Este trabalho parte de uma pesquisa de doutorado em Psicologia Social e Institucional (UFRGS) e tem como objetivo contribuir para o fortalecimento da autonomia das pessoas vivendo com HIV, trazendo ao diálogo a Gestão Autônoma da Medicação (GAM) e a Prevenção Combinada, considerando que o encontro da GAM com o HIV ainda é inédito em termos de pesquisa. A pesquisa foi desenvolvida no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD IV) Céu Aberto, em Porto Alegre/RS, que, sustentando a redução de danos como diretriz do cuidado, atende, sobretudo, população em situação de rua. O objetivo foi experienciar, junto aos usuários/as e trabalhadores/as, as dimensões do cuidado, direitos e autonomia, tendo o Guia GAM como instrumento inspirador para repertórios inventivos. Como primeiro momento, foram realizadas rodas de conversas com a equipe no espaço de educação permanente. Após, foi implementado um grupo-intervenção (GI) com os/as usuários/as, para dialogar a respeito do fortalecimento da autonomia e de questões relacionadas à álcool e outras drogas, questões raciais, de gênero/identidade de gênero, socioeconômicas, garantia de direitos e prevenção combinada do HIV. Por fim, foram realizadas rodas de conversas para restituir as narrativas dos encontros do GI aos/às participantes, de forma a validá-la ou construir outra narrativa em conjunto. Trata-se de uma pesquisa-intervenção, com enfoque qualitativo, utilizando como metodologia as Rodas de Conversa para o GI e a perspectiva do PesquisarCOM, que envolve a participação dos/as usuários/as em todo processo. Para desenvolver essa proposta, contextualizamos a necropolítica e as epidemias de HIV e a do coronavírus, que atualiza a política de morte já vivenciada pelas outras epidemias, sobretudo nas populações mais marginalizadas. O encontro entre GAM, Redução de Danos e Prevenção Combinada, por meio de produções inventivas experimentadas nas Rodas, mostrou-nos algumas construções possíveis.
Por um lado, a partir da GAM e do coletivo como um dispositivo, foi possível trabalhar com uma ferramenta ética, com potencial antirracista e de reposicionamento de usuários/as e trabalhadores/as em direção à construção de relações mais horizontais. Sustentamos a aposta de que a GAM, ao incluir questões relacionadas a racialidade, gênero e sexualidade, ajuda a romper formas de silenciamento. Ao levar tais questões para nossos encontros, nas diversas formas inventivas que podem se produzir, nós, trabalhadoras/es de saúde, saímos da posição passiva de neutralidade e nos reposicionamos numa clínica-ética-política que reconhece as iniquidades e afirma a busca por garantias e ampliação de direitos dessas populações.
Por outro lado, a partir da Prevenção Combinada, foi possível afirmar a necessidade da quebra da cisheteronormatividade, que está enraizada nos nossos discursos e fazeres no campo da saúde mental. Além disso, esse encontro nos mostrou que, embora a resposta brasileira ao HIV tenha tido grandes avanços farmacológicos, as populações-chave mais vulnerabilizadas ainda não têm alcance de tais ofertas de cuidado. É necessário que a política de HIV saia do seu lugar de conforto de formulação das diretrizes para adentrar, de fato, na interlocução com outras políticas e equipamentos que conseguem acessar de forma mais orgânica as populações mais marginalizadas.