Apresentação: No final do ano de 2019, na cidade de Wuhan, na China, foi detectado um vírus (SARS-CoV-2) causador de uma infecção respiratória de grande transmissibilidade e com importantes complicações. Essa enfermidade, denominada de covid19, foi declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde. A gravidade da doença e sua rápida propagação demandaram a adoção de medidas sanitárias pessoais e coletivas e modificações nos ambientes e processos de trabalho. Diante dessa situação, ocorreram diversas mudanças nas atividades desempenhadas nos serviços de saúde, alterando o processo de trabalho, inclusive nas Estratégias Saúde da Família (ESF). Essas mudanças visavam respeitar o distanciamento físico e a prevenção de aglomerações, tendo em vista a alta transmissibilidade do vírus, o que dificultava o contato com a comunidade e a continuação de ações como grupos educativos e a realização de Visitas Domiciliares, por exemplo, ocasionando em uma fragmentação na assistência por descaracterizar a ESF e o trabalho desenvolvido no território. Essas alterações incidiram mais fortemente nos trabalhadores, especialmente nas profissionais de saúde, devido a provável exposição ao vírus por várias e repetidas vezes ao longo do processo de trabalho. Assim, este trabalho teve como objetivo analisar como a pandemia de covid19 afetou o trabalho e a saúde de trabalhadoras atuantes em uma ESF. Desenvolvimento: Trata-se de um estudo do tipo descritivo, com abordagem qualitativa. Foram convidados a participar do estudo trabalhadoras de uma ESF do município do Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário auto aplicado e, posteriormente, realizado entrevistas. O período para a coleta de dados compreendeu os meses de agosto a outubro de 2021. O questionário foi analisado pela análise estatística descritiva, enquanto para as entrevistas utilizou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. A pesquisa respeitou os aspectos éticos, obtendo parecer aprovado sob CAAE 46231421.3.0000.5324. Resultados: Aceitaram participar do estudo, 12 trabalhadores(as), sendo 11 mulheres e um homem, que tinham entre 38 e 60 anos de idade, sendo a média de idade de 47 anos. A cor/raça autodeclarada que predominou foi branca. Quanto à ocupação, surgiram as seguintes: Agentes Comunitárias de Saúde, Técnicas em Enfermagem, Médicas, Enfermeira, Dentista e Auxiliar de Saúde Bucal. O tempo médio de formação foi de 13 anos, sendo um ano o menor período e 33 anos o máximo. Já o tempo mínimo de serviço foi de um ano e o máximo 31 anos, com média de 14 anos. Das 12 profissionais de saúde, oito contraíram a covid19 e algumas delas referiram que, mesmo após se recuperarem, persistiam alterações em seus corpos e suas rotinas. Por meio dos resultados, foi possível identificar as principais alterações no trabalho e na saúde física e mental das trabalhadoras. Observou-se que ocorreram restrições durante a jornada de trabalho, aumento da demanda e desvio e acúmulo de funções, gerando uma sobrecarga, especialmente das mulheres, com repercussões na saúde. Entre as principais alterações, destacam-se o aumento de peso; estilo de vida sedentário; mudança nos hábitos alimentares; aumento do estresse e irritabilidade; e diminuição no nível de autoestima. Outros sinais e sintomas foram destacados pelas profissionais participantes da investigação, tais como cansaço persistente e insônia, chegando ao autodiagnóstico de ansiedade e depressão. As repercussões na saúde mental também tiveram relação com a preocupação constante de contaminação dos familiares, visto que a maioria residia com pessoas idosas e com comorbidades, considerado como fator de risco para a evolução da doença. Logo, esse cuidado de proteção duplo, tanto no trabalho quanto no lar, gerou reflexões acerca do papel social da mulher, voltado ao cuidar e ao cuidado. Para as trabalhadoras, a execução desses cuidados, predominantemente destinados a outros e, raramente, a si mesmas, gerou sobrecarga, estresse e desgaste físico e mental. Dessa forma, as participantes deste estudo evidenciaram a sobrecarga vivenciada pelas mulheres devido às múltiplas jornadas, especialmente durante a pandemia. Diante de tamanhas alterações, as profissionais adotaram estratégias para promoção da saúde, como uma alimentação balanceada, realização de atividades físicas, uso das Práticas Integrativas e Complementares e maior conexão com a espiritualidade. Essas intervenções foram descritas como uma maneira de minimizar os efeitos negativos da pandemia. Por fim, como ponto positivo, destacou-se a união da equipe para superação das dificuldades que surgiram nesse período. A comunicação foi fundamental para esse processo, uma vez que todas encontravam-se vulneráveis, estressadas e esgotadas, e o diálogo possibilitou a resolução de conflitos e a organização do processo de trabalho. O vínculo fortaleceu a união da equipe frente as adversidades, reconhecendo e respeitando os limites e as subjetividades de cada profissional. Considerações finais: O trabalho, ou a ausência dele, é um importante determinante das condições de vida e da situação de saúde dos(as) trabalhadores(as) e de suas famílias. Além de gerar renda, possui uma dimensão humanizadora ao permitir a inclusão social e favorecer a formação de redes sociais de apoio e, consequentemente, promovendo saúde, uma vez que possui um efeito protetor ao trabalhador(a) e às pessoas do seu convívio. Trabalhar deveria ser uma atividade prazerosa, mas, às vezes, é visto como algo sacrificante, causador de sofrimento e adoecimento físico e mental. Portanto, a pandemia do novo coronavírus apresentou-se não só como uma questão de saúde, mas evidenciou as assimetrias sociais, como as de gênero, raça e classe. A pandemia do novo coronavírus gerou consequências negativas na saúde da população do mundo inteiro, particularmente no Brasil, em que ficou evidente o despreparo econômico e político para lidar com crises sanitárias de saúde. Tal falta de organização ficou constatada pelo alto número de pessoas infectadas e de óbitos no país, fazendo parte desses índices inclusive os(as) trabalhadores(as) da saúde. Desse modo, faz-se necessário um olhar diferenciado para esse público, visando a proteção e promoção da sua saúde. As recentes enchentes no estado do Rio Grande do Sul evidenciam, mais uma vez, a importância dos profissionais de saúde e, logo, o quão fundamental é o investimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Tal investimento precisa abranger não somente os recursos físicos necessários, mas também a contratação e qualificação dos(as) trabalhadores(as) da saúde em suas mais diversas formações e ocupações que, unidas em um contexto de trabalho multiprofissional, são igualmente importantes para o fortalecimento da saúde dos indivíduos, famílias e coletividades, além do próprio SUS como um todo.