Apresentação: A Atenção Primária à Saúde (APS) se difunde no país desde 1960, com uma maior repercussão em 1970. Entretanto, como a base do cuidado nesse momento era pautado na doença e em questões hospitalocêntricas, o olhar para o indivíduo como pessoa imersa em um ambiente coletivo era escasso. Foi apenas com a declaração de Alma-Ata, em 1978, que os governos a nível mundial foram convidados a integrar nas suas políticas de saúde a APS como basilar. A Organização Mundial de Saúde considera a APS como o primeiro contato do indivíduo com o serviço de saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS) deve contribuir na formação de profissionais da saúde aptos para além do tratamento da doença, com o fito de suprir essa demanda. No entanto, observa-se uma falta de concomitância entre a formação médica e a imersão na APS, culminando muitas vezes em uma formação pautada na individualidade no processo de trabalho, limitando-se a atuação para somente o tratamento da patologia. No contexto amazônico, a APS requer superar maiores desafios, comparadas às demais regiões do Brasil, dentre eles a geografia, o perfil socioeconômico da população, a densidade demográfica, elementos que impactam no acesso aos serviços médicos da APS e a própria disponibilidade desse profissional aos usuários, que na sua formação compreenda estas peculiaridades implícitas da amazônia. Assim, observa-se a importância dos futuros profissionais que estarão na linha de frente no atendimento na APS estarem aptos para além do conhecimento biomédico, com práticas de saúde humanizadas das diversas populações e com base nos pilares básicos do SUS. Por conta dos fatores supracitados, este trabalho tem por objetivo relatar a experiência de como foi a imersão na Unidade de Saúde da Família São Francisco em Manaus, capital do Amazonas, e como essa dinâmica impacta diretamente em uma formação médica mais integral. Relato de experiência: A imersão na APS foi adquirida a partir de aulas práticas de Saúde Coletiva no curso de Medicina, que ocorreram em uma USF no bairro São Francisco, na cidade de Manaus, Amazonas, no período de janeiro a março de 2024. A vivência dos acadêmicos teve início com uma visita técnica pela unidade, seguida de uma roda de conversa com a gestora da USF. Esta primeira etapa, objetivou o reconhecimento da unidade de saúde e a relação com o território, além da visualização dos processos de trabalhos dos setores e das equipes da USF. Durante as práticas foi implantado um sistema de rodízios entre os setores da unidade a fim de otimizar a experiência para os discentes com o fito de acompanhar todas as áreas de cuidado, do acolhimento, perpassando pelo uso dos serviços até a finalização do atendimento. Na recepção havia o direcionamento na unidade, tanto para outros níveis de atenção à saúde quanto dentro da própria USF. A todo momento foi destacado pelos profissionais o quão importante é para a futura geração médica aprender sobre o que acontece para além das paredes do consultório. Na sala de vacinação, os acadêmicos acompanharam a aplicação das imunizações e notaram a importância tanto dos aspectos de educação em saúde que as profissionais realizam constantemente acerca do tema, do direito adquirido e do momento delicado para a saúde pública. Na presente unidade também havia disponibilidade dos testes rápidos, feitos pela enfermeira e com resultados entregues em 15 minutos. No setor farmacêutico, o sistema era o SisFarma que acompanhava a entrega dos medicamentos de acordo com a receita e o dia de retirada no mês. A demanda era constante sobretudo para diabetes, hipertensão e hipercolesterolemia e tendo em vista a dispensação de medicamentos para doenças crônicas, pôde-se pensar em uma ação de educação em saúde para orientar a população sobre as enfermidades com maiores prevalências. É importante ressaltar sobre o serviço de visita domiciliar realizado pela USF, através da equipe multidisciplinar, composta por um agente comunitário de saúde, um médico da família e um enfermeiro, o que aponta a importância da integralidade no cuidado em saúde. Devido à distância da unidade e do domicílio, faz-se necessário o uso de transporte para o deslocamento dos profissionais, entretanto, o que é levado em maior consideração para o atendimento domiciliar é a dificuldade do usuário chegar à unidade de saúde. Neste aspecto, o transporte é provido pela Secretaria de Saúde de Manaus e a visita domiciliar concentra-se em um dia da semana. Mesmo com a limitação do tempo, é possível concluir o atendimento de todos que precisam no território, realizando a busca ativa daqueles que necessitam mas não conseguem comparecer com frequência na unidade, como idosos, acamados e pessoas em situação de vulnerabilidade. Resultados: Com as vivências na USF, pôde-se ter a experiência do acompanhamento dos serviços oferecidos à população e como os médicos podem atuar de forma ativa nesse processo para além das paredes do consultório, tornando a experiência basilar para a formação médica tendo em vista as necessidades da APS em um contexto amazônico. Ressalta-se, ainda, que a imersão dos estudantes no serviço com o foco no reconhecimento da interdisciplinaridade e a importância dada às questões de acesso aos serviços de saúde, hábitos de vida e fatores socioeconômicos colaboram para a quebra de paradigmas alicerçados em conceitos defasados de saúde, o que fortalece o pensamento crítico no que tange aos aspectos socioculturais e de vulnerabilidade que não se têm em uma formação centrada na patologia, favorecendo uma medicina mais humana e com uma visão integral do indivíduo. Desse modo, com uma disciplina de Saúde Coletiva pautada em municiar esse acadêmico de aparato teórico e prático, pode-se ter a formação de um profissional mais capacitado nessas pautas importantes, atuantes na transformação da comunidade que atua com o que se tem ao seu alcance. Posto a experiência supracitada, vê-se a formação médica pautada na saúde coletiva e atenção primária à saúde como fundamentais para a atuação na região norte, levando em conta a diversidade cultural e étnica presente nesse território para estabelecer laços contíguos com o corpo social. Considerações finais: À vista do discutido, nota-se que os aspectos de imersão em um campo de prática atrelado ao SUS, especialmente em Atenção Primária à Saúde (APS), são basilares para o processo de formação médica, especialmente quando se ressalta as condições sociais e econômicas que a maioria da população nortista está inserida. Sabendo que, quando a maioria dos médicos se forma, o seu principal cenário de atuação é a APS, é crucial conhecer que o serviço ofertado na Estratégia de Saúde da Família (ESF) vai além dos aspectos de assistência, envolvendo, ainda, a prevenção e promoção da saúde. Ademais, a percepção por parte dos discentes acerca da integralidade na USF favoreceu um olhar do paciente por inteiro, não apenas com um enfoque na doença. Dessarte, as vivências na APS foram importantes para aprimorar capacidades que favorecem o cuidado do usuário, visto que permite formar médicos mais conscientes acerca das iniquidades em saúde que assolam a população, sobretudo as mais vulneráveis no norte do Brasil. Pela experiência, nota-se que aos poucos o pensamento baseado em paradigmas retrógrados acerca da saúde vai se desconstruindo e uma nova visão se alicerça, evidenciando as vivências em APS e a interdisciplinaridade no cuidado como peças fundamentais na formação médica integral.