, reconhecendo que as vidas das quais nos interessamos são co-produtoras do processo. Resultados: Do interesse de conhecer/dar visibilidade aos movimentos que possibilitam essas vidas existir/enfrentar os atravessamentos das linhas de força coloniais/neoliberais (racismos, sexismos, classismos, violências de gênero, desigualdades, vulnerabilidades), temos encontrado agrupamentos/confluências nos quais seus integrantes encarnam múltiplos papeis (professoras/es, poetas, rappers, pesquisadoras/es em arte e cultura afrodiaspóricas, lideranças comunitárias) e compartilham um reconhecimento: esses espaços são quilombos do território. Assim, traremos experiências da cidade de São Paulo e de fora dela vividas/sustentadas como “aquilombamentos” e que, a seus modos, se interseccionam com as noções de Quilombismo de Abdias do Nascimento, Aquilombagem de Clóvis Moura, (k)quilombo de Beatriz Nascimento e Devir Quilomba de Mariléa de Almeida, considerando os cultivos de saberes/sabedorias que fabricam convivialidades, proteção/defesa, resistências, saúdes/cuidados individuais e coletivos pelos caminhos da arte/cultura. Como primeiro campo analítico, partilhamos visibilidades produzidas por pesquisa de doutorado, na região do Jardim São Luís, Jardim Ângela e Capão Redondo, zona sul da cidade de São Paulo (ativada pela questão “o que vem de fora e a saúde não enxerga?”), onde um espaço fundado em 1984, por iniciativa de moradoras(es) com o sentido de terem um local de cultura na região, é vocalizado como um quilombo pelas vidas que o constituem: a Casa Popular de Cultura de M’Boi Mirim. Com a atuação viva de seus integrantes, várias(os) que ainda trabalham de forma voluntária, o espaço se tornou um lócus de semeadura e afirmação de saberes/práticas afrodiaspóricas-indígenas, destacando-se: a) o Grupo Espírito de Zumbi, que desenvolve há 18 anos encontros de capoeira (sem exames de graduação e delimitação de faixa etária) entremeados com vivências de maculelê, coco de roda, puxada de rede e práticas de dança afro e percussão; b) o Grupo Flor de Lis voltado à convivência entre pessoas acima de 50 anos privilegiando manifestações da cultura popular (como jongo, cirandas, congada, canto) que também tem possibilitado movimentos como apresentações do grupo em escolas e espaços culturais e a gravação de um cd, bem como invenções/reinvenções de si pelas participantes. De outras “Interferências” (noção por nós compartilhada) dessa “Casa-quilombo” na existência de moradoras(es), que evidenciam fortalecimentos para a produção de um existir negro, citamos a Capulana Cia de Arte Negra inventada por quatro mulheres que pautam o teatro negro feminino segundo um recorte de gênero, etnia e geografia e que, entre outros movimentos, produziram um longo estudo que resultou em uma montagem dedicada à saúde das mulheres negras para tematizar o que as adoece e cuidados pelos caminhos de outras saúdes em intersecção com saberes afrodiaspóricos, possibilitando discussões/vivências com mulheres (negras, brancas, lésbicas, bis, trans) em diferentes coletivos da região. Outro campo analítico emerge também de uma pesquisa de doutorado onde se encontra com grupos em mobilização popular em diferentes contextos, a saber: associações de bairro e suas relações com o território a partir das demandas comunitárias e da história de lideranças negras femininas por acesso à moradia, e o processo de conferências populares convidando diferentes atores e articulando a partir do território um movimento de discussão e apropriação das demandas por Saúde Mental em meio à Pandemia da Covid-19. Nestas experiências tão diversas, pode-se perceber a força proveniente da vivência comunitária e articulação de pessoas e coletivos no território. Na Associação de Mulheres, localizada na região leste do município de São Paulo, há reinvenções constantes do modo de mobilizar e lutar por melhorias para o bairro desde a conquista pela moradia que originou o conjunto habitacional construído pela CDHU na década de 80. Atualmente há oferta de alfabetização para adultos da região e ações culturais, além de reuniões com a comunidade e outras associações e movimentos sociais da região. Sendo frequentado principalmente por mulheres negras, migrantes e acima de 50 anos, há uma construção coletiva de um reconhecimento do espaço como um quilombo, como uma tecnologia ancestral pautada na igualdade e no respeito e contra toda forma de opressão. Outro campo de análise emerge de uma pesquisa de doutorado que busca dar visibilidade aos modos que os corpos pretos se movimentam no processo da diáspora para o Brasil em confluência com saberes/conhecimentos/práticas que atravessaram o Atlântico e que seguem presentes no cotidiano em diversos planos: nas relações, na produção dos cuidados e nos movimentos de re-existência e reafirmação da vida em comunidades periféricas de Salvador/Bahia. Para isso, serão realizadas aproximações com coletivos de mulheres, movimentos sociais, lideranças e escolas comunitárias, rezadeiras/os, benzedeiras, parteiras e pessoas relacionadas com práticas de cuidados comunitários e perspectivas cosmo-africanas. Propomos, ainda, como quarto campo de análise uma pesquisa de doutorado em estado de germinação que enseja, por meio de aproximações cartográficas, acompanhar os modos de produção de vida e resistência de uma comunidade quilombola localizada no Estado do Pará. Considerando que os quilombos são territorialidades constituídas por modos singulares de organização e produção da vida, eles se modificam e são atualizados na confluência com as paisagens geográfico-histórico-temporais que habitam. Por isso, interessa saber como são construídas as “aventuras vitais, as práticas micro coletivas” desse quilombo paraense a partir da história da comunidade e do seu território, o imbricamento com a floresta, suas dinâmicas, as relações de poder, o entorno, sua vizinhança. Nesse percurso, os encontros, as trocas, os compartilhamentos de saberes e a circulação de afetos e narrativas serão valiosos para a apreensão e a produção de um registro vivo sobre a jornada do povo que assentou uma comunidade quilombola naquelas terras. Considerações Finais: No entrecruzamento das pesquisas compartilhadas, o sentido que alinhava a noção de aquilombamento é a composição e afirmação de modos vitais de resistência político-poética produzidos coletivamente. Nossas tessituras como pesquisadoras que buscam fazer corpo com coletivos diversos e(m) suas territorialidades, portanto, tem se efetuado não somente como exercício sensível de imaginar-sentir-perceber inspirações e avizinhamentos com o quilombo acerca da instauração de arranjos vitais e organizativos urdidos na coletividade, como também na escuta desses coletivos – por nós acompanhados/vivenciados – que se contam e reconhecem no aquilombamento seus modos próprios de produção de vida e resistência.

     

  • Keywords
  • Aquilombamentos, Produção de saúde, Cuidado, Territórios, Formação-pesquisa em saúde
  • Subject Area
  • EIXO 5 – Saúde, Cultura e Arte
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