As problematizações tecidas nesta breve exposição têm o objetivo de despertar inquietações acerca do modo pelo qual são produzidas políticas públicas para crianças e adolescentes com deficiência a partir das intervenções do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e os efeitos destas prescrições sobre estes sujeitos e suas famílias. Neste sentido, este estudo faz recurso à historicização para remontar o modo pelo qual as categorias de deficiência, infância e direitos humanos foram historicamente materializadas para atender a interesses políticos, econômicos e sociais particulares de uma época, e que se atualizam nas mais diversas esferas de controle social.
Este estudo parte da metodologia histórico-documental a fim de construir um campo de estudos inerente a todo o processo de investigação em que os materiais de análise serão os relatórios anuais publicados pelo UNICEF. É a partir da perspectiva arqueogenealógica que estes relatórios serão analisados, uma vez que se pretende identificar os efeitos de poder destes relatórios como importantes nos processos de subjetivação de crianças e adolescentes com deficiência. Ressalto que, ao recorrer à metodologia histórico-documental com ênfase para a perspectiva arqueogenealógica, o transcorrer deste estudo adquire característica de luta e insurgência contra uma dinâmica de poder que dociliza estes sujeitos por meio de estratégias disciplinares e governa estas vidas por meio da biopolítica.
O UNICEF é uma instituição permanente da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem o objetivo de garantir os direitos de crianças e adolescentes do mundo todo “sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, seja de origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição” (ONU, 1989). Deste modo, a produção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes com deficiência deve estar vinculada a modos de emancipação destes sujeitos contra as formas de opressão que fazem parte de seu cotidiano, como as múltiplas barreiras enfrentadas por crianças e adolescentes com deficiência.
Pensar a articulação entre infância, deficiência e assistencialismos exige certo exercício crítico com relação à produção destas noções, uma vez que estas categorias passaram por modificações históricas que mais tem a ver com interesses políticos e socioeconômicos de governo das condutas, o que pode ser observado por Donzelot (1986) na distinção da assistência dada às famílias ricas e pobres e por Lobo (2015) ao analisar a configuração de deficiência no Brasil com o transcorrer de mudanças históricas políticas. O que se percebe, pelo UNICEF, é um movimento de institucionalização constante que prevê a garantia de direito de crianças e adolescentes com deficiência por meio do acesso à escola, enquanto crianças e adolescentes sem deficiência têm acesso a outras atividades em seu contexto. Ora, se a Convenção sobre os Direitos da Criança prevê que não deva existir quaisquer categorias de distinção na garantia dos direitos destes sujeitos, os esforços para garantir os direitos de crianças e adolescentes com deficiência não deveriam limitar-se ao acesso escolar.
Encerro esta breve exposição indagando: que participação crianças e adolescentes com deficiência têm na produção de seus direitos?