Apresentação:
O que pode corpos-territórios quando o desconforto de um lugar marcado por uma estrutura hegemônica classista, racista e sexista estabelece e mantém desigualdades e priva a existência e produção de vidas outras? Diante do incômodo, e com a necessidade de firmar uma postura ética política caminhamos com nossas parentas indígenas que através de ações políticas pautadas no afeto nos convidam a reflorestarmentes, e desse modo, esfriar o coração dos homens para a cura da terra. Dentro dessa perspectiva, nasce a Liga de Saúde Indígena (LUSI) da Faculdade de Medicina da UFAM.
O objetivo da LUSI é promover diálogos e integração entre saber médico e as medicinas dos povos da floresta na abordagem e perspectiva de saúde dos povos indígenas. Este trabalho aborda diversas temáticas importantes, incluindo o espaço sociocultural e o processo saúde-doença, representações sociais e interculturais em saúde, a relação entre as medicinas indígenas e medicina ocidental, atenção primária em saúde indígena, e os princípios da clínica ampliada. Outros tópicos incluem a atenção diferenciada, autoatenção e o trabalho educativo em saúde indígena, bem como as ações das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) para acolhimento e promoção da saúde indígena. A composição dessas equipes é interdisciplinar, englobando profissionais de diversas formações, como medicina, enfermagem, psicologia, biologia, nutrição, ciências sociais, antropologia, sociologia, geografia e outras áreas relacionadas à medicina indígena. Este caráter interdisciplinar se reflete na abordagem metodológica e na relação entre os saberes acumulados por cada membro da equipe. Especialmente, neste momento estamos numa fase do “FALA PARENTE”: são momentos de escutatória, em que chamamos uma pessoa indígena que conte sua história, suas lutas, um parente que traga em seu corpo-território toda história e percepção dos seus ancestrais sobre a vida, sobre saúde, sobre o corpo, sobre cuidado.
Metodologia Interdisciplinar e Transdisciplinar: As atividades são planejadas para promover trocas e construções compartilhadas de conhecimento. Além do caráter interdisciplinar, a LUSI busca promover uma dimensão transdisciplinar ao dialogar com os saberes e práticas indígenas, ampliando o diálogo para além dos espaços acadêmicos. Este diálogo intercultural, interprofissional e interepistêmico é essencial para uma compreensão ampliada dos territórios indígenas e suas demandas de saúde. Madel Luz já nos chama atenção desde muito tempo sobre a importância de colocar os diferentes saberes, incluindo o acadêmico, em uma relação interepistêmica, superando relações hierárquicas e colonialistas. Este diálogo, que se estende para além dos limites acadêmicos, gera modos inovadores de pesquisa e desenvolvimento do pensamento, promovendo modos de vida e produção de saúde específicos para cada contexto indígena.
Discussões – Resultados: Integração de Saberes
A LIGA busca uma noção de implicação e compromisso com a lógica do bem viver, questionando modelos biomédicos e políticas centralizadas em aparatos tecnocráticos de saúde. As relações entre os diferentes saberes e conhecimentos contribuem para a produção de um conhecimento que valoriza diversas formas de cuidado em saúde, além dos limites impostos pela biomedicina. As disciplinas acadêmicas têm muito a aprender com as práticas e saberes dos sistemas de proteção e cuidado indígenas. A LIGA visa à expansão do conhecimento, formação de pesquisadores e produção de cultura na tomada de decisões sobre políticas públicas, abordando a interculturalidade e integralidade em saúde. Isto requer considerar os modos de vida em cada território e os diferentes saberes e práticas que os constituem, uma contribuição das ciências sociais e humanas ao campo da saúde.
Entre os desafios estão a necessidade de um diálogo horizontal entre as várias medicinas na Amazônia, que se materializam no cuidado em ato nos territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos e na cidade com o saber biomédico, resultando em novas formas de saúde e desenvolvimento do trabalho em saúde. A pandemia de COVID-19 destacou a importância das tecnologias de cuidado ancestrais indígenas, que geram novas perspectivas para compreender a produção de saúde e apoiar a formulação e implementação de políticas públicas.
Considerações Finais:
A proposta da LUSI é um ato político de ocupação do espaço acadêmico com o objetivo de construir territórios de discussão, articulação e produção científica em torno de temas que se interseccionalizam e são invisibilizados dentro da academia, trazemos como eixo norteador o cuidado como ética e política. Temos como espaço de reflexão, a Amazônia, nosso quintal e como base teórica a perspectiva de pensadores indígenas como Ailton Krenak, Davi Kopenawa e a cosmovisão das mulheres indígenas para assim descolonizar, respeitar e assumir nosso compromisso político de construção de mundos outros possíveis.