Tema: A experiência do I Simpósio sobre Saúde dos Povos Indígenas
Apresentação:
Segundo o censo de 2022 existem 1,7 milhões de pessoas que se declaram indígenas no Brasil, sendo o Amazonas o estado com a maior população indígena. Apesar disso, muitos estudantes relatam que o ensino sobre a saúde indígena nos cursos de graduação é deficitário e não os prepara para o contato com essa população. Considerando a expressiva população Indígena no Estado do Amazonas, a demanda pela competência cultural prevista entre os princípios da Atenção Primária à Saúde é urgente. Essa questão levou à ideia de realizar um simpósio que discuta o tema da saúde indígena, ajudando a preencher a lacuna no ensino sobre o tema na graduação. O evento foi realizado pela International Federation of Students Associations (IFMSA) Brazil Ufam em parceria com a Liga Universitária sobre Saúde Indígena nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2024 em Manaus, Amazonas. O objetivo deste trabalho é compartilhar sobre como ocorreu o simpósio e qual o seu impacto na formação acadêmica dos estudantes que o organizaram.
Desenvolvimento do trabalho: A organização da atividade foi iniciada no dia 16 de novembro de 2023, a partir da seleção dos membros filiados da IFMSA Brazil Ufam que participariam da atividade, seguida da criação de um grupo de WhatsApp. Ao longo das próximas reuniões foram abordadas opções de temáticas relevantes, palestrantes, dias e horários que os participantes estivessem disponíveis. A avaliação de impacto do simpósio foi realizada através de formulários pré-evento, aplicados no momento da inscrição, e pós-evento, ao final de cada dia do simpósio. Ambos contaram com a avaliação do conhecimento dos participantes sobre os temas abordados através da escala likert. O evento iniciou com a palestra “Povos Indígenas e o Contexto Urbano”, sob a voz de Danielle Gonzaga Munduruku; às 19:00 iniciou-se a segunda palestra com Carla Desano sob o tema “Povos Indígenas e Suas Cosmovisões Sobre Saúde: Bem-viver”. às 20:00 Ivan Tukano começou a falar sobre a “Medicina Indígena no Amazonas e o Centro de Medicina Indígena do Amazonas (Bahserikowi)”, às 21:00 iniciamos uma roda de conversa sobre o “Diálogo entre Medicinas” onde quatro estudantes da Escola de Enfermagem de Manaus, e um estudante de Medicina da Faculdade de Medicina da UFAM puderam conversar com o público e com indígenas presentes no evento sobre as diferenças e interligações entre as medicinas ocidental e indígena. O primeiro dia do evento foi encerrado às 23:00.O segundo dia do evento iniciou também às 17:00 com o check-in dos participantes, o qual foi encerrado às 18:00. A quarta palestra foi sobre “Reflexões Sobre a Colonização no Apagamento Cultural dos Povos Indígenas e as Relações Sobre as Formas de Saber-Fazer Saúde”, conduzida pela Dra Sideny de Paula. A quinta palestra do dia foi sobre “Povos Indígenas e o SUS versus a Sua Dinâmica com os Serviços de Saúde Convencionais e Não Convencionais”, pela M.sc. Raniele Alana Alves. A sexta palestra do dia foi sobre “O Território Líquido como um Determinante Social de Saúde para os Povos Indígenas”, conduzida pela Dra Fabiana Manica Martins. Houve ainda uma sétima palestra não prevista no primeiro cronograma, conduzida por Gabriela Moraes, uma Agente de Saúde da ONU para Migrações. Ela falou sobre “As etnias indígenas venezuelanas que chegaram em Manaus e Brasil e os recortes de acesso limitados pelo idioma e como isso vem se refletindo em vulnerabilidade”. Após isso realizamos uma oficina onde produzimos cartazes e os participantes puderam escrever e desenhar sobre como se sentiram ao participar do evento.
Resultados: A temática da saúde indígena é pouco discutida dentro do ambiente acadêmico, muito menos sob uma perspectiva decolonial, que respeite as práticas tradicionais de saúde desses povos, e foi esse fato que levou os autores a idealizarem o I Simpósio sobre Saúde dos Povos Indígenas. Buscou-se, na escolha dos palestrantes e temáticas, reconhecer e visibilizar as vozes dos pensadores indígenas sobre suas práticas de cuidado em saúde, como elas interagiam com a medicina alopática, e como ambas podem coexistir. Todos os palestrantes do primeiro dia de evento eram pessoas indígenas. Após essa necessidade ser apontada por uma professora da Universidade que sediou o evento, também nos preocupamos com a presença indigena entre os ouvintes, e por isso ofertamos vagas afirmativas para 15 membros do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas.
Quanto às palestras, um momento único foi quando a primeira palestrante, Danielle Munduruku, afirmou que aquela era a primeira vez que ela era convidada a falar sobre sua experiência enquanto mulher indígena dentro do ambiente da área da saúde, que é ainda extremamente elitizado. Os organizadores perceberam então que aquele momento representava um progresso real rumo à descolonização do ambiente acadêmico, mesmo que se tratasse de um evento local. Muitas vezes, problemas sistêmicos dentro da academia são tão gigantescos, tão enraizados no sistema que parece impossível fazer a diferença, mas é importante lembrar que a organização coletiva e a produção consistente de pequenos avanços contribuem para superar esses problemas— algo que o simpósio ensinou aos seus organizadores.
A palestrante Gabriela Moraes, Agente de Saúde da ONU, trouxe consigo diversos materiais produzidos pela organização para a qual trabalha para a promoção de saúde entre os povos indígenas, por exemplo, o manual do microscopista yanomami, um livro escrito em português e em um dos idiomas yanomami para o treinamento de microscopistas indígenas capazes de identificar o plasmodium falciparum no exame de gota espessa. Isso mostrou a existência de iniciativas que valorizam a autonomia dos povos indígenas para os organizadores, ideias para futuras ações.
A roda de conversa “diálogo entre medicinas” permitiu às suas mediadoras acadêmicas de enfermagem exercitarem a habilidade de mediar uma conversa e falarem sobre suas próprias experiências envolvendo o estudo da saúde indígena no curso de enfermagem, que se destaca ao ter uma disciplina voltada para o assunto. Durante o diálogo foi ressaltado a falta de preparo da disciplina de Saúde Indígena na Academia, uma vez que ocorria a falta de diálogos diretamente com indígenas, onde somente brancos tinham o poder de fala, sendo ministrado apenas como “levar saúde” para eles e não compreender o que de fato é a saúde indígena, ocasionando em uma negligência sobre a cultura dos indígenas. Foi um momento interessante pois o diálogo com o público, que compartilhou suas próprias experiências e visões sobre o tema, possibilitou uma troca de experiências. Os autores nunca participaram de outro simpósio com essa dinâmica, mas decidiram por ela justamente para permitir essa proximidade com o público, tornando assim mais fácil essa troca de experiências.
Considerações finais:
O I Simpósio sobre Saúde dos Povos Indígenas foi uma experiência transformadora para os seus organizadores e os fez compreender a importância de eventos que quebrem barreiras dentro da academia e inovem nas formas de se compartilhar conhecimento. O evento trouxe visibilidade aos pesquisadores indígenas e aos especialistas de cura da medicina indígena, e permitiu que os alunos conhecessem um pouco mais sobre outras experiências de cuidado que trabalham junto às comunidades originárias.