É crescente a percepção de que a formação médica baseada na fragmentação do conhecimento e no reducionismo do cuidado aliado a supervalorização do aspecto biológico-medicalizante é inadequada para as necessidades da população. Nesse modelo hegemônico, o ciclo básico e clínico são considerados conjuntos disjuntos e a sua formação estimula insuficientemente o desenvolvimento da autonomia, da capacidade investigativa e criativa. Portanto, a constituição de um profissional competente, que alie habilidades médicas, comunicativas e que considere o processo saúde-doença de forma ampliada, conforme preconiza o SUS, é um desafio para as escolas médicas no país. Assim, experiências acadêmicas que considerem para além do biológico ou aspectos psicológicos, sociais e ambientais são de grande importância, pois possibilitam aprendizagens teórico-práticas para o exercício futuro da profissão e para a vida pessoal dos estudantes, potencializando suas habilidades, a confiança e a construção de subjetividades. Dentre as diversas vivências, destaca-se o mentoring (mentoria), atividade que se pauta numa relação horizontal entre universitários, professor e comunidade externa, cujo objetivo é fazer com que os graduandos tenham experiências significativas nas humanidades médicas, buscando ultrapassar a perspectiva biomédica e as restrições do racionalismo científico da área. Dessa forma, o objetivo deste estudo é relatar a atividade do mentoring ocorrida na disciplina “Habilidades e Humanidades II”, no segundo semestre de 2023, no curso de medicina da UFSC-Araranguá que teve por finalidade a aproximação dos alunos com a comunidade em que o curso está inserido, em uma perspectiva de ensino-serviço comunidade. Inicialmente, no âmbito teórico, os graduandos construíram e apresentaram seminários sobre os ciclos de vida (gestação, bebê e primeiro ano de vida, criança de três a seis anos, adolescência, idade adulta, velhice); na instância prática, realizou-se duas conversas presenciais com indivíduos desconhecidos de alguma das faixas etárias descritas, escolhidos de forma aleatória. Os encontros foram sintetizados por escrito, lidos e discutidos coletivamente em sala de aula após cada vivência. O mentoring constitui-se como um dos primeiros contatos dos alunos na formação inicial com os usuários do Sistema. Entretanto, desaconselhou-se adotar roteiros de entrevistas, da mesma forma que o enfoque do diálogo deveria ultrapassar a condição de saúde do entrevistado; assim, os alunos tiveram que conectar-se com indivíduos fora de seu círculo social, construir diálogos e conduzi-los nos seus discursos, mobilizando ferramentas imprescindíveis no exercício laboral, como comunicação, escuta ativa, sensibilidade para com o outro e autoconfiança. Essas competências englobam parte do que é compreendido como essencial a formação humanística do estudante de medicina e contribuem para a construção profissionais criativos, reflexivos, interdisciplinares, éticos e comprometidos com a produção de práticas de atenção à saúde que rompem com a perspectiva biomédica vigente. Por fim, a efetivação de princípios como integralidade, equidade e igualdade no cuidado apenas serão atingidos por meio de uma comunicação eficiente, capacidade de diálogo e de aproximação com o outro. Assim, a atividade realizada já no começo do curso contribuiu significativamente para formar pessoal e profissionalmente os futuros médicos envolvidos na atividade.