Apresentação: as casas de acolhimento para crianças em situação de vulnerabilidade desempenham um papel crucial ao oferecer abrigo e cuidados para crianças e adolescentes que enfrentam desproteção pessoal ou debilidade social. Essas crianças, vítimas de abandono, violência ou maus-tratos, são encaminhadas pelo Poder Judiciário ou Conselho Tutelar como medida protetiva e encontram, nessas instituições, um refúgio temporário. Para elas, isso representa não apenas abrigo, mas também a esperança de um futuro melhor, já que podem retornar às suas famílias ou comunidades devido a circunstâncias intrínsecas a sua história. O objetivo primordial dessas instituições é fornecer um ambiente seguro e acolhedor, onde as crianças possam se recuperar emocional e fisicamente, enquanto aguardam o retorno à família de origem ou, se isso não for possível, até serem encaminhadas para outras famílias, por meio do processo de adoção. Cabe destacar, ainda, que a ausência de modelos positivos de parentalidade impacta de forma significativa no amparo emocional dessas crianças, especialmente aquelas que foram abandonadas ou sujeitas a violência, de modo a resultar em desafios no desenvolvimento emocional e cognitivo. É neste contexto que se insere a experiência relatada neste trabalho, o qual tem por objetivo relatar a vivência de acadêmicos de medicina de uma faculdade privada, em Vitória-ES, na visita a uma casa de acolhimento para crianças em situação de vulnerabilidade e o impacto dessa experiência na sua formação médica. Desenvolvimento do trabalho: quatorze acadêmicos de medicina de uma faculdade privada, em Vitória-ES, tiveram a oportunidade de visitar uma casa de acolhimento para crianças e adolescentes. Antes da visita, os estudantes receberam orientações detalhadas sobre o estado de vulnerabilidade das crianças residentes em tal instituição e sobre a necessidade de uma abordagem cautelosa para com cada uma delas. Foi enfatizada, ainda, a importância de manter o sigilo absoluto quanto à identidade das crianças, o que inclui a proibição de publicação de fotos que possam revelar sua identidade nas redes sociais. Ao chegarem à instituição, os estudantes foram recebidos não apenas pela equipe responsável, mas também pelas próprias crianças, cuja resiliência e esperança muitas vezes contrastavam com as experiências traumáticas que carregavam consigo. Em seguida, foram coordenadas, pelos acadêmicos, oficinas lúdicas com jogos, atividades artísticas, brincadeiras educativas, de modo a permitir a socialização e entrosamento das crianças com o grupo. Para além disso, foi realizada também uma visita às instalações internas da da casa de acolhimento, guiada pelo coordenador, a pedido dos estudantes. Esses tiveram a oportunidade de conhecer melhor a equipe que atua na preparação das refeições, a responsável pela limpeza e a equipe que mantém um contato mais próximo com as crianças, cuidando e auxiliando-as no dia a dia. Também foi possível conhecer os quartos, banheiros, salas e atividades que são realizadas diariamente com crianças. Por fim, houve um momento de lanche partilhado, proporcionado pelos próprios estudantes. Em um momento posterior e à parte, os voluntários foram convidados a expor, para o grupo, suas perspectivas sobre o momento vivenciado, a ponderar de que forma essa vivência impactou na sua formação pessoal e profissional, além de apontar possíveis falhas e melhorias relacionadas à ação, com o objetivo de melhor estruturar a próxima visita. Resultados: foi possível observar que a situação de vulnerabilidade pessoal e social vivenciada previamente pelas crianças gerou nelas também uma debilidade emocional, uma vez que aparentavam estar em estado de carência afetiva. A interação próxima com os estudantes, em um ambiente acolhedor e seguro, permitiu a expressão emocional das crianças, bem como a sensibilização dos estudantes participantes para as questões relacionadas ao abandono e violência familiar. A visita a essa casa de acolhimento foi uma oportunidade de aprendizado prático, sendo emocionalmente impactante para os estudantes ao interagirem com as crianças e testemunharem suas histórias de resiliência e superação. Esta experiência proporcionou aos estudantes uma visão privilegiada das complexidades e desafios enfrentados por crianças em situação de vulnerabilidade, reforçando a noção de empatia, de compaixão e de compromisso social. Houve o destaque, ainda, para a dedicação e o comprometimento da equipe da casa de acolhimento no fornecimento de cuidados de alta qualidade, estimulando a reflexão sobre o papel do médico como agente de cuidado para os mais vulneráveis e sobre o valor do trabalho multidisciplinar no apoio contínuo às populações vulneráveis. Os acadêmicos puderam observar que a promoção da saúde vai para além do tratamento das doenças, mas também engloba a promoção de um ambiente seguro e acolhedor que apoia o desenvolvimento integral do ser humano. Certamente, a ação foi uma grande incentivadora para que cada voluntário que doou seu tempo e atenção no local se torne agente de mudança no seu próprio cotidiano. Esse tempo foi enriquecedor para os voluntários, a medida que os ajudou a compreender questões ligadas ao ambiente assistencial, expondo a complexidade a que os indivíduos ali presentes estão inseridos. Abdicar de um momento do comodismo habitual e se expor a ambientes sociais vulneráveis trouxe para os voluntários uma nova perspectiva, capaz de alterar a forma como eles irão enxergar seus futuros pacientes. Considerações finais: a visita dos acadêmicos de medicina à casa de acolhimento para crianças em situação de vulnerabilidade ofereceu uma oportunidade inestimável para que os estudantes pudessem vivenciar, diretamente, a realidade complexa e, muitas vezes, dolorosa das crianças ali abrigadas. Esse contato direto permitiu aos futuros médicos uma compreensão mais profunda das necessidades e desafios enfrentados por esse grupo populacional. Observou-se que, ao interagir com as crianças e ao testemunhar suas histórias de vida, os estudantes desenvolveram uma maior sensibilidade para as questões sociais e emocionais, que permeiam diariamente a prática médica, e uma visão holística da saúde, que reconhece a importância dos determinantes sociais no bem-estar dos indivíduos. Portanto, ações como essa são cruciais para a formação de médicos mais conscientes, humanos e preparados para enfrentar os desafios do mundo real. Espera-se que tais iniciativas se tornem uma prática regular nos currículos de medicina para garantir que os futuros médicos possam associar, de forma prática, suas habilidades técnicas com um profundo senso de responsabilidade social. É notável o poder transformador de pequenos atos de bondade e compaixão.