Durante o período gestacional, as mulheres apresentam uma suscetibilidade a mudanças e alterações na cavidade bucal, decorrente de uma complexa interação de fatores hormonais, psicológicos e comportamentais. As variações nos níveis dos hormônios estrogênio e progesterona aumentam o fluxo sanguíneo gengival, predispondo as gestantes a condições inflamatórias periodontais, especialmente quando há uma higiene bucal inadequada. Além disso, as mudanças comportamentais relacionadas à alimentação e higiene bucal podem contribuir para o desenvolvimento de cáries dentárias, especialmente em gestantes que já possuem hábitos deficientes de escovação. De acordo com a literatura, alterações inflamatórias periodontais, halitose, aftas orais, xerostomia, mobilidade dentária e cárie dentária são os principais agravos relacionados à saúde bucal durante esse período. O sangramento e a inflamação gengival são os problemas de saúde bucal que mais impactam as atividades cotidianas das gestantes. As alterações hormonais e fisiológicas durante a gestação também afetam o bem-estar emocional e o estado psicológico das mulheres, sendo a ansiedade, o medo e a depressão os principais distúrbios psicológicos presentes nesse período. Ademais, a saúde bucal é influenciada pelas percepções, expectativas e experiências individuais e coletivas. Nesse sentido, a compreensão contemporânea da saúde bucal transcende a ausência de doenças, abrangendo a capacidade funcional e estética da boca, incluindo a fala, a mastigação e a expressão facial com ausência de dor ou de desconforto. Nesse contexto, a autopercepção da saúde bucal e a Qualidade de Vida Relacionada à Saúde Bucal (QVRSB) emergem como aspectos essenciais da saúde. A QVRSB é amplamente estudada e considerada um parâmetro multidimensional que avalia o grau em que os distúrbios bucais interferem nas atividades cotidianas e impactam o bem-estar geral dos indivíduos. Além disso, o modelo teórico da Comissão dos Determinantes Sociais em Saúde (CDSS), que busca explicar as relações entre diversas características individuais e seu impacto nos determinantes em saúde, tem destacado o papel dos determinantes sociais. A literatura demonstra a associação entre fatores socioeconômicos e a saúde bucal dos indivíduos, com padrões semelhantes identificados em gestantes. Assim, compreender como mitigar os efeitos negativos dos determinantes sociais na saúde bucal das gestantes e, consequentemente, na sua QVRSB, torna-se fundamental. Dessa forma, este estudo tem como objetivo revisar a literatura acerca da QVRSB de gestantes no Brasil, visando contribuir para intervenções e políticas de saúde mais eficazes e equitativas. Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura acerca do tema QVRSB de gestantes no Brasil. As buscas foram conduzidas nas bases de dados Google Scholar, Scielo e PubMed/MEDLINE, utilizando os descritores Mesh “Pregnant women”, “Oral health”, “Quality of life”, “Brazil”, “Systematic Review”, além de seus correspondentes na língua portuguesa, a depender da base de dados. O descritor “Systematic Review” foi empregado para obter resultados com maior evidência científica, mas só foi eficaz no Google Scholar, sendo omitido nas outras bases. O operador booleano “AND” foi utilizado para articular esses termos. Aplicou-se um filtro de busca para estudos publicados nos últimos 5 anos. Inicialmente, foram obtidos 217 resultados para serem analisados. Foram excluídos comentários, editoriais, livros, teses e dissertações não publicadas e relatos de experiência, além de estudos em idiomas diferentes de português ou inglês. Após a análise e leitura dos títulos e resumos, foram excluídos os estudos que não condiziam com a temática, e, posteriormente, a partir da leitura do texto na íntegra dos artigos pré-selecionados, foram selecionados 10 artigos para serem efetivamente utilizados na presente revisão. Os principais achados na literatura sobre o tema revelam que diversos fatores podem afetar a QVRSB em gestantes. Fatores como baixa escolaridade e a frequência de consultas odontológicas durante a gestação possuem um impacto significativo na QVRSB. Além disso, fatores econômicos, sociodemográficos e comportamentais influenciam a percepção da qualidade de vida em gestantes. Nesse sentido, uma maior renda familiar mensal e um nível mais alto de escolaridade das gestantes foram associados a uma melhor QVRSB, atuando como fatores de proteção contra uma pior QVRSB. Um estudo verificou que gestantes com diagnóstico de diabetes mellitus pré-gestacional ou gestacional, bem como aquelas com maus hábitos de higiene bucal, apresentaram um maior risco de ter uma pior QVRSB, especialmente no terceiro trimestre de gestação. Fatores como ser de cor de pele não branca, possuir níveis elevados de ansiedade odontológica, baixo letramento em saúde bucal e variáveis clínicas como a presença de cáries não tratada e sangramento gengival também estão associadas a uma pior QVRSB em gestantes. Mulheres que desenvolvem lesões de cárie dentária durante a gestação são 1,4 vezes mais propensas a relatar uma pior QVRSB. Sendo assim, sinais e sintomas de doenças dentárias e gengivais afetam negativamente a auto percepção da QVRSB, impactando especialmente os domínios de desconforto mental e psicológico, seguido por problemas físicos e funcionais. Diante das evidências encontradas, destaca-se a importância de uma abordagem integrada e preventiva no atendimento odontológico durante o período gestacional, considerando os diversos determinantes que influenciam a QVRSB em gestantes. O pré-natal odontológico deve colaborar de maneira integrada com médicos obstetras e outros profissionais da área da saúde, visando fornecer cuidados coordenados e abrangentes às necessidades complexas e multifacetadas das gestantes, com o objetivo de garantir que os cuidados de saúde bucal também sejam parte central do pré-natal gestacional. Ações educativas que promovam hábitos de higiene bucal adequados, como escovação regular e uso de fio dental, são fundamentais. O letramento em saúde bucal também assume um papel importante para gestantes, exigindo uma interação entre profissional e paciente, tanto a nível individual quanto comunitário, além de políticas que promovam a educação e a autonomia das mulheres visando a manutenção de uma higiene bucal eficaz e melhores resultados de saúde bucal e QVRSB. Além disso, a redução da ansiedade odontológica por meio de técnicas de manejo do estresse e educação sobre a importância dos cuidados bucais pode melhorar significativamente os impactos na QVRSB. A compreensão dos fatores socioeconômicos, como renda e escolaridade, e seu impacto na saúde bucal das gestantes é crucial. Além disso, programas de saúde pública voltados para melhorar o acesso a cuidados odontológicos para gestantes de baixa renda podem contribuir significativamente para a redução do impacto das disparidades socioeconômicas na saúde bucal. Os achados deste estudo destacam a necessidade de uma maior conscientização sobre a QVRSB durante a gestação e da realização de mais pesquisas sobre a temática, a fim de diminuir possíveis lacunas na saúde bucal durante esse período da vida.