Apresentação: O objetivo deste trabalho é problematizar as faces da masculinidade. Para isso, a pergunta norteadora deste trabalho é: O sujeito produz a sua masculinidade através da norma ou da diferença? Utilizando como amparo recortes do livro “Pedagogia Improvável da Diferença” de Carlos Skliar e recortes de artigos que abordam o tema ‘masculinidade(s)’como tema central da sua produção.
Desenvolvimento: Carlos Skliar vai trafegar por alguns caminhos no decorrer de sua produção para sustentar a escrita sobre o “outro”, mas, para esse recorte ressaltamos dois: o tempo enquanto aquilo que chamamos de realidade ou mesmidade, e o outro como um tempo que aponta para a diferença, tratando a temporalidade do 'outro' como existência.
A mesmidade e a diferença compartilham do mesmo elemento chamado ‘tempo’. Nele podemos situar um tempo de mesmidade, um tempo usurpado e domesticado, dirigido através ciclos repetitivos constante, compostos pelas referências desgastantes que ele mesmo compõe. Da mesma forma, existe um tempo diferente, um tempo que atravessa a existência do que é único e cíclico no ‘si mesmo’, criando uma fenda inesperada.
Skliar traz duas perguntas para trafegar sobre os elementos mesmidade e diferença: a primeira em relação ao tempo que chamamos de realidade, o tempo atual, da esfera do que está no mesmo presente, da realidade da mesmidade. E outro tempo que aponta para outro momento, um tempo diferente, um tempo da diferença. Nisso, ele se utiliza de duas leis autoexplicativas: (a) duas coisas diferentes não podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo; (b) uma mesma coisa não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Nessas duas leis, ele aponta que, diante de uma análise das colocações, a mesmidade do lugar impossibilita a diferença das coisas, e que a mesmidade das coisas inibe a diferença do lugar. Ao mesmo tempo que as duas colocações se mostram incompatíveis nas suas esferas de análise, se compatibilizam por serem analisáveis no mesmo lugar, o tempo. Com isso, ele nos proporciona um fio de alento diante da não existência do humano fora do tempo, e da não existência do tempo fora do humano. Essa colocação seria uma forma de amparo, uma temporalidade terceira que aparenta suportar polos dissímeis, possibilitando desnudar o tempo da modernidade aprisionado pela construção da palavra.
Para tal formulação, diante da complexidade de tais questões, não deixamos de perceber que autor nos envolve em tal capacidade de produção de uma mesma visão diante de vários lugares e seus vários lugares em tempos de mesma visão. Para isso, se faz necessário perceber que tal produção atravessa o sujeito para libertá-lo, para levá-lo a produzir o seu próprio momento. Levando-nos a problematizar o próximo ponto, a(s) masculinidade(s).
Quando falamos em masculinidade nos referimos única e exclusivamente a forma de existência que um homem, ao nascer, já é predestinado pela biologia, a viver enquanto ser humano? Ou Podemos nos libertar dessa amarração sobre o conceito de masculinidade, que a vertente hegemônica ditou, sobre o lugar do homem no social?
O conceito de masculinidade hegemônica tem seus primeiros escritos no campo da desigualdade social nas escolas da Austrália, abordando a construção dos corpos dos homens e da sua masculinidade dentro do papel da política do país. Esses estudos empíricos serviram de base para pesquisas posteriores, ressaltando a hierarquia de gênero, tempo, e classe, amarrados aos movimentos ativos de construção de gênero.
Estudos críticos na área, como o de Carrigan, Connell e Lee, foram pioneiros no percurso crítico diante da literatura sobre o papel sexual masculino em suas diversas faces do poder, ressaltando o modelo sistematizado de teoria sociológica empunhado para defender o posicionamento masculino hegemônico e a feminilidade enfatizada. Posteriormente, o conceito articulado pelos grupos de pesquisa australiano trouxeram a compilação de ideias e indicativos de fontes diferentes que resultou, de forma acidental, na proliferação de tais estudos em outros países.
Nos estudos decorrentes, as fontes utilizadas para dar suporte explicativos diante lugar do masculino foram as teorias feministas do patriarcado, nesse movimento alguns homens da nova esquerda mostraram apoio aos estudos feministas, e com essa tentativa de apoio foi percebido a diferença de nível entre as classes sociais na expressão da masculinidade. Com isso emergiu, nessa época, o termo Gramsciniano de “hegemonia”, utilizado para explicar as dinâmicas da mudança estrutural que mobilizavam e desmobilizavam as classes.
Em especial, a masculinidade hegemônica se distinguiu de outras masculinidades, principalmente as marginalizadas, por se caracterizar como caráter normativo em relação às outras. Ela não se assumiu normal em um caráter estatístico entre os homens, mas se ocupou de um lugar mais honroso. Ela requisita que outros homens se posicionem em relação a ela, o que desencadeia uma legitimação ideológica em relação à subordinação das mulheres aos homens, devido ao cerne conceitual amparado pela concepção evolucionista. Consequentemente, homens que adotem o patriarcado como herança podem ser vistos como cúmplices de uma forma honrosa da posição masculina. De forma subsequente, pesquisas sobre masculinidades foram mostrando que ela mesma não é somente diferente entre si, mas, também, sujeita às mudanças. Teóricos que se debruçaram sobre o tema como: Morrel, Ferguson, Dasgupta, Taga, evidenciam diante dos estudos as transformações da masculinidade através do tempo.
Com base nisso, o sujeito produz a sua masculinidade através da norma ou da diferença? A volatilidade do tempo e da concepção dos fatos mostra a sua complexidade ressaltada pelo paradoxo do tempo citado por Skliar. Peguemos a masculinidade hegemônica. Segundo os estudos trazidos nos seus primórdios, ela mesma tinha outras formas esféricas na sua época e os fatores de escolha entre os homens, como cumplicidade e honra, por sua vez ajudou na disseminação de uma concepção de soberania dos homens em relação às mulheres contribuindo para o seu atravessamento entre os tempos. Podemos comprovar a sua existência ainda hoje através dos grupos dos incels e redpills, que reclamam o seu lugar hegemônico sobre os direitos igualitários de gênero e oposição ao feminismo.
Resultados: A hegemonia se torna norma quando delimita a identificação do masculino, mas o masculino não se torna norma da hegemonia. O que é masculino pode ser produzido, pode ser protestado. Entretanto, ela se dissemina de forma cultural, por instituições, e de formas persuasivas, deixando claro a escolha do sujeito que assim quiser.
Pensamentos críticos modernos apontam para a ambiguidade do uso do conceito de hegemonia. Desejando eliminar qualquer uso da masculinidade hegemônica como fixa, o que torna algo próximo a um uso de modelo trans-histórico, porque isso violaria as suas transformações sociais decorrentes das diferentes épocas. Mas de outras formas, principalmente no processo de ambiguidade de gênero, se mostra necessária essa concepção de mecanismo hegemônico para baseá-la diante das demais.
Considerações finais: Desta forma, a concepção do conceito de hegemonia salta entre os tempos para posicionar as produções do que é da ordem do masculino. Sendo ela, volátil devido ao tempo utilizado, e também, virtual por não pertencer delimitadamente a um lugar temporal. Pode-se compreendê-la como um, como diz Skliar. Isso caracterizaria como processo de estado identitário, não sendo capturadas ou domesticadas por somente um tempo, enquanto processo que produz a um movimento de perturbação da unidade. Comparado a um fragmento, uma vibração. Nenhum saber já intitulado por outro pode dar conta de entender o que está acontecendo. O que pode tentar clarear o diálogo entre ambos.