A Residência em Saúde mostra-se como uma estratégia potente para a formação de profissionais de Saúde de modo mais alinhado com as necessidades do SUS e da população. O presente trabalho tem por objetivo relatar brevemente o período de implantação da Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde (PRMAPS) da Secretaria de Saúde de Santos em seus dois primeiros anos, destacando três elementos fundamentais neste período: a) construção coletiva de matriz curricular e valorização do corpo docente; b) estruturação das atividades práticas: “Semana mínima” e “compartilhando a experiência” c) as “Tutorias”
O PRMAPS surgiu como parte de um projeto de ampliação da cobertura de Estratégia da Saúde da Família e qualificação da Atenção primária, prioridades da gestão na época. A formulação do programa, matriz curricular e definição de corpo docente foi iniciada ainda em 2017, por meio de oficinas organizadas pelo Departamento de Atenção Básica e Coordenadoria de Formação, com o objetivos de identificar profissionais com formação necessária e motivados pela proposta, alinhar expectativas e elaborar a matriz curricular. Os profissionais convidados a compor o corpo docente foram identificados pela gestão tendo como critério o envolvimento anterior em ações de educação permanente, ser servidor estatutário e formação mínima de especialista.
Matriz curricular e valorização do corpo docente
A estruturação da matriz curricular partiu das diretrizes nacionais e experiências de outros municípios, mas agregou conteúdos indicados pelo corpo docente e representantes da gestão em Oficinas de Trabalho a partir da pergunta disparadora: “Quais temas você considera essenciais para a atuação na Atenção Primária no SUS e que não foram abordados em sua graduação?”. Iniciou-se pela estruturação de conteúdos do eixo comum, para então definir os temas específicos por categoria profissional. Entre os diferentes temas identificados destacamos: interprofissionalidade, território e territorialização, ênfase nos determinantes sociais de saúde e manejo de grupos. Foram ao todo 7 oficinas preparatórias, entre Fevereiro e Novembro/2017, sendo seis para delineamento da matriz curricular e uma para pactuação com outros Departamentos, permitindo uma formação com base na Atenção Primária mas com estágios em diversos serviços da rede.
A matriz final foi resultado de uma produção coletiva e interprofissional e resultou em um eixo comum amplo, incluindo disciplinas teóricas, atividades teórico práticas e práticas e sete eixos específicos por categorias, com atividades teóricas e teórico-práticas (tutorias), sendo elas enfermagem, odontologia, psicologia, serviço social, Nutrição, Educação física, Terapia ocupacional.
A chegada dos residentes em Março/2018 trouxe aos profissionais o desafio de conciliar atividades do Programa e as ações assistenciais já desenvolvidas anteriormente, exigindo do corpo docente intenso envolvimento e trabalho adicional. Em Setembro/2019 foi publicada Lei Complementar que viabilizou pagamento de gratificação específica a tutores e preceptores, dando maior estabilidade ao Programa e valorização dos atores envolvidos.
Estruturação das atividades práticas: “Semana mínima” e “compartilhando a experiência”
Após o período inicial de Acolhimento em Março/2018, os residentes passaram a integrar equipes NASF ou equipes de saúde da família, na qual estava o profissional que assumiria o papel de seu preceptor. O percurso formativo, em sua maior parte de caráter prático, tornou-se responsabilidade de cada preceptor, suscitando o desafio de conciliar as demandas das equipes envolvidas e a curiosidade e desejo de experimentação dos residentes. Previsivelmente, o processo fez emergir muitas dúvidas e incertezas em todos os atores. Para apoiar este momento, disponibilizamos um roteiro denominado “semana mínima”, como forma de orientar e homogeneizar as atividades dos residentes e nortear os preceptores quanto ao que propor na rotina.
A “Semana Mínima” ao explicitar as diferentes tipos de ações o residente deveria vivenciar (atendimentos individuais, grupos, visitas domiciliares, reuniões de equipes) mostrou-se um instrumento para dialogar com as equipes apoiadas sobre o percurso formativo do residente no campo de prática, evitando que o profissional-residente fosse capturado por uma atividade empobrecida ou voltada somente a assistência individual. Possibilitou ainda aos residentes e preceptores um referencial mais sólido para as atividades práticas a serem desenvolvidas por todos os residentes, ainda que com graus e características diferentes, de acordo com a categoria profissional.
Outro dispositivo importante no PRMAPS foi a constituição de espaços amplos de participação envolvendo todos os residentes, membros do corpo docente e gestão do Programa. O “Compartilhando Experiências” é um espaço formativo mensal onde são discutidos as ações desenvolvidas nos diferentes territórios, mas também os desafios do Programa. É um espaço de escuta dos residentes e suas demandas, de alinhamento entre os diferentes atores, de troca de experiências e de pactuação, promovendo qualificação contínua do PRMAPS.
Estruturação dos eixos específicos: as tutorias
O espaço da tutoria foi construído com o objetivo de proporcionar discussões teóricas com os residentes a partir de seus núcleos específicos em articulação com as experiências vivenciadas no campo de práticas. O tutor ou tutora precisa necessariamente ser trabalhador ou trabalhadora da Atenção Básica, ter formação acadêmica mínima com título de mestre e atuação fundamentada na articulação teoria e prática envolvendo conhecimentos de Saúde Coletiva e de seu núcleo específico de formação.
Os encontros entre tutor e residentes (R1 e R2) de cada núcleo específico acontecem com periodicidade semanal e durante esses seis anos de existência do PRMAPS têm reinventado formas de se concretizar. Há, por exemplo, propostas de momentos para tutorias compartilhadas entre os núcleos, encontros de tutorias abertas com temática específica para discussão ampliada, tutorias organizadas a partir de um eixo orientador anual de acordo com a vivência nos territórios, tutoria como disparadora para a produção de artigo científico e o envolvimento da tutoria na construção de simpósio municipal sobre saúde mental e atenção básica.
Podemos afirmar que o espaço da tutoria se consolidou como um importante momento de aprofundamento teórico, troca de experiências e aprendizado coletivo e horizontalizado que solidifica a formação e a prática comprometida com o cuidado e os princípios do SUS, fortalecendo as categorias profissionais para além de seu conhecimento específico. Nesses espaços há momentos garantidos para leitura de textos acadêmicos e discussões acerca das práticas desenvolvidas em campo.
Resultados
Podemos afirmar que o PRMAPS de Santos se consolidou como importante estratégia municipal para qualificação da Atenção Primária, valorizando os trabalhadores diretamente envolvidos e assumindo o compromisso na formação de outros profissionais.
A matriz curricular, a formatação da semana mínima, o Compartilhando Experiência e as tutorias, constituídos nos 2 primeiros anos, seguem como elementos estruturantes no Programa e deram base para ferramentas avaliativas e diretrizes elaboradas posteriormente. Neste ano, completamos seis anos de atividade do Programa, tendo recebido neste período 113 residentes, com 52 profissionais formados. Atualmente temos 32 residentes em formação atuando nas diversas regiões da cidade e 45 servidores no corpo docente.
Um programa que segue em aprimoramento, atento às contribuições das equipes, dos residentes e aos desafios dos territórios e que tem como elemento fundamental a construção coletiva e interprofissional, visando a real consolidação de um SUS acessível e de qualidade para todos.