Encruzilhadas do cuidado integral de adolescentes e jovens (A&J): obstáculos e potencialidades para um agir ético-político orientado pelas necessidades em tempos de acirramento do agir parametrizado na atenção básica

  • Author
  • Valéria Monteiro Mendes
  • Co-authors
  • Gabriela Junqueira Calazans , Jamile Silva Guimarães , Isabella Silva de Almeida , Jose Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres
  • Abstract
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    Introdução/objetivo/métodos: Este trabalho integra as análises de um projeto de pesquisa voltado à construção e avaliação de um programa de prevenção integral para adolescentes e jovens (A&J) em escolas de ensino médio em articulação com unidades básicas de saúde (UBS) nas cidades de São Paulo, Santos e Sorocaba, desenvolvido por pesquisadores/as dos Eixos Escola e Saúde. Do ponto de vista teórico-metodológico, partimos do quadro da Vulnerabilidade e do Cuidado e da abordagem psicossocial e Multicultural de Direitos Humanos (MDH) em articulação como a noção de interseccionalidade para a composição de um desenho que utiliza métodos mistos e pressupostos da etnografia, com vistas a compreensão das interconexões entre marcadores sociais e desigualdades na produção da prevenção, promoção e cuidado de A&J, ao reconhecermos que estes sujeitos vivenciam a ocorrência concomitante de três pandemias (IST/Aids, COVID-19 e de sofrimento mental). Em relação às ações do Eixo Saúde, foco deste trabalho, as mini-equipes (coordenadas por pós-doutorandas vinculadas à Faculdade de Medicina da USP) buscaram identificar/compreender os facilitadores e os obstáculos à construção do cuidado de A&J em unidades básicas de saúde (UBS) de quatro regiões da cidade de São Paulo (Heliópolis, Ipiranga, Campo Limpo, Jardim Ângela), referências das escolas investigadas, tendo como instrumentos metodológicos a observação densa dos serviços e entrevistas com profissionais de saúde e A&J. Cada mini-equipe também esteve voltada para a construção de análises, de base compreensivo-interpretativa, orientadas pelo quadro teórico do Processo de trabalho em Saúde e da Integralidade com ênfase em seus eixos qualificadores (Necessidade, Articulações, Finalidades e Interações), buscando contribuir com a tessitura de prevenção e promoção da saúde para A&J entre as escolas e UBS investigadas. Assim, o propósito deste trabalho é compartilhar parte das visibilidades produzidas pelo Eixo Saúde no que se refere ao modo como os/as profissionais apreendem e reconhecem as necessidades e demandas de A&J nas UBS estudadas. Resultados: As necessidades e demandas mais frequentes de A&J estão relacionadas à busca por métodos contraceptivos (pelas adolescentes), exames/tratamentos para IST (pelos adolescentes), procura espontânea para atendimentos de queixas agudas, sofrimentos psicossociais e questões do uso de álcool e outras drogas, havendo diferenças nos modos como emergem e/ou se combinam dadas particularidades dos territórios, com identificação a partir das consultas e de indicação/solicitação de atendimentos por Agentes Comunitário de Saúde (ACS) e familiares. As demandas psicossociais foram amplamente mencionadas por profissionais de diferentes núcleos de formação (ideação/tentativas de suicídio, ansiedade, automutilação, medos, borderline, esquizofrenia, depressão, tristeza, dificuldade para dormir, nervosismo, impaciência, isolamento), sendo apontadas interconexões com a vivência da pandemia. Foram também apontadas necessidades e demandas que envolvem a autoimagem (dermatológicas, redução de mamas devido repercussões ortopédicas, corpo padronizado) e as relações com os pares na escola (bullying) e com familiares, incluindo ausência de diálogo, negligências de cuidados e afetividade, violências (físicas/psicológicas) e conflitos (processo de transição de gênero, crenças e valores morais divergentes). Ao tematizarmos tais questões, várias/os profissionais apontaram de maneira enfática a formação de grupos como um caminho para abordagem de demandas e de mitigação de equívocos/desinformação de A&J, particularmente, quanto aos métodos contraceptivos (demanda pelo “chip/chip da beleza” – Implanon – dada a utilização por pessoas do convívio e por blogueiras/influencers; medo de adoção do DIU – teria menor eficácia/furaria o útero; mudanças na posologia do anticoncepcional; contraceptivo protegeria contra IST), ao entendimento dos exames a serem realizados na adolescência (pouco conhecimento da necessidade de exames de rotina, incluindo os ginecológicos por adolescentes homossexuais) e para orientações de autocuidado (dúvidas sobre alimentação e composição corporal). Concomitante a tal conexão produzida pelas/os profissionais, emergiu um tema que transversalizou várias entrevistas: as agendas sobrecarregadas/cumprimento das metas que dificultam a participação em novas atividades. Cabe ressaltar, a ocorrência no “pós-pandemia” de ampliação das metas para as equipes multi (60 consultas mensais e 40 grupos) e de redução de reuniões de matriciamento (de duas mensais para cada equipe com a participação da equipe multi, médicos/as e ACS para uma quinzenal para todas as equipes apenas com enfermeira/os e equipe multi). O relato de uma profissional de sua tentativa de propor um grupo para A&J, que não avançou pela baixa participação e a que ela não deu prosseguimento, permite refletir acerca das conexões e possibilidades de ressignificação (ou não) do olhar para as necessidades/características de A&J e o modelo de gestão/organização do trabalho, especialmente no atual contexto de acirramento do agir parametrizado no município de São Paulo. Como afirmado pela profissional, embora a ênfase seja para a formação de grupos (dadas as novas metas), reside a dificuldade de ações para adolescentes que não se enquadram nessa proposição por não gostarem de se socializar diferentemente dos idosos, resultando em grupos com maior participação deste últimos e levando os/as profissionais a seguirem com as atividades consideradas bem sucedidas e pela necessidade de cumprimento das metas. Das UBS investigadas, duas seguem com grupos para A&J. Uma das propostas, iniciada no segundo semestre de 2023 (um grupo para pré-adolescentes e um para adolescentes), foi redesenhada para um grupo unificado (devido ao baixo número de participantes) em que a profissional responsável busca propor para alguns adolescentes a participação no grupo e a manutenção de atendimentos individuais. Outra profissional relatou as tentativas (sem êxito) de formação de um grupo para adolescentes, que rejeitam tal formato pela dificuldade de interação com pares e exposição das situações enfrentadas, apontando a inadequação/ineficácia de atendimentos individuais com periodicidade espaçada (dado o volume de usuários e a pouca disponibilidade de profissionais) que tendem a provocar abandono. Identificamos ainda que os grupos de planejamento familiar que apresentam uma dinâmica mais tradicional/protocolar (apontado em uma UBS como um local de articulação para o cuidado de A&J) são pouco procurados por estes/estas. Tais relatos/experiências oferecem pistas do não-lugar para o cuidado de A&J nas UBS investigadas, pois, como reiterado por vários/as profissionais: não aparece no cronograma, não é o carro-chefe do trabalho. Nota-se, ainda, linhas das prioridades/escolhas que não favorecem a composição/fortalecimento ético-político das equipes, como a redução/ausência de espaços coletivos seguros para colocar em análise o trabalho, bem como de alguns núcleos de formação nas UBS (como os da equipe multi, com profissionais atuando 30h nas UBS em horários pouco viáveis para atividades com A&J e/ou se dividindo entre dois serviços), o que ressoa fortemente nas ofertas para A&J. Considerações Finais: Em que pese os apontamentos dos profissionais de que as atividades propostas nos serviços precisam ter sentido para A&J, necessidade de qualificação da formação para favorecer modos de escutar, acolher e compor ações mais próximas das necessidades de A&J e ainda que tenhamos identificado profissionais com experiência e persistências em relação à composição de ações/grupos para adolescentes, perdura o olhar para as necessidades/demandas de A&J marcado por generalizações e pelo componente biológico, com reforço de modos de pensar-agir irrefletidos, especialmente no contexto do atual modelo de gestão da atenção básica no município de São Paulo por organizações sociais de saúde (OSS). Este pouco favorece Keywords

  • Cuidado Integral, Adolescentes e Jovens, Necessidades, Trabalho em Saúde, Atenção Básica; Etnografia, Abordagem Psicossocial e Multicultural de Direitos Humanos (MDH)
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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