O climatério é a fase de transição do período reprodutivo para o não reprodutivo na vida da mulher. Nesse período o corpo passa pela diminuição das funções ovarianas, com irregularidades hormonais, os ciclos menstruais se tornam instáveis, até cessarem por completo. O climatério tem início por volta dos 40 e pode se estender até os 65 anos.
Durante sua vida, a mulher tem marcos no seu desenvolvimento Destaca-se a primeira menstruação - menarca e a última menstruação - a menopausa. Essa, confirmada após 12 meses consecutivos de cessação. Com o climatério e a chegada da menopausa, o corpo e aspectos psicossociais podem sofrer variações, com potencial de gerar muitos e diversos sintomas.
Ao considerarmos que o climatério se caracteriza por essa variação de manifestações, de mulher para mulher, de modo singular, é importante salientar que a abordagem, precisa de uma visão holística, integral e multidisciplinar.
A atenção a esse público tem passado por avanços no contexto das políticas públicas voltadas para a atenção à saúde das mulheres. Esse avanço tem início com o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher - PAISM, de 1983, que traz a integralidade como centro na saúde das mulheres, retirando da centralidade das ações o aspecto materno-infantil, predominante até então. No entanto, esse ainda não apresentava algo específico para mulheres na fase do climatério.
Por conseguinte, o Ministério da saúde - MS, em 1994, lança a Norma de Assistência ao Climatério, com ações específicas para atendimento à mulher nessa fase da vida. Com intuito de avançar, em 1999, foi inserida no planejamento da área técnica da saúde da mulher a atenção à saúde de mulheres acima dos 50 anos.
Para trazer a integralidade para o centro da atenção à saúde da mulher, com um olhar técnico, os movimentos feministas sempre estiveram presentes nas discussões, com avanços nas pautas, por entenderem que a mulher deveria ser olhada para além do período reprodutivo.
Como modo de concretizar esse movimento, em 2004 é lançada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, PNAISM. Essa, ainda em vigor, traz pontos específicos para cada fase da vida da mulher, as diversidades de grupos, questões de gênero e inclui um capítulo dedicado ao climatério.
Por fim, o MS, lançou em 2008 o Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. Esse nos apresenta de forma detalhada e ampla todos os aspectos a serem considerados na atenção às mulheres nessa fase da vida.
Contudo, pouco se viu da aplicabilidade desse, por profissionais na Atenção Primária à Saúde - APS. Alguns estudos demonstram o desconhecimento de muitos profissionais sobre a temática e abordagem do climatério. Fator que tem contribuído para uma abordagem fragmentada, que não aborda o atendimento integral da mulher nessa fase da vida.
Outro destaque, lançado pelo MS e Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa em 2016 é o caderno de Protocolos da Atenção Básica: Saúde das Mulheres, dentre os protocolos, temos um fluxo de atendimento da mulher no climatério.
Diante do exposto, com políticas estruturadas, um grupo populacional que tem avançado no Brasil em virtude do aumento da expectativa de vida da mulher, fazemos a seguinte reflexão - Porque mulheres que vivenciam a transição para o climatério ainda não têm atendimento integral na APS?
Para tanto, esse texto objetiva refletir sobre as ações de profissionais de saúde na APS voltados a mulheres no climatério à luz das políticas públicas.
Trata-se de um texto reflexivo, construído a partir das leituras, discussões e reflexões na disciplina Saúde da Mulher - uma abordagem na atenção primária à saúde, da Universidade de São Paulo, na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, no Programa de Pós-graduação Enfermagem em Saúde Pública, como aluna especial do Programa de doutorado em Enfermagem da UFMG.
De modo geral, a APS é o espaço mais adequado para acolher as demandas dessas mulheres de modo integral e multidisciplinar, pois é considerada a porta de entrada do Sistema Único de Saúde.
Nesse contexto o/a enfermeiro/a é um/a profissional com habilidade para acolher de modo integral essa mulher e suas demandas, tendo em vista sua habilidade em colher uma boa anamnese e realizar um exame físico minucioso. Essa habilidade, tem potencial para que esse/a profissional faça a articulação de modo multidisciplinar na APS, com possibilidades de ampliar a atenção e ações a esse público.
No entanto, essa é pouco explorada, pois segundo estudos encontrados apontam escassez de trabalhos que abordam o climatério, assim como para mulheres da faixa etária entre 45 e 60 anos. Na maioria dos trabalhos encontrados tratam da coleta de citopatológico e mamografia, quando elegíveis ao rastreio, com demandas relacionadas ao climatério negligenciadas.
As ações que os profissionais da APS podem lançar mão para acolher as demandas de mulheres na transição do climatério, temos as consultas, a educação em saúde, por meio de grupos e/ou oficinas. Esses espaços buscam esclarecer as mudanças dessa nova fase da vida, ajudando a mulher a vivenciar os sintomas e sentimentos classificados como sendo do climatério.
Entretanto, quando se investiga percepções de profissionais da APS acerca do cuidado prestado às mulheres no climatério, encontraram resultados ainda focados em práticas que priorizavam o período reprodutivo e a prevenção de câncer de mama e de colo uterino, assim como campanhas pontuais.
As autoras, também salientam que desse modo é difícil garantir a integralidade, que apesar de compreendermos a relevância de trabalharmos com indicadores de saúde para organização de ações e políticas, existem ações que não são apreendidas ou justificadas por indicadores.
As ações com os trabalhadores têm potencial para mudar a realidade da atenção às mulheres na APS, pois as oficinas realizadas no estudo conduzido por autoras, contribuíram para aumentar o conhecimento e sanar as dúvidas sobre o climatério, bem como para o entendimento dessa fase como parte inerente à vida da mulher. Esse fato, trouxe um olhar ampliado e sobretudo conhecimento sobre o tema, gerando potencial para acolher as demandas das mulheres, para além das “bolhas” usuais nos serviços de APS.
As ações propostas na APS demonstram uma tendência de mudança de paradigma que vai da perspectiva de tratar para o de cuidar. Com isso, a desmedicalização ganha força, pois foca a atenção numa escuta qualificada, com anamnese detalhada e sensível, seguida de um exame físico completo e quando necessário indicação de exames complementares.
Nesse modelo, com a desmedicalização e o emprego de práticas libertadoras, a enfermagem pode ser promotora para a mulher se tornar protagonista e autônoma, com fortalecimento da autoestima.
Concluímos esse texto reflexivo que para as ações na APS no que tange atendimento às demandas das mulheres no climatério, temos políticas e materiais capazes de subsidiar essa atenção. Contudo, no que refere às ações desenvolvidas por profissionais que atuam nesse setor, ainda temos muito o que avançar na prestação de uma atenção integral, pois ainda é fragmentada e por vezes focada nos aspectos reprodutivos ou factuais.
Podemos destacar que as ações coletivas com profissionais de saúde, como oficinas e formação em serviço são estratégias factíveis para mudarmos essa realidade. E que o/a enfermeiro/a apesar de estar incluído dentre os profissionais com essas limitações, tem potencial, para favorecer essa mudança de paradigma de tratar para cuidar no climatério, pautado no fortalecimento da mulher nessa fase.