Introdução
No município de Santa Maria, uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, em uma Equipe de Saúde da Família (ESF) recentemente inaugurada, como carga horária de extensão e atividades curriculares para a disciplina, Vigilância em Saúde, de um curso de Enfermagem, foi feito o auxílio na coleta de dados populacionais e o diagnóstico comunitário pelo grupo, composto pelos discentes e o professor orientador. Dentre as principais atividades práticas realizadas foram a coleta de dados da comunidade através do cadastro Domiciliar e Territorial, bem como orientações domiciliares conforme a demanda da população.
Este trabalho busca refletir sobre as atividades realizadas e o papel dos agentes comunitários de saúde (ACS) na atenção básica no Brasil e o possível risco já aparente da sua redução para a saúde da população, devido às mudanças implementadas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), publicada em outubro de 2017.
Discussão
As atividades propostas trouxeram muitas oportunidades de aprendizado para os participantes do grupo, fazendo um dos primeiros contatos entre graduandos em enfermagem com a Atenção Básica de Saúde (ABS) e as comunidades às quais muitos trabalharão futuramente, tanto em futuras disciplinas, quanto na vida profissional, após a graduação. Também trouxe muitos benefícios à comunidade, com a realização das coletas de dados populacionais, que visam um melhor conhecimento da ESF da comunidade atendida. Sem o trabalho proposto pela disciplina, a coleta possivelmente levaria anos para ser completada. Além de trazer enfermeiros docentes em contato com a comunidade, permitindo alguma orientação domiciliar por este grupo, o que normalmente não é prioritário nas ESF, devido a grande demanda e falta de profissionais.
Entretanto, colocaram também em evidência uma possível situação de vulnerabilidade da comunidade: o seu não devido conhecimento pela atenção primária, podendo ser em parte por ter recentemente sido inaugurada, mas também devido à falta de agentes comunitários, que até o momento possui somente um. Em apenas uma visita à comunidade ficou evidente esta falta de conhecimento, em diversas situações, como o desconhecimento de pessoas com histórico de hipertensão e sem receita, doença coronariana, diabetes, e anemia falciforme sem acompanhamento ou conhecimento. Ou conhecimento de fatores de risco do território, como acidentes por animais peçonhentos, como o caso de um idoso com diabetes que foi picado por uma aranha marrom há cerca de 2 meses e foi somente receitado antibióticos.
Os agentes comunitários de saúde têm papel importante na atenção primária, por meio da promoção de saúde e prevenção de doenças com atendimento domiciliar; na criação de vínculos com a comunidade, promovendo humanização, acolhimento e responsabilização; na orientação à população sobre o uso e acesso aos serviços do sistema de saúde; em ações de vigilância em saúde, como acompanhamento das famílias; e no desenvolvimento de atividades de informação à população e de prevenção de doenças e agravos. Sua atuação na ESF trabalhada faria a diferença para a solução da maioria das situações encontradas.
Esta falta de ACS pode ser atribuída à Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), publicada em outubro de 2017 (Portaria n° 2.436/2017 do Ministério da Saúde), que trouxe muitas mudanças nas ESF. Dentre as mudanças promovidas, as seguintes são destacadas: a redução do número mínimo necessário de agentes comunitários em uma ESF, de quatro para um agente; a não necessidade que a ESF tenha 100% de cobertura pelo ACS, sendo apenas necessário a cobertura total de grupos de maior vulnerabilidade e riscos, porém tais grupos não são devidamente definidos pela Portaria; a concessão de novas atribuições para os ACS, o que pode ocasionar a descaracterização deste servidor, como a aferição da pressão arterial, glicemia capilar e curativos, que antes eram atribuídas especialmente pelos técnicos em enfermagem.
Estudos sobre o impacto da PNAB de 2017 revelam que municípios das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste foram mais propensos a reduzir o número de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) por equipe nos dois anos seguintes à sua implementação. A região Sul liderou com uma redução de 86,5% no número de ACS por equipe. Municípios com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e maior desigualdade, conforme o índice de Gini, também experimentaram uma maior diminuição no número de ACS. Além disso, municípios com população superior a cem mil habitantes apresentaram uma maior probabilidade de redução de ACS. Esses indicadores foram utilizados por estudos para sugerir uma possível desvalorização dos ACS em áreas mais prósperas, o que pode refletir um descaso por parte dos gestores em relação ao trabalho desses profissionais.
Santa Maria, enquadrando-se em todos estes critérios, enfrenta os impactos dessa redução, prejudicando as comunidades mais vulneráveis que dependem desses serviços, como ficou evidente durante a prática das atividades pelo grupo. A falta de ACS compromete a eficácia da atenção primária nessas áreas e ressalta a importância de manter e fortalecer esses profissionais na ESF.
A visita domiciliar é uma atividade crucial realizada pelos ACS, permitindo o monitoramento constante das condições de saúde das famílias e a identificação de situações que de outra forma não seriam detectadas. Os ACS desempenham um importante papel social ao promover ações para melhorias em suas áreas de atuação, resultando em impactos positivos na saúde das comunidades mais vulneráveis. Estudos demonstram que os ACS têm efeitos positivos na saúde materno-infantil e no controle de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão arterial. Portanto, a redução no número de ACS, como visto em Santa Maria, pode estar mostrando um quadro de comprometimento às conquistas históricas da atenção primária no Brasil. Este quadro prejudica o acesso aos serviços de saúde para os usuários em situação de maior vulnerabilidade social e interfere no diagnóstico de condições determinantes para a saúde.
Conclusão:
A falta de ACS compromete não apenas o acesso aos serviços de saúde, mas também a qualidade do cuidado oferecido, especialmente em áreas de maior carência. A PNAB de 2017, ao reduzir o número mínimo de ACS por equipe e conceder novas atribuições, pode ter desvalorizado esses profissionais, especialmente em municípios com maior IDH, maior porte populacional e localizados nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, como evidenciam estudos.
Os ACS desempenham um papel social importante ao promover ações para melhorias em suas áreas de atuação, resultando em impactos positivos na saúde das comunidades mais vulneráveis, como na saúde materno-infantil e no controle de doenças crônicas não transmissíveis, entre muitas outras; reforçando sua relevância na atenção primária.
Portanto, a redução no número de ACS em Santa Maria sugere um quadro de comprometimento das conquistas históricas da atenção primária no Brasil. Essa situação ressalta a importância de manter e fortalecer os ACS na Estratégia de Saúde da Família (ESF) e de revisar políticas que possam prejudicar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, especialmente para os usuários em situação de maior vulnerabilidade social.