O Fórum Baiano de Atenção Primária à Saúde é um evento promovido pela Liga de Atenção Primária à Saúde (LAPS) com o propósito de possibilitar a construção de um espaço amplo e integrador para o debate sobre a Atenção Primária no Sistema Único de Saúde (SUS). Com o tema “Dos campos, das cidades, das águas: 30 anos da Saúde da Família”, realizamos a quinta edição nos dias 22 a 24 de fevereiro de 2024, retomando o formato presencial, após os desafios impostos pela Covid-19. O Fórum é um evento de extensão ligado ao Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e foi apoiado pela Pró-Reitoria de Extensão e Superintendência de Tecnologia da Informação da mesma universidade. Este trabalho objetiva relatar a experiência e apresentar um panorama geral acerca da construção, desenvolvimento e resultados obtidos com o Fórum. Ao longo de seus 30 anos, a Saúde da Família tem tensionado uma concepção abrangente de cuidados primários em saúde, considerando o pertencimento das pessoas aos territórios em que vivem e uma abordagem extensa dos processos de cuidado no SUS. É com essa concepção ampliada de saúde como direito de cidadania que queremos que a Atenção Primária à Saúde (APS) chegue às pessoas que vivem em todos os lugares - desde os campos, passando pelas cidades, até as comunidades das águas. Nesse sentido, o tema escolhido para o evento reflete a necessidade de discutir a trajetória da Saúde da Família e suas perspectivas dentro do sistema de saúde, com ênfase na pluralidade que compreende sua população usuária - o(s) povo(s) brasileiro(s). Em seu nome, o V Fórum Baiano de Atenção Primária à Saúde expressa aquilo que, necessariamente, é preciso considerar ao pensar e atuar na saúde coletiva: as múltiplas e complexas formas de existência. Dado o direcionamento temático para o processo de construção do evento, definiram-se quatro grandes eixos para o planejamento das atividades: 1) Política, planejamento, gestão e ações da APS: desafios para a concretização da Saúde da Família; 2) Integralidade na APS: desvelando e tecendo redes de cuidado; 3) Todes na Saúde da Família: articulando raça, gênero, sexualidade, corporeidades e outros marcadores sociais da diferença na saúde; 4) Extensão universitária, saúde e comunidade: encruzilhadas, emancipações e cuidados compartilhados com a APS. Esse planejamento ocorreu durante todo o ano de 2023 e envolveu a construção conjunta do I Encontro de Extensão, Saúde e Comunidade, que ampliou o escopo e perspectiva de abordagem do Fórum, trazendo para sua arena os movimentos sociais e outros atores que compartilham projetos com a LAPS, além de colaborações e apoios diversos recebidos, como o Encontro territorial Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS em Salvador. As demais atividades foram planejadas conforme o vasto arcabouço pedagógico que se constitui na APS: círculos de cultura, apresentações de trabalhos, oficinas interativas, mesas de debate, conferências, encontro intersaberes, espaço de cuidados com práticas integrativas e sessão de cinema. As inscrições do evento e a submissão de resumos simples e expandidos para serem apresentados na forma de comunicações orais foram abertas em novembro de 2023. Cada um dos 226 trabalhos submetidos foi avaliado através do método às cegas por duas pessoas avaliadoras que compuseram uma comissão de 84 docentes-pesquisadores do campo da saúde coletiva. Iniciamos o ano de 2024 com o grande desafio de coordenar e garantir uma programação que ganhava forma e se expandia conforme se aproximava a abertura do evento. Nesse período, as diversas comissões formadas (arte gráfica e divulgação, científica, logística e coordenação geral) direcionaram seus esforços ao planejamento dos materiais, estrutura e logística, bem como ajustes de metodologia junto às pessoas convidadas que compuseram cada atividade da programação. Diversos espaços foram organizados, incluindo a Tenda Nêga Pataxó, em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena, estruturada como uma espaço para honrar e fortalecer a luta contra a violência e a repressão enfrentadas pelos povos indígenas. Como resultado desse intenso processo de organização que mobilizou a LAPS, o Fórum contou com mais de 600 pessoas inscritas através da plataforma virtual disponibilizada pela universidade, dentre estudantes, docentes, representantes de movimentos sociais, pesquisadores, gestores e trabalhadores da área da saúde, e ocorreu no campus Federação/Ondina da UFBA. Foram três dias de evento, contando com uma Conferência de Abertura que, proferida pela convidada Eliete Paraguassu, tratou do racismo ambiental e seus desdobramentos sociais nocivos, além de atividades diversas num movimento de luta pela democracia, vida e saúde coletiva, das quais destacamos: 25 círculos de cultura, 14 oficinas, 159 trabalhos apresentados (116 comunicações orais curtas e 43 comunicações orais longas), quatro mesas de debate, encontros intersaberes regados com arte, espaço de cuidados com Práticas Integrativas e projeção do filme “Quando Falta o Ar”, que contou com uma sessão dialogada com Helena Petta, uma das diretoras e roteirista do documentário, e Andreia Beatriz, médica do Complexo Penitenciário Lemos de Brito à época do documentário. Nessas atividades, a partir de uma inspiração no trabalho do educador Paulo Freire, privilegiamos abordagens que permitiram a participação ativa e colaborativa das pessoas, a exemplo da realização dos círculos de cultura, onde o trabalho em grupo contribui com a troca de saberes através de uma proposta dialógica e horizontalizada. Do mesmo modo, nas salas onde ocorreram as apresentações de trabalhos, os mesmos desenvolveram-se em formato de rodas de conversa para possibilitar o debate entre as pessoas participantes. Os assuntos integrados à programação perpassaram diversas temáticas no contexto da APS: saúde dos povos indígenas e população negra, população quilombola, insegurança alimentar e nutricional, saúde mental, trabalho interprofissional, transgeneridades, educação em saúde e popular em saúde, pesquisa e extensão universitária, racismo, projetos terapêuticos, culturas de cuidado em saúde, formação em saúde, expansão e qualificação da Atenção Primária, entre outros. Ao refletirmos sobre os resultados alcançados, acreditamos que o evento se desenvolveu como um espaço potente para refletir, (re)pensar e agir no contexto da APS, considerando a troca e ampliação de saberes, práticas e experiências compartilhadas, a diversidade e a metodologia das atividades desenvolvidas, baseadas na construção compartilhada e colaborativa de conhecimento. Considerando o alcance da APS nas diversas realidades brasileiras, em vista das potencialidades e desafios a serem discutidos em ações coletivas, reafirmamos que o evento cumpriu o seu papel em promover uma reflexão crítica frente a participação de uma diversidade de atores nos espaços de debate, além do aprendizado dos estudantes envolvidos sobre o temário e a organização de eventos. Compreendemos a Saúde da Família como uma ferramenta anticapitalista e anticolonial nos diálogos Sul-Sul, afirmando um sistema de saúde comprometido com as necessidades da população e com a descolonização do campo da saúde. A essa questão somam-se todas as lutas por direitos dos povos e territórios oprimidos e invisibilizados diante das linhas geopolíticas ocidentais, neoliberais e nortecêntricas. Fortalecemos, neste contexto, que o Fórum Baiano de Atenção Primária à Saúde carrega consigo um potente histórico de cinco edições, consolidando-se como um espaço que, periodicamente, reúne atores sociais para analisar e debater os diversos aspectos que envolvem a APS no contexto da construção do SUS que defendemos. Caracteriza-se como um evento que externa um interesse em comum do grupo que constitui a LAPS: impulsionar a construção coletiva de oportunidades para diálogos, debates e educação na APS.