A naturalização do assédio sexual e as redes de proteção encontradas por mulheres: recorte de uma pesquisa na perspectiva de adolescentes

  • Author
  • Victória Gonçalves de Ávila
  • Co-authors
  • Tainá Schütz , Cristiane Davina Redin Freitas
  • Abstract
  •  

    O assédio sexual se caracteriza por comportamentos não consentidos, incluindo toques, comentários e gestos obscenos, podendo ser expresso de maneira verbal ou não verbal. Dados comprovam que mulheres são as principais vítimas dessa violência, evidenciando-se um problema de saúde pública. Ainda, a infância e a adolescência são períodos de fragilidades e exclusões, tornando este público mais suscetível ao assédio. Nesse viés, a pesquisa teve como objetivo verificar as representações sociais de adolescentes autoidentificadas do gênero feminino acerca do assédio sexual, explorando seus conhecimentos e o que produzem acerca da temática nos dias de hoje. Por meio disso, foi possível destacar informações sobre quais recursos esse público possui para lidar com o assédio e se há rede de apoio para essas adolescentes. Considerando todas as singularidades do adolescer, a discussão questiona sobre a vulnerabilidade de ser mulher na adolescência. Ressalta-se que nesse resumo, para fins de organização, quando for utilizado o termo “mulher” está se referindo à mulheres cisgênero. A pesquisa apresenta um estudo de natureza qualitativa exploratória, o qual foi realizado por meio de entrevistas individuais com seis adolescentes que tinham entre doze até dezoito anos de idade, vinculadas ao Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) de um município do interior do Rio Grande do Sul. Assim sendo, os instrumentos adotados para a análise qualitativa reuniram a realização de questionamentos semi-estruturados por meio de perguntas norteadoras, foram realizadas gravações e subsequentes transcrições dos relatos. Para iniciar as entrevistas, se utilizou uma notícia como situação problema, propiciando um momento de reflexão sobre o entendimento das adolescentes acerca do assédio sexual. A notícia escolhida é intitulada “A polêmica campanha contra 'encaradas' no metrô de Londres (e por que isso é considerado assédio sexual)”. Posterior a coleta de dados, foi realizada uma leitura das respostas das entrevistadas para a inclusão das categorias temáticas, visando a organização da discussão. Este resumo apresenta um recorte dos resultados parciais da pesquisa, portanto, foram escolhidas duas das categorias para serem apresentadas, sendo “normalização do assédio sexual” e “rede de apoio entre mulheres”, respectivamente. Também foram selecionadas duas das entrevistas para serem discutidas. As participantes serão identificadas a partir das siglas E1 e E2. O estudo foi produzido a partir da análise de conteúdo de acordo com as representações sociais. É válido pontuar que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), através do parecer 6.768.763, CAAE 78853024.6.0000.5343. Serão discutidos a seguir os resultados obtidos. Em relação à primeira categoria, durante as entrevistas e falas das adolescentes, se percebeu uma naturalização do assédio. Está presente um conformismo no discurso das entrevistadas, em que a única maneira de lidar com o assédio é se defendendo dele. Ao serem questionadas sobre o que fariam após identificar uma situação, as entrevistadas referem: “Eu ia falar com uma pessoa. Primeiramente, se eu fosse fazer isso, eu ia sair de roda. Se a pessoa me forçasse, eu ia pedir socorro. Se não fosse pedir socorro, eu ia bater na pessoa, fazer alguma coisa, morder, tirar o cabelo, deixar na pessoa, porque dizem que isso ajuda bastante e tal, deixar o cabelo no local, deixar a marca digital. Sabe?” (E1); “Eu... Não sei, eu nunca fiz nada assim, sabe? Aconteceu uma vez algo mais grave que eu fui relatar na delegacia, mas não foi meu primeiro instinto e com certeza não era o que eu queria, porque eu sabia que não ia ajudar e que não ia fazer diferença na situação.” (E2). O assédio e as formas de cuidado são citados como algo automático na vida das mulheres: “[...] Mas como é que tu pensa isso na hora? É automático. A gente foi criada para saber isso. A gente, desde muito cedo, a gente aprendeu isso, seja da forma fácil ou seja da forma difícil. A gente aprendeu a como reagir, a como fazer. Então, eu acho que a gente já tem um histórico, sabe? E acaba sendo automático essas situações. Até mesmo quando foi a primeira vez que eu fui assediada no ônibus, é sentir como se fosse... a décima vez, porque foi tão natural, foi tão automático, porque tudo tinha acontecido, tão natural, sabe? Que eu nem sequer notei que tinha sido a primeira vez.” (E2). As adolescentes são orientadas desde crianças em relação aos cuidados a serem tomados, o que reforça a naturalização do assédio na sociedade: “Eu já vou pra rua sabendo que vai ter pessoas, e sim, eu fico me cuidando. Eu olho pra trás, olho pros lados, olho pra todo lado, porque eu tenho muito medo. E ultimamente tem muita notícia e minha mãe sempre diz para eu cuidar né, então desde criança eu sempre cuidei, desde quando ia na vendinha  lá do lado de casa eu sempre cuidei.” (E1). Em outro relato a entrevistada refere “Desde pequena eu sou ensinada a isso. A sempre ter esse medo, sabe? Minha avó desde que eu sou pequena ela fala, olha não pode ir no banheiro com outra pessoa, só tu vai no banheiro, se alguém quiser te acompanhar no banheiro tu fala que não porque banheiro é lugar de ficar sozinho, quem pode encostar em ti é a mamãe e o papai e só pode encostar para limpar [...], então, é nos colocar desde pequeno, como que a gente tem que agir para sobreviver, sabe?” (E2). Nesse sentido, as representações sociais influenciam a forma como percebemos e interpretamos o mundo. Em suma, desde o momento em que o ser humano vem ao mundo, ele é influenciado por estruturas sociais que moldam suas concepções e comportamentos, tais estruturas são reforçadas coletivamente e são, de fato, impostas aos indivíduos. Agora sobre a segunda categoria, quando questionado acerca de orientações e suporte que as jovens recebem de adultos, as entrevistadas relataram que os cuidados são orientados, principalmente, por outras mulheres: “Geralmente todas as mulheres que converso daqui do CAPS, todas, já me falaram isso [...], as minhas amigas sempre me falaram isso, elas falam que tem medo também. De homem só meu padrasto falou isso pra mim, que é pra mim me cuidar, acho que porque é meu padrasto.” (E1); “Sim, recebemos, de mulheres, principalmente de mulheres. Porque os homens é uma coisa mais… se alguém mexer contigo, tu me avisa que eu sou homem, eu vou meter a  porrada, que eu vou fazer alguma coisa pra te defender [...] Mas agora, as mulheres é uma situação, tipo, sempre mantém a calma, sempre tenta fazer alguma coisa diferente, tenta sair de onde tu tá, tenta procurar ajuda, comunicar o que o que que tá acontecendo (...).” (E2). Diante dessas reflexões, conclui-se que vivemos em uma sociedade misógina, para pertencer a ela a mulher precisa criar uma rede de proteção e um conjunto de prescrições para se inserir no meio social. Os papéis atribuídos às mulheres englobam aprovações, proibições e restrições, esses papéis são conceitos aprendidos e transmitidos. No contexto em questão, as mulheres precisam internalizar uma série de medidas de proteção aprendidas culturalmente por outras mulheres como forma de defesa. O assédio sexual é naturalizado e a via possível de atuação encontrada pelas mulheres é a criação de uma rede de apoio entre elas para se defenderem. 

  • Keywords
  • Assédio sexual, Adolescência, Mulheres, Violência, Representações sociais.
  • Subject Area
  • EIXO 7 – Rotas Críticas - Narrativas de Violência Contra a Mulher
Back