Introdução.
Como é cada vez mais evidente, os eventos extremos de precipitação estão se tornando mais intensos e frequentes. Recentemente, o estado do Rio Grande do Sul foi duramente atingido por esses fenômenos. As recentes inundações, consideradas a maior tragédia climática do estado, deixaram mais de 400 bairros debaixo d’água em pouco mais de uma semana. Apenas 47 dos 497 municípios gaúchos escaparam das chuvas, obrigando mais de 500 mil pessoas a deixarem suas casas, com mais de 80 mil sendo alojadas em abrigos improvisados. Além disso, mais de 500 mil pessoas ficaram sem abastecimento de água, incluindo 85% da população de Porto Alegre, onde o nível do Guaíba atingiu a marca histórica de 5,33 metros, transbordando e inundando parte da cidade.
Atualmente, o desfecho desse evento catastrófico permanece incerto, com previsão de mais chuvas e inundações nos próximos dias. Os danos já causados e os que ainda virão são desconhecidos, incluindo impactos na infraestrutura do estado, como a destruição de estradas e o rompimento de barragens, além dos prejuízos materiais à população, como perda de bens e moradias. O impacto na saúde pública também é alto, com o número de mortos e feridos continuando a aumentar. Este evento, embora mais intenso do que os anteriores, não é isolado, como evidenciado pelas enchentes em setembro de 2023, que deixaram 54 mortos, e por outras ocorrências cada vez mais frequentes.
Neste trabalho, buscamos apresentar algumas das considerações frequentemente discutidas na literatura científica sobre os impactos das enchentes na saúde pública e na vigilância sanitária. Nosso objetivo é proporcionar um melhor entendimento das causas e consequências desses eventos, visando aprimorar as respostas, prevenção e mitigação.
Discussão.
Muitas são as causas para as enchentes, destacando mudanças climáticas, aumento de chuvas intensas e fenômenos como furacões e derretimento de neve. Além disso, outras causas incluíram ocupação do solo inadequada e atividades humanas como agricultura intensiva, especialmente a extensiva e construção de barragens. Em relação às consequências ambientais, muitos artigos apontaram impactos significativos, como contaminação da água potável e alimentos, comprometimento da distribuição de água e danos à infraestrutura. A contaminação química e a alteração nos ciclos de reprodução de vetores e hospedeiros também foram ressaltadas como consequências críticas das enchentes, destacando a importância de programas que promovam a vigilância em saúde sanitária nestas situações.
A mortalidade e morbidade são destacadas como principais consequências das enchentes. Em relação à mortalidade, os óbitos durante as enchentes foram citados, com especificações como mortes por diarréias, hipotermia, lesões e afogamentos. Também há menção ao aumento nas taxas de mortalidade nos meses seguintes às enchentes. Quanto à morbidade, foi observado um aumento na incidência de doenças potencialmente epidêmicas, transmitidas por água e alimentos contaminados, além de vetores e hospedeiros. As doenças incluíram gastroenterites, cólera, febre tifóide, malária, dengue e leptospirose, entre outras. Além disso, são relatados impactos significativos na saúde mental e emocional das populações afetadas, como estresse pós-traumático, transtornos de adaptação, ansiedade, depressão e distúrbios comportamentais, com efeitos que podem persistir por meses ou anos após as enchentes. Outras consequências incluíram acidentes, lesões e exposição a substâncias tóxicas durante o deslocamento e limpeza das áreas afetadas.
Durante esses eventos, a infraestrutura como pontes, estradas e diques pode ser danificada, afetando o acesso aos serviços de emergência, incluindo os de saúde. Além disso, há riscos de incêndios, interrupção do fornecimento de energia elétrica e danos aos sistemas de distribuição de água e saneamento. Os serviços de saúde podem ser impactados tanto pelas instalações danificadas quanto pelo aumento na demanda após as enchentes. A agricultura e a pecuária também sofrem consequências, afetando a produção de alimentos e a economia local. Os prejuízos econômicos incluem perdas materiais, desalojamento e desabrigamento, afetando fontes de renda e trabalho.
Para melhores resultados, frente a estes eventos, respostas sociais às enchentes devem ser implementadas, como: o monitoramento do clima e da vulnerabilidade social e ambiental, juntamente com sistemas de vigilância em saúde, são cruciais para prevenir e melhorar as respostas às enchentes, incluindo previsão meteorológica, alerta eficaz e estudo da vulnerabilidade social para identificar intervenções necessárias, como planejamento de ocupação do solo. A capacidade de avaliações rápidas é essencial para identificar impactos, danos e prejuízos à infraestrutura e serviços, além de riscos à saúde, envolvendo a organização de abrigos temporários, avaliação da qualidade da água, operações de limpeza e reparo do sistema de coleta de esgoto. Concomitante a esta situação, a atenção às necessidades imediatas inclui distribuição de água potável, alimentos, utensílios de cozinha e cuidados de saúde, especialmente para crianças, além da disponibilidade de creches e escolas durante o processo de recuperação pós-enchente.
O setor da saúde pública deve agir diante das enchentes com o intuito de prevenir as zoonoses, em diversos âmbitos, dentre eles se destacam: o controle de vetores, visando a distribuição de inseticidas para combate aos mosquitos, para prevenir doenças como malária, dengue e febre amarela; a vacinação deve ser amplamente adotada após as enchentes, incluindo vacinas contra tétano, febre tifoide, cólera e, anteriormente, varíola; a intensificação da Vigilância em Saúde, com ações de monitoramento e investigação epidemiológica para identificar surtos de doenças nos locais atingidos pelas enchentes, subsidiando ações de controle, prevenção, tratamento e recuperação em saúde; a provisão de recursos extras, por meio de tendas de saúde, hospitais móveis, bancos de sangue e laboratórios de emergência para atender a demanda crescente devido à destruição da infraestrutura de saúde, e o fornecimento de pessoal extra, como médicos, enfermeiros e técnicos de laboratório.
Após enchentes e desastres naturais, é comum o registro de casos de leptospirose, especialmente em comunidades carentes. Para evitar a propagação da doença, são necessários cuidados durante a limpeza da lama residual e dos reservatórios de água. Após a desinfecção, é necessário aguardar para garantir a segurança da água para consumo humano, utilizando água potável, filtrada, fervida ou clorada.
Além disso, medidas como apoio psicossocial, com o cuidado e apoio psicológico às populações afetadas, com visita de profissionais de saúde e assistência social aos grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos, grávidas e portadores de necessidades especiais; o desenvolvimento de programas educacionais para comunidades em risco de enchentes, abordando tanto a preparação para o evento quanto a recuperação pós-enchente para fortalecer a resiliência; utilização de sistemas de alerta e comunicação contextualizados para informar a população sobre os riscos das enchentes e as medidas preventivas, incluindo orientações sobre o consumo de água, alimentos e medidas de higiene; e planejamento e cooperação com outros setores governamentais, empresas privadas e organizações não governamentais para prevenção, mitigação e assistência aos afetados pelas enchentes, envolvendo desde medidas de reparo estrutural até a arrecadação de fundos e medicamentos.
Conclusão
Este trabalho tem como objetivo compreender as múltiplas causas, consequências e respostas relacionadas às enchentes, conforme discutidas na literatura científica. Destaca-se a diversidade dos impactos desses eventos nos aspectos sociais, econômicos e ambientais, evidenciando a necessidade de medidas igualmente diversificadas. Diante do aumento da frequência de enchentes no Rio Grande do Sul e da atual situação de calamidade, é imprescindível investir em políticas de desenvolvimento sustentável para reduzir a vulnerabilidade das comunidades. Reconhecemos que esses eventos recorrentes exercem impactos significativos na saúde pública e na qualidade de vida das populações afetadas.