ESTIGMA SOCIAL DA OBESIDADE ENTRE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: ESTUDO DESCRITIVO

  • Author
  • Bruna Oliveira Ungaratti Garzão
  • Co-authors
  • MARIVANA APARECIDA DOS SANTOS NESSLER , Greisse Viero da Silva Leal
  • Abstract
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    Apresentação: A obesidade é uma doença crônica não-transmissível (DCNT) de ordem multifatorial, influenciada pelo padrão alimentar e nível de atividade física, além de múltiplos processos ambientais, políticos, econômicos, sociais e culturais. No Brasil, mais da metade da população adulta está com excesso de peso e um em cada dez adultos está em obesidade, representando cerca de 20% dos custos do Sistema Único de Saúde. A obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de complicações metabólicas e outras DCNTs, como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e certos tipos de câncer. Todavia, as consequências da obesidade não são somente fisiológicas, uma vez que acarreta sofrimento psicológico associado ao estigma e discriminação de pessoas com excesso de peso, resultando em maior insatisfação corporal e culpabilização individual. O preconceito, quanto manifestado por profissionais de saúde, predispõe à falta de motivação para a perda de peso, à sensação de incapacidade e à desistência de mudanças comportamentais, comprometendo a eficácia do tratamento. O cuidado eficaz desses indivíduos exige olhar para a densa gama de determinantes correlacionados, o que requer a capacitação dos profissionais de saúde no manejo adequado da obesidade e a reorganização dos serviços de saúde, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS), que deve ser porta de entrada para ações contínuas, colaborativas e assertivas. O objetivo deste estudo é analisar o estigma social associado à obesidade entre profissionais de saúde da APS. Desenvolvimento do trabalho: Estudo descritivo, que baseou-se em dados primários obtidos por meio da Escala de Atitudes Antiobesidade (AFAT) aplicada a profissionais da APS que atuavam junto aos 20 municípios do Conselho Regional de Desenvolvimento Rio Da Várzea (COREDE-RV). O contato com os participantes deu-se através do III Ciclo de Capacitações, intitulado “Enfrentamento da Obesidade no Sistema Único de Saúde (SUS)”, ofertado pelo edital de Ações Alinhadas aos COREDEs em parceria com o Projeto de Atenção Nutricional do Ambulatório de Atendimento Nutricional, do curso de Nutrição, da Universidade Federal de Santa Maria - campus Palmeira das Missões. Os critérios de seleção foram atuar enquanto profissional da APS do COREDE-RV e estar inscrito no Ciclo de Capacitações, que recebeu 34 inscrições (55,9% nutricionistas, 20,6% enfermeiros, 5,9 % médicos, 5,9% psicólogos, 5,9% auxiliar ou técnico em enfermagem, 1,9% educador físico e 3,9% estudantes de nutrição). Do total, 85,3% eram do sexo feminino e 14,7% do sexo masculino. A AFAT foi enviada via Google Forms® para os participantes para preenchimento anônimo durante o mês de setembro de 2023. O formulário consiste em 34 frases a respeito de pessoas com obesidade, divididas em três subescalas: "Depreciação social e do caráter", "Não atratividade física e romântica" e "Controle de peso e culpa". Os participantes deveriam indicar seu nível de concordância ou discordância com cada afirmação através de uma escala Likert que variou entre “Não concordo em nada” e “Concordo totalmente” e cada resposta correspondeu a uma pontuação (de 1 a 5). O escore médio (AFAT médio) da escala é calculado com base na soma da pontuação de cada participante, dividido pelo número de questões da escala, ou seja, por 34. O instrumento não apresenta um ponto de corte para a presença ou ausência do estigma, sendo esta uma interpretação subjetiva, ou seja, quanto maior a pontuação, maior o estigma presente. Para a análise estatística descritiva, os dados foram tabulados no Microsoft Excel® e expressos por frequência simples e escore médio. Resultados: Participaram da pesquisa 15 profissionais. A pontuação total dos participantes teve uma média de 47,6 pontos (média de 1,4 por questão), o que indica uma discordância, de forma geral, das expressões pejorativas a respeito de pessoas com obesidade. Contudo, a análise segmentada por questões e por participante mostrou que alguns preconceitos seguem arraigados no senso comum. A pontuação total individual oscilou entre 40 e 61 (diferença percentual de 41,6%), enquanto as médias individuais dos participantes estiveram entre 1,17 a 1,79 pontos, demonstrando uma importante variação entre as formas de pensar. Entre afirmativas positivas, identificou-se certa discordância de que “indivíduos com obesidade devem ser encorajados a se aceitar da maneira que são” (4 não concordam nem discordam e 3 discordam parcialmente, média de 2,67 pontos), de que “pessoas gordas não necessariamente comem mais que os outros” (3 discordam parcialmente e 1 discorda totalmente, média de 2,33 pontos) e de que “se fosse solteiro, namoraria uma pessoa gorda (3 não concordam nem discordam, 1 discorda parcialmente e 1 discorda totalmente, média de 2,27 pontos). Para frases depreciativas, houve relativa concordância de que “a maioria dos gordos compra muita besteira” (4 não concordam nem discordam e 3 concordam parcialmente, média de 2,4 pontos) e de que “pessoas gordas não são atraentes” (3 concordam totalmente, média de 2,1 pontos). Em algumas questões, como “ser gordo é pecado”, “é nojento ver pessoas gordas comendo”, “pessoas gordas não têm força de vontade”, “se coisas ruins acontecem com pessoas gordas, elas merecem”, “a maioria das pessoas gordas não consegue manter as coisas limpas e organizadas” e “é difícil levar uma pessoa gorda a sério”, encontrou-se discordância absoluta de todos os participantes, o que pode se justificar pelo fato de que essas são frases mais duras que as demais. Dentre as subescalas, a que atingiu maior pontuação média foi a “não atratividade física e romântica” (média geral de 1,61 pontos), enquanto a menor foi a de “depreciação social e de caráter” (média geral de 1,14 pontos). O anonimato da pesquisa permitiu que os participantes se expressassem sem restrições, revelando que alguns profissionais da saúde ainda têm opiniões estigmatizantes incutidas em sua compreensão do problema. Considerando que estes profissionais atuam na APS, inserida no cotidiano dos territórios e dos usuários, infere-se que a emissão do juízo de valores pelos profissionais pode fragilizar a relação entre usuários e serviços de saúde e prejudicar o acesso ao tratamento adequado. A menor pontuação em afirmativas relacionadas à questões sociais e maior nas de atratividade física e romântica pode ser atribuída ao fato de que a obesidade tornou-se tema de muitos debates que buscam combater o preconceito contra pessoas com excesso de peso e sensibilizar a população de que a obesidade não determina a competência profissional e não limita os espaços de inserção social. Contudo, ao olhar o tema a partir das escolhas e relações individuais, a obesidade ainda é razão para afastamentos. Tal barreira pode ser imposta, inclusive, por profissionais da saúde, que afirmam compreender e acolher indivíduos com obesidade enquanto pacientes, mas preferem não incluí-los em seus círculos mais estreitos de convivência. Evidencia-se que a pauta da obesidade ainda é cercada por demagogias, uma vez que os discursos de aceitação e respeito nem sempre se corroboram na prática. Considerações finais: Os participantes não apresentam um estigma da obesidade expressivo. Porém, as análises individualizadas e de questões específicas mostram que alguns pré-julgamentos sobre pessoas com obesidade ainda se perpetuam e podem incidir na prática profissional desempenhada na APS. Conclui-se que combater a segregação é mais do que uma demanda social, mas uma incumbência para a promoção da saúde pública integral e respeito às individualidades dos sujeitos, requerendo um melhor preparo e maior sensibilização dos profissionais no cuidado ofertado a pessoas com obesidade.

  • Keywords
  • Manejo da Obesidade; Estigma de Peso; Acompanhamento dos Cuidados de Saúde
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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