Introdução: Desde 2019, a crise sanitária causada pela pandemia de Covid-19 (Coronavirus Disease 2019) expôs muitas desigualdades sociais e fragilidades nos territórios e nos sistemas de saúde, sobretudo de países em desenvolvimento. No Brasil, os registros evidenciaram a heterogeneidade de casos, revelando infectados e mortes entre pessoas de diferentes faixas etárias e lugares, mas com foco maior nos territórios vulnerabilizados e em situações de baixa estrutura dos serviços de saúde. Objetivos: 1) Levantar relatos sobre as mudanças no processo de trabalho ocorridas na APS, durante a pandemia de Covid-19 e as representações dos profissionais quanto aos aspectos sociais que produziram essas mudanças. 2) Analisar as diferentes visões de profissionais da APS sobre o “social” e sua relação com a saúde e o adoecimento em um contexto pandêmico. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, de naturezas descritiva e narrativa, realizada em três Unidades Básicas de Saúde (UBS) de um município de médio porte de Minas Gerais. A coleta de dados foi realizada através de entrevista individual com abordagem do tipo semiestruturada com profissionais de saúde de diferentes categorias profissionais vinculados às respectivas UBS. O instrumento para levantamento de dados foi estruturado em três partes: Parte I: Identificação das UBS; Parte II: Instrumento de Coleta de Dados; e Parte III: Dados sociodemográficos. Para realização das análises descritivas, utilizou-se software Stata 14®. Para a análise qualitativa das entrevistas, as informações foram analisadas com o uso da técnica de análise temática de conteúdo proposta por Bardin (2011). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE nº 70203623.9.0000.5147). Desenvolvimento: A população do estudo foi composta por 16 profissionais de saúde vinculados às UBS selecionadas para a pesquisa, sendo UBS-A: 31,25%; UBS-B: 37,50% e UBS-C: 31,25%. Quanto à categoria profissional, foram entrevistados: ACS: 6 (37,50%); Técnica em Enfermagem: 1 (6,25%); Enfermeiros(as): 6 (37,50%); Médicas: 2 (12,50%); Farmacêutica: 1 (6,25%). As pessoas entrevistadas foram perguntadas sobre os fatores sociais que influenciaram no adoecimento e morte da população adscrita por COVID-19; bem como os principais desafios enfrentados pela equipe de saúde durante a pandemia. Conforme a resposta das pessoas entrevistadas, os fatores sociais foram significativos no adoecimento e morte da população por COVID-19. A negação e descrença em relação à gravidade da situação, aliadas à propagação de fake news e construções fantasiosas, levaram a uma banalização do risco, especialmente em camadas da população menos privilegiadas, resultando em menor adesão às medidas preventivas, como o uso de máscaras e o distanciamento social, impactando diretamente na disseminação do vírus. Isso criou uma atmosfera de desconfiança e recusa à vacinação, mesmo diante do esforço dos agentes de saúde em educar e conscientizar a população. A falta de condições para cumprir as medidas sanitárias, como o distanciamento físico e a utilização de equipamentos de proteção, contribuiu para a contaminação desses grupos. A resistência à vacinação influenciada por fake news, questões políticas e religiosas, afetou a adesão às orientações das instituições de saúde, resultando em lacunas na imunização da população. Trabalhadores de setores como construção civil, serviços domésticos, pessoas com vínculo informal e demais vínculos em que se registrou a continuidade das atividades sem protocolos sanitários adequados foram expostos a pressões para continuar trabalhando, muitas vezes sem condições adequadas de proteção. O desemprego gerou a falta de renda e, consequentemente, alguns agravos, como dificuldade de uma alimentação adequada e de acessar os equipamentos mais básicos de proteção. Além disso, a falta de emprego resultou em condições precárias de vida, afetando diretamente a saúde das pessoas, especialmente as mais vulneráveis economicamente. A relação entre desemprego e saúde durante a pandemia evidenciou a interdependência entre aspectos econômicos e bem-estar físico e mental. Muitas pessoas usuárias das UBS, ao se depararem com a perda de emprego e a instabilidade financeira, enfrentaram problemas de saúde mental, como crises de ansiedade e estresse. O medo da doença, somado às condições adversas das consequências econômicas da pandemia, contribuíram para um ambiente propício ao agravamento de problemas de saúde existentes ou ao surgimento de novos quadros de adoecimento. Houve aumento no número gestantes com anemia e de diabéticos e hipertesnsos descompensados devido à falta de acesso a alimentos saudáveis e acompanhamento sistemáticos de cuidados em saúde, além do aumento do consumo de drogas em algumas regiões. Questões sociais, como condições de moradia e ambientais, também influenciaram a resposta à pandemia. Condições precárias de moradia dificultaram o isolamento social. Também foi mencionado o contexto de áreas com condições de saneamento precárias e falta de infraestrutura básica, falta de água e eletricidade contribuíram para um ambiente propício à disseminação do vírus, bem como a utilização de transporte público inadequado com registro de superlotação também possibilitaram a disseminação viral. Os principais desafios enfrentados pela equipe de saúde ao enfrentar a COVID-19 e seus impactos incluem lidar com o aumento de agravos à saúde física e mental; garantir o acesso e adesão das pessoas que antes da pandemia tinham vínculo com as unidades de saúde; além de reestabelecer os grupos de atendimentos na rotina de trabalho, uma das propostas da Atenção Básica no âmbito das UBS. A interação entre aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais desempenhou um papel crucial na forma como a pandemia foi enfrentada, com as desigualdades sociais e a disseminação de informações incorretas contribuindo para a complexidade do cenário sanitário durante a crise. Evidenciou-se a importância da educação em saúde, do apoio comunitário e da promoção de medidas preventivas para lidar eficazmente com os desafios impostos pela pandemia. Conclusão: Fatores sociais, como desinformação, condições precárias de trabalho, desigualdades socioeconômicas e resistência à vacinação, desempenharam um papel relevante na forma como a pandemia foi enfrentada e como afetou diferentes segmentos da população. Essas questões sociais contribuíram para a disseminação do vírus e consequentemente para um maior número de casos e óbitos. A fragilização da saúde mental durante a pandemia de COVID-19 resultou em pânico e medo, refletindo na necessidade de trabalhar a prevenção de forma intensiva. Para lidar com as consequências sociais, financeiras e emocionais da pandemia na comunidade, seria essencial adotar uma abordagem integrada e abrangente. É necessário priorizar o suporte emocional às pessoas afetadas, promover a solidariedade e a escuta ativa, além de sensibilizar a comunidade sobre questões de saúde mental.