No Sistema Único de Saúde (SUS), as Redes de Atenção à Saúde (RAS) visam proporcionar um cuidado integral e contínuo em saúde à população. Neste contexto, a Atenção Primária à Saúde (APS) é o nível de atenção de coordenação do sistema e essencial para a continuidade do cuidado. No entanto, o sistema apresenta situações de desarticulação das redes e barreiras ao acesso dos serviços de saúde, configurando muitas vezes a fragmentação e descontinuidade do cuidado.
O objetivo do estudo foi verificar a continuidade do cuidado com médicos e enfermeiros em serviços municipais após atendimento em serviço de urgência, ao longo de doze meses, identificando os fatores associados. Trata-se de um estudo quantitativo de coorte prospectiva realizado em Vitória-ES com 1177 indivíduos de 18 anos ou mais que utilizaram um Pronto Atendimento entre novembro e dezembro de 2019. O acompanhamento longitudinal de doze meses foi realizado pelo sistema de informatização de saúde da prefeitura. A análise de associação foi realizada através de regressão de Poisson no software Stata 17.
Dos usuários, 65,8% (IC95%: 63,00-68,42) utilizaram pelo menos um dos serviços da rede municipal de atenção à saúde, sendo a APS (49,9% - IC95%:47,01-52,73) e o Pronto Atendimento (43,6% - IC95%: 40,77-46,44) os mais utilizados. O maior uso da APS esteve associado ao sexo feminino (P-valor: 0,000); maior idade (P-valor: 0,0001); menor escolaridade (P-valor: 0,0000); classificação socioeconômica mais baixa (P-valor: 0,0100); presença de multimorbidade (P-valor: 0,0001) e vínculo com médico ou enfermeiro (P-valor: 0,0000). Os Prontos Atendimentos foram mais utilizados por pessoas com multimorbidade (P-valor: 0,0312).
Conclui-se que mais da metade da amostra utilizou, após o serviço de urgência, os serviços municipais de saúde. Indivíduos do sexo feminino, em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com multimorbidade e vínculo com profissionais de saúde são mais propensos a manter a utilização dos serviços. Esses achados destacam a importância da APS na continuidade do cuidado, principalmente para indivíduos vulneráveis atingidos pela desigualdade social.