Apresentação
No processo de promoção da saúde, podem-se encontrar diversas barreiras, entre elas uma compreensão reduzida do conceito de saúde, seja por parte dos profissionais e/ou da população. A Atenção Básica (AB), caracterizando-se como porta de entrada, é comumente acessada apenas quando a saúde já está comprometida, e devido a essa procura mais seletiva, muitas vezes o processo de trabalho acaba concentrando-se majoritariamente em ações para remissão dos sintomas.
Uma possível abordagem, por vezes pouco explorada, demonstra ser de muita valia na prevenção e promoção de saúde: trata-se da utilização de grupos "abertos", especialmente aqueles destinados ao público em geral, deixando de lado grupos que se concentram em uma patologia específica.
Desenvolvimento
Na oferta de cuidados, a utilização de grupos é uma importante ferramenta, fornecendo diversas vantagens em relação aos atendimentos individuais. Muitas vezes, por diversos motivos estratégicos, promove o atendimento coletivo de um certo público com uma mesma demanda. Tais grupos, frequentemente "fechados", ou seja, possuem um propósito que pode ser cumprido em um período mais curto, proporcionando assim uma maior rotatividade de pacientes. No entanto, com essa abordagem, o público alvo geralmente se consiste em indivíduos que pelo "fator doença" procuraram atendimento, e portanto o foco acaba sendo a remissão de sintomas ou redução de danos de patologias ou disfunções já instauradas.
No município de Jacareí, interior de São Paulo, a estratégia de "grupos abertos" tem sido utilizada com sucesso em algumas Unidades Municipais de Saúde da Família (UMSF). As propostas e abordagens de cada grupo variam, mas em linhas gerais, a UMSF, principalmente através dos (Agentes Comunitários de Saúde) ACS’s, propõe esta prática com temas de saúde diversos, observando as necessidades e preferências do território, os materiais disponíveis e profissionais de apoio como: eMulti, profissionais da enfermagem, psicólogos, etc.
Pode-se citar como exemplo os grupos de Caminhada/Atividade Física, Respiração, Artesanato, Estímulo Cognitivo, Mulheres, Horta. Através destes grupos cria-se um ambiente produtor de saúde, os quais variam também em sua periodicidade, podendo ser semanal (alguns mais de uma vez por semana), quinzenal ou mensal. Neles, são realizadas as mais variadas atividades, e durante elas, muitas vezes são trabalhados temas de saúde relevantes para aquele público.
Observa-se que o mesmo núcleo de pessoas frequenta diversos grupos, e independentemente da temática, a oportunidade de convívio social se torna um importante fator de adesão aos grupos. Constata-se ainda que, pela pluralidade dos participantes, é uma grande oportunidade de conviver com a diversidade, sendo raros os ambientes onde pessoas de diferentes gêneros, raças, crenças religiosas e espectros políticos frequentam por vontade espontânea.
Neste ambiente produtor de saúde, qualquer que seja o eixo do grupo, seja atividade física ou artesanato, torna-se um "terreno fértil" para trabalhar qualquer tema de saúde, independente da atividade a que o grupo originalmente se propõe. Isto é, facilmente pode-se levar educação em saúde, desde temas da agenda anual, como por exemplo "Setembro Amarelo", "Outubro Rosa", "Novembro Azul", até informações mais diversas, e por vezes menos difundidas pelas grandes campanhas, como por exemplo: direito dos idosos, conscientização sobre a luta antimanicomial, prevenção de quedas, direito das gestantes, entre outros.
Nota-se ainda que, nestas situações, obtém-se mais atenção e engajamento dos participantes do que em outras abordagens, como numa sala de espera, por exemplo, e além de tudo, somando o interesse desses usuários (que já se encontram minimamente sensíveis ao cuidado em saúde), o ambiente de diálogo que o grupo proporciona, e o contato próximo aos mais variados profissionais de saúde, acaba de certa forma, tornando-os também agentes multiplicadores de saúde.
Resultados
Através desta prática, obtém-se a produção coletiva e descentralizada do cuidado de saúde dentro do território. Cria-se, antes de tudo, um ambiente de convívio social, onde observa-se a criação de vínculos e amizade, o compartilhamento de experiências entre pares e a convivência da diversidade humana. Cria-se também a oportunidade dos ACS's serem atores na formulação e condução dos grupos, tomando para si um protagonismo nesta importante atividade da UMSF e da comunidade.
Outro fator imensurável é a adesão de determinadas pessoas, algumas com transtornos mentais, que não acessariam o serviço de saúde de outra forma. É nítido nestes indivíduos a mudança de comportamento, seja de hábitos alimentares, atividade física, horas despendidas na socialização/atividades destes grupos, habilidades sociais, etc. Por falta de instrumentos sensíveis a todos os aspectos que englobam esses pequenos "microefeitos" da promoção de saúde, estes resultados podem não ser considerados "estatisticamente relevantes", mas sem dúvida, para aquele indivíduo, foi.
Considerações finais
Nas unidades em que se têm êxito na implementação deste formato de grupo, observa-se alguns padrões que podem estar associados com a implementação bem-sucedida desta ferramenta. O primeiro, e mais evidente, é o grupo ser gerenciado por dois ou mais ACSs da unidade de saúde, e a realização dos encontros não estar obrigatoriamente condicionada à participação de outros profissionais (como médicos, eMulti, etc).
Outro ponto de grande relevância é que muitos destes grupos têm caráter impessoal, pertencem à unidade, e não aos ACSs, ou seja, mesmo que o profissional responsável por aquele grupo deixe de compor o quadro de funcionários, o grupo continuará a existir, contribuindo muito para a efetivação desta estratégia como um instrumento legítimo e próprio da unidade de saúde, criando a possibilidade de qualquer profissional que tenha passado pela UMSF ter a oportunidade de experienciar e tentar replicar em outras UMSF.
É fundamental ressaltar que os grupos podem ser as únicas atividades às quais o público dispõe, seja por escassez de atividades no território; restrições físicas, que implicam em dificuldade de utilizar transporte público/percorrer maiores distâncias; e/ou não ter recursos financeiros para custear o transporte/outras atividades. Torna-se claro o imprescindível papel das equipes de ESF como promotoras de saúde nos territórios.
Por fim, reconhecendo o valor destas práticas, é indispensável também reconhecer o trabalho realizado pelos ACS's responsáveis, nota-se que a existência ou participação em grupos não são de caráter obrigatório de suas atribuições, como por exemplo, um número específico de visitas domiciliares, e ainda sim, com grande afinco e dedicação os profissionais se dispõe e mantém esses grupos de tanta importância, mesmo e apesar das dificuldades intrínsecas as quais podem estar sujeitos, como a falta de espaço adequado, material, apoio de outros profissionais, reconhecimento, e etc. Considera-se que, realizar aquilo que não lhe é obrigação, é a mais sincera materialização do conceito de cuidado.