Apresentação: Define-se lesão medular espinhal (LME) como qualquer injúria que venha a ocorrer nas estruturas localizadas no canal medular, provocando alterações nos aspectos motores, sensoriais, autonômicos e psicoafetivos. Trata-se de uma condição a qual não está sujeita à notificação, portanto as estimativas sobre coeficiente de incidência e a precisão de dados sobre o número real de casos não são tão precisos. Dentre as principais alterações desta condição, aquelas que interferem diretamente na funcionalidade e autonomia dos indivíduos são a paralisia ou paresia dos membros, alterações de tônus muscular, dos reflexos e alteração ou perda da sensibilidade. Além disso, alterações do centro respiratório e fraqueza da musculatura abdominal, são fatores que comumente levam a déficits cardiovasculares e ventilatórios, influenciando negativamente a tolerância ao exercício e a sobrevida. Ingressar em atividades esportivas diminuem os índices de comorbidades associadas, como as doenças cardiovasculares. Sabe-se que o esporte é uma grande oportunidade para estes indivíduos, sendo uma das estratégias de enfrentamento desta nova realidade mais procuradas. Por meio do esporte, os atletas se permitem viver a inclusão na sociedade e ainda superar novos limites, os fazendo sentir úteis novamente, por meio de um novo estilo de vida e designando novos objetivos. Visto isso, o objetivo desta pesquisa foi avaliar o nível de independência de atletas com LME de um centro esportivo. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um estudo do tipo observacional transversal, realizado em atletas com LME em treinamento na Secretaria de Esportes e Lazer do Espírito Santo (SESPORT). Os critérios de inclusão foram: atletas de basquete e rúgbi da SESPORT com diagnóstico de LME, entre 18 e 65 anos de idade de ambos os sexos, clinicamente estáveis, que soubessem ler e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos: indivíduos cardiopatas, com doenças crônicas não controladas e aqueles que não conseguiram executar/completar os testes. Para o recrutamento da amostra, foi contatado o treinador dos times de rúgbi e basquete da SESPORT e os pesquisadores convidaram os atletas, via WhatsApp. Aqueles que aceitaram participar da pesquisa, foram agendados e receberam as devidas orientações. A coleta foi realizada nas dependências da SESPORT de forma individual e após a assinatura do TCLE, foi aplicado um formulário para caracterização da amostra e as escalas específicas. A funcionalidade dos atletas foi avaliada quantitativamente através da escala Medida de Independência Funcional (MIF), visando verificar o nível de independência para realizar as atividades de vida diária. A MIF é composta por 18 itens e cada item varia de 7 a 1 pontos, onde 7 representa uma intendência completa e 1 uma dependência total. A pontuação varia de 18 a 126 pontos e quando maior, mais independente. Os itens avaliados englobam cuidados pessoais, controle dos esfíncteres, mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social. A Spinal Cord Independence Measure version III (SCIM III), é um instrumento criado especificamente para indivíduos com LME. Essa escala é dividida em perguntas sobre atividades de autocuidado, em seis tarefas com pontuação de 0 a 20, em respiração e controle esfincteriano, em quatro tarefas com pontuação de 0 a 40 e em atividades de mobilidade, em nove tarefas com pontuação de 0 a 40. A pontuação varia de 0 a 100 e quanto mais próximo de 100, mais independente. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o número de parecer consubstanciado 4.179.468 e respeita a resolução n? 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Resultados: Nesse estudo, 15 atletas foram avaliados. Em média, tinham 37 anos de idade, 12 (80%) eram do sexo masculino, 8 (53%) se consideravam pretos, 5 (33%) pardos e 1 (13%) branco. Somente 1 acessou o ensino superior e 12 (80%) eram solteiros. Sobre a LME, eles convivem, em média, 11 anos com a lesão e 12 (80%) indivíduos relataram que a etiologia da lesão foi traumática. Quanto a classificação pela a ASIA, 5 (55%) foram classificados como ASIA C, 4 (27%) como ASIA A, 3 (20%) como ASIA B e 3 (20%) como ASIA D. A modalidade esportiva dominante foi o basquete em cadeira de rodas, com 10 (67%) praticantes. Todos possuem registro em clube esportivo e estão no esporte, em média, há 7 anos. A MIF avaliou os atletas em itens que envolvem as atividades de vida diária. De modo geral, 12 atletas foram classificados como independentes completos e 3 como dependentes, mas de forma modificada, o que significa que eles precisam de auxílio em pelo menos 25% nas atividades diárias. A fim de explorar os pormenores avaliados pela MIF, é importante analisar item por item. Sobre os cuidados pessoais, eles alcançaram 94% da pontuação total, obtendo um média de 39,5 pontos, demostrando independência para realizar atividade como tomar banho e vestir-se. No item controle dos esfíncteres, a média foi de 11,8 pontos de 14. Quanto a mobilidade e locomoção, os atletas obtiveram 18,6 e 11 pontos em média, respectivamente, sendo 21 pontos possíveis em mobilidade e 14 em locomoção. O item mobilidade abrange, tarefas como transferências da cama para a cadeira de rodas e o item locomoção envolve se locomover de forma impendente de uma localidade para outra. Por fim, sobre a comunicação e cognição social, os avaliados demostram independência completa ao alcançarem a pontuação máxima. A escala SCIM III, específica para indivíduos com LME, também é dividida em subcategorias. A primeira, autocuidado, os participantes demostraram excelente independência ao pontuarem 18,6 pontos em média em tarefas como vestir-se e comer e beber. Em respiração, todos disseram ser independentes de forma completa, mas em controle esfincteriano, muitos precisam de dispositivos externos de drenagem, como cateter. Por isso, a pontuação em respiração e controle esfincteriano foi relativamente baixa, com 21,1 pontos de média. E em mobilidade, que engloba tarefas como sentar-se, transferir-se e locomover-se sem a cadeira de rodas, eles obtiveram 20,8 pontos. Considerações finais: Os atletas com LME apresentam um nível de independência elevado. Porém, não se pode concluir que esse achado advém do fato de que eles são atletas, pois o tipo de estudo não avalia causalidade. É interessante observar a diferença de abordagem entre a MIF e a SCIM III, como a última é específica para a população estudada, ela considera situações especificas da condição, como o uso ou não da cadeira de rodas para se locomover e outros dispositivos auxiliares, o que contribuiu para que a pontuação seja menor se comparado a MIF. Além disso, houve certa dificuldade em recrutar a amostra, visto que na região onde o estudo foi realizado, existem poucos centros que incentivem a prática esportiva desta população, portanto, poucos atletas nesta condição são formados. Isso traz uma reflexão acerca do acesso ao esporte, afinal, este parece ser um bom caminho para a reintrodução à sociedade de pessoas que foram acometidas pela LME. Logo, é evidente a necessidade de desenvolvimento de projetos e de investimento para que mais pessoas possam ser beneficiadas pelo esporte. Ademais, existe a hipótese de que indivíduos com LME que não praticam atividade física regularmente tendem a ter um nível de independência menor que àqueles que praticam. Sendo assim, o esporte eleva a experiencia diária do indivíduo com LME, tornando-o capaz de participar e contribuir para sua comunidade. Porém, mais estudos são necessários para avaliar se o esporte influencia na independência de indivíduos com LME.