A enfermagem perioperatória refere-se ao estudo e ao exercício profissional da enfermagem na atenção à saúde de pacientes cirúrgicos. Estes são assim definidos a partir das possibilidades terapêuticas, dentre as quais a cirurgia torna-se a única ou a melhor escolha para pessoa. A realização de uma cirurgia requer uma avaliação perioperatória que engloba a realização de uma exímia investigação clínica a fim de identificar fatores de risco e minimizá-los, garantindo assim a qualidade da assistência à saúde e a segurança do paciente a partir da provisão e previsão de recursos materiais e humanos para todas as etapas do período perioperatório. Compreendendo-se a importância da área de conhecimentos das ciências da saúde e da enfermagem, elaborou-se este estudo com o objetivo de compartilhar distanciamentos entre a ciência e a realidade da enfermagem perioperatória em um hospital em área de fronteira. Trata-se de um relato de experiência construído a partir das atividades práticas de discentes do Curso de Graduação em Enfermagem de uma instituição de ensino superior pública, localizada em uma área de fronteira do Estado do Rio Grande do Sul - Brasil. Elas foram realizadas em um Centro Cirúrgico durante o segundo semestre de 2023 e o corrente semestre de 2024. Os distanciamentos em zoneamento e estrutura foram apreendidos, analisados e apresentados a partir da compreensão das clássicas referências que abordam o tema da enfermagem perioperatória. E nelas há a demarcação do período transoperatório pelo ato de receber o paciente no Centro Cirúrgico. Para tanto, requer-se um ambiente que comporte as ações desse período, as quais abarcam as verificações de segurança do paciente. Entre estas destacam-se a confirmação da autorização do paciente ou responsável por meio da conferência verbal e assinatura do termo de autorização, do próprio paciente em relação ao procedimento cirúrgico, ao sítio cirúrgico, ao preparo pré-operatório, as condições específicas do paciente como alergias, restrições corporais, verificação da estabilidade hemodinâmica e das medidas antropométricas. Nos casos de paciente já internado estas verificações e outras devem ocorrer também junto ao profissional responsável pelo transporte e nos registros realizados na unidade de origem, na qual foi realizado o pré-operatório imediato. Na realidade do estabelecimento hospitalar não há este ambiente, logo estas ações não são realizadas em sua totalidade e na presença do enfermeiro produzindo uma cascata de limitações nos registros de enfermagem, respectivamente no processo de enfermagem, na assistência à saúde e no processo de formação discente. Ademais, pacientes em maca ficam aguardando o encaminhamento para a sala operatória em uma área de circulação entre vestiários, a beira da porta de entrada do Centro Obstétrico e no trajeto de pacientes que acessam o Centro Cirúrgico para realizarem o preparo para a realização de procedimentos endoscópicos usados roupas e calçados sem nenhuma proteção. Após serem preparados, eles aguardam a realização do procedimento junto aos pacientes na Sala de Recuperação Pós-Anestésica. A sala de endoscopia não dispõe de ventilação adequado e o processamentos desses materiais são realizados em duas pequenas salas alocadas no interior da própria sala de procedimento, cuja não possui contato com o ambiente externo ao estabelecimento hospitalar e conta com a instalação em andamento de somente um exaustor em uma das salas de processamento de materiais. O trajeto para o encaminhamento de materiais utilizados nos procedimentos cirúrgicos até o Centro de Materiais e Esterilização ocorre pelo mesmo local de acesso/recepção dos pacientes que vêm de unidades de urgência e emergência e estão restritos ao leito. O pós-operatório imediato nem sempre ocorre na Sala de Recuperação Pós-Anestésica, algumas vezes os pacientes são alocados em uma das quatro salas operatórias, outras na sala de recuperação do Centro Obstétrico. Essa irregularidade na circulação de pacientes e materiais está de encontro a medidas de prevenção e controle da infecção relacionadas aos serviços de assistência à saúde. Paralelamente, coadunam para os distanciamentos do referencial das atribuições para a atuação dos enfermeiros gerencial e assistencial em Centro Cirúrgico. Aqui cabe destacar a inexistência do segundo, o que corrobora para a fragilização dos aspectos de segurança do paciente e controle de infecção. Observou-se o deslocamento de anestesista de uma sala operatória para outra durante o intraoperatório, o uso de adornos e celulares, a leitura de livros, o acesso com mochilas. A isto se acresce a manutenção da porta da sala operatória aberta durante o procedimento e principalmente a não realização da higiene das mãos tanto por alguns anestesistas como cirurgiões e seus respectivos estagiários. Os técnicos de enfermagem também adotam este mesmo comportamento e o enfermeiro quando chamado a sala operatória para atender alguma demanda médica também a negligência. Sem a presença de enfermeiro na sala operatória as atribuições quanto ao posicionamento do paciente ficam a cargo dos médicos, os quais ainda resistem às indicações de adequação expressas pela docente e pelos discentes. Assim como estes, os técnicos de enfermagem resistem a indicações apontadas sobre os cuidados com o uso de eletrocautério para evitar lesões térmicas e a correta aplicação da Escala de Aldrete e Kroulik na Sala de Recuperação Pós-Anestésica ou mesmo sobre o preparo de medicamentos endovenosos e o posicionamento do paciente submetido a anestesia raquidiana e em uso de outros dispositivos. Na constante busca pelo diálogo e reciprocidade nas interações interpessoais e profissionais estimuladas pela docente junto aos discentes, surgem as justificativas e a menção ao descaso da gestão institucional. Revelam-se aqui novos distanciamentos denominados como da gestão institucional decorrentes da limitação de recursos financeiros investidos na unidade, apesar do reconhecimento que esta prestação de serviços é a mais lucrativa para o hospital. De encontro a isto vivenciou-se a suspensão temporária das atividades práticas de ensino na unidade por causa da ausência de produtos para o processamentos dos instrumentais cirúrgicos, para a realização de procedimentos básicos envolvendo a cateterização de vasos e sistemas do digestivo e urinário, e mais recentemente pela não disponibilidade do serviço de recolhimento de resíduos hospitalares. Assim, a placa dispersiva da eletrocauterização descartável é reaproveitada, brocas e fresas, entre outros materiais como os anestésicos. Dos onze monitores da Sala de Recuperação Pós-Anestésico somente três estão funcionando adequadamente. Com base nas observações relatadas concluiu-se que seria mais fácil abdicar deste ambiente para a realização de atividades práticas como vem sendo pontuado por outros docentes e mesmo enfermeiros do estabelecimento de saúde. Já que os distanciamentos entre a ciência e a realidade da enfermagem perioperatória neste hospital são muitos e diversos, consomem energia e por vezes desmotivam docentes e discentes. Entretanto, permanecer é cumprir o papel ético-profissional esperado e juramentado pelos enfermeiros de preservar a vida e lutar por melhores condições de acesso e atenção às pessoas. Pois a simples presença e a busca pelo diálogo, paulatinamente tendem a resultar em transformações. Estas devem ser estimuladas a partir do âmbito universitário e entre as diferentes estratégias possíveis, o incentivo a iniciação científica por meio de projetos de ensino na modalidade de monitoria devem ser consideradas a fim de mitigar a conjectura desmotivacional e desgastante dessa realidade de modo a não resultar em prejuízos à formação profissional do enfermeiro, já que pode-se usufruir de outras metodologias de aprendizagem significativa.