Apresentação
No contexto da saúde coletiva, enfrentamos grandes desafios na produção do cuidado, nos últimos anos, os esforços têm sido direcionados para um cuidado mais abrangente, deixando de lado o medicocentrismo. Apesar de alguns conceitos orientadores, como equidade, integralidade, longitudinalidade, resolutividade e determinantes sociais, nota-se a dificuldade diária em atender a eles.
Uma prática já presente em algumas Unidades Municipais de Saúde (UMSF) são as reuniões de equipe, que têm como proposta discutir de maneira multiprofissional questões pertinentes ao cuidado no território. Neste contexto, a UMSF Rio Comprido implementou de maneira pragmática um modelo de reunião muito exitoso na produção de cuidados em saúde.
Desenvolvimento
No processo de promoção da saúde, diversas barreiras podem ser encontradas, incluindo uma compreensão reduzida do conceito de saúde, seja por parte dos profissionais e/ou da população. A Atenção Básica (AB), caracterizando-se como porta de entrada, é comumente acessada apenas quando a saúde já está comprometida, o que leva, muitas vezes, à concentração majoritária em ações para remissão dos sintomas.
Na Unidade de Saúde da Família (UMSF), diversas atividades integram a rotina, desde cadastros, atualizações, atendimentos individuais e coletivos até visitas domiciliares e procedimentos de enfermagem. Profissionais de nível médio e superior, das mais variadas formações, trabalham para tornar o cuidado mais integral e resolutivo no próprio território de abrangência.
Durante a maior parte do tempo, os atendimentos/procedimentos realizados possuem uma grande especificidade, como um exame de sangue, um curativo ou um atendimento clínico. Grande parte das ações analisa algum recorte importante da saúde do indivíduo. Todo este processo, em algum momento, passa ou deve passar pela ótica da Estratégia de Saúde da Família (ESF), isto é, uma abordagem integral da saúde do indivíduo, levando em consideração sua família, o território e todos os Determinantes Sociais de Saúde (DSS).
Neste importante processo da construção do cuidado, almejando uma maior integralidade, resolutividade, recuperação e prevenção de saúde, bem como um maior aproveitamento de todos os profissionais, o cuidado deve passar a ser da equipe, e não apenas de um profissional.
Em muitos casos, infelizmente, esse cuidado é “compartilhado” de maneira pouco proveitosa, limitando-se a repassar o paciente a outro profissional, seja solicitando avaliação ou encaminhando para outro serviço de referência, muitas vezes desqualificado e/ou com pouca informação. Esse método acaba limitando o trabalho em equipe a cada um, individualmente, avaliando, prescrevendo e aguardando o resultado da intervenção.
Isso leva, além de uma fragilidade do cuidado, a uma “dependência profissional”, onde orientações nutricionais, por exemplo, ficam restritas à figura do profissional de nutrição, assim como demandas que envolvem o serviço social ficam a cargo apenas da Assistente Social. Isso resulta em uma sobrecarga de encaminhamentos “simples” e faz o paciente esperar, muitas vezes desnecessariamente, por uma orientação que poderia ser resolutiva.
Um exemplo prático disso seria um paciente diabético em um acolhimento rotineiro. Um profissional qualquer acolhe o paciente com queixas sobre sua alimentação. Em vez de encaminhá-lo diretamente para uma consulta médica, esse profissional poderia fornecer algumas orientações básicas de nutrição durante o próprio acolhimento, tornando o cuidado mais integrado.
Tal cenário, facilmente repetido em diversas questões de saúde, nota-se que, por questões de atribuições e competências, certas prescrições são de competência estrita de determinadas áreas profissionais. No entanto, no que se refere a orientações mais básicas, um profissional bem matriciado pode, desde o acolhimento, prover informações valiosas para o munícipe carente de orientações.
Uma ferramenta que busca um maior compartilhamento do cuidado são as reuniões de equipe, onde coletivamente são discutidos casos sob o cuidado de um mesmo grupo de profissionais. Não são todas as unidades que possuem, e, naquelas que têm, sua configuração pode variar. Em muitos casos, a mera existência desses espaços contribui para a ideia de que todo o possível está sendo ofertado, criando um sentimento coletivo de contentamento.
As características mais comuns nas unidades que possuem reuniões de equipe são: dia e horário estipulados (por exemplo, toda segunda-feira às 11:00 horas, no entanto, nem toda segunda-feira tem, e nem sempre começa às 11:00 horas); presença do médico, enfermeiro e Agentes Comunitários de Saúde (ACS); escolha do dia em que a equipe realiza visitas domiciliares (o que pode não coincidir com a presença de profissionais do NASF); discussão de casos que serão visitados no dia; muitas vezes a discussão baseia-se apenas em compartilhar uma informação nova, sem aprofundar outras questões pertinentes.
A UMSF Rio Comprido introduziu e, ao longo do tempo, aprimorou a agenda de reuniões de equipe de maneira pragmática. Algumas de suas características devem ser destacadas: periodicidade semanal; dia e horário fixos (estrategicamente escolhidos para que os profissionais do NASF possam participar); participação de todos os profissionais da equipe (médico, enfermeiro, técnico/auxiliar, ACS’s e psicóloga); ambiente reservado exclusivamente para tal atividade; ata de reunião.
Resultados
Nas reuniões da unidade, podem-se observar muitos conceitos norteadores do cuidado à saúde. Durante a reunião, são discutidos os casos mais relevantes e complexos do território, não só a patologia do indivíduo, mas também sua saúde, suas vulnerabilidades e potencialidades, assim como as do território e da família.
Cria-se de maneira sistemática um ambiente de valorização profissional, onde o diálogo é democrático e horizontal, e todos os profissionais são respeitados e podem contribuir ativamente para a construção de estratégias terapêuticas. Além da construção do cuidado com o paciente discutido, constitui-se ainda, durante cada reunião, um espaço de constante Educação Permanente, introduzindo ou reciclando as atribuições de profissionais e serviços, conceitos de cuidado em saúde, etc.
Considerações Finais
A partir disso, percebe-se que, através dessa tecnologia leve, é possível sistematicamente mudar as concepções de cuidado e implementar de maneira orgânica conceitos simples e vitais ao funcionamento da ESF. Nenhum recurso necessário é de difícil acesso, apenas a organização da agenda de maneira estratégica para que todos possam participar.
Com tal estratégia, de maneira prática, através do constante matriciamento e a democratização do conhecimento que provém dele, no caso supracitado, o paciente conseguiria receber uma orientação nutricional básica, seja numa visita domiciliar de um ACS, numa troca de curativo de técnico em enfermagem, num grupo com um profissional de saúde qualquer. Além de contribuir para uma oferta de cuidado mais precoce, que pode, no mínimo, iniciar uma pequena mudança de hábitos no paciente, ainda colabora em muito para a construção de profissionais cada vez mais interdisciplinares e resolutivos.
É necessário reforçar que a simples existência da reunião, criando um dia, horário e duração fixa, não garante o modelo aqui relatado. O êxito do modelo se dá pela sensibilização e abertura dos profissionais para a compreensão e adesão dos conceitos e a importância deste formato de reunião. Deve-se, além da criação formal desse espaço, utilizá-lo para discutir não apenas a intervenção no sintoma/doença, ou as necessidades mais urgentes das visitas a serem realizadas, mas também as causas do adoecimento, a família, o território, a promoção de saúde, as fragilidades, potencialidades e possíveis articulações entre serviços intra e intersetoriais.