Apresentação: A partir da década de 1970, o movimento de usuários de saúde mental nos países anglo-saxões passou a se mobilizar em prol da liberdade institucional e garantia de direitos humanos. Um dos produtos dessas lutas foi a construção de um repertório de grupos de ajuda mútua, que visam o acolhimento, a troca de experiência entre usuários e o apoio emocional em momentos difíceis. Um dos grupos mundialmente conhecidos a partir da década de 80 foi o ‘Voice Heares’, ‘Ouvidores de Vozes’ no Brasil, que visa a superação da patologização da experiência de ouvir vozes. Desenvolvimento: Este trabalho tem o objetivo de discutir a relevância dos grupos de ajuda mútua para a recuperação de pessoas em sofrimento mental no Brasil, com enfoque nos grupos ‘Ouvidores de Vozes’. Foi realizado o levantamento da literatura científica dos anos de 2017 a 2022 nas bases de dados Medline, Scielo e Lilacs chegando ao número total de 9 artigos selecionados, a partir dos descritores ‘ajuda mútua’, ‘Recovery’ e ‘Voice Heares’. Os grupos de ajuda-mútua são espaços emancipatórios em que a liderança/coordenação deve ser realizada pelos próprios usuários, necessitando de atenção cuidadosa à participação de profissionais de saúde. Resultados: Esses estudos identificaram que o significado da voz é uma experiência individual e social interpretada pela história de vida, contexto socioeconômico (familiar, religioso, comunitário) e auto estigma das pessoas que as ouvem. Dois estudos pesquisaram a utilização de uma mídia social, criada pelos ‘ouvidores de vozes’ baseadas no ‘Movimento Intervoice’ com vistas a analisar se essa ferramenta contribui para a ajuda mútua entre pessoas em contextos distantes e diversos. Estudos demonstraram que as estratégias de enfrentamento compartilhadas nestes grupos envolvem trocas de informações, conhecimento científico e conteúdo das vozes, a criação de narrativas com e sobre as vozes, os modos de interação e manutenção da vida diária, apesar das vozes. Outro estudo focou nas conexões sociais e relações significativas entre as pessoas que ouvem vozes e as pessoas que não as ouvem. Parte dos entrevistados referiram dificuldade de interagir com os demais quando estão ouvindo vozes depreciativas e ameaçadoras, o que os impede de ouvir outras pessoas. Afirmaram que essa dificuldade repercute na socialização e promove um maior isolamento, o que também as vulnerabiliza a ouvir mais vozes, promovendo um ciclo de isolamento-sofrimento que pode ser atenuado através das novas relações estabelecidas entre pessoas dos grupos de apoio mútuo. Considerações Finais: ‘Ouvir Vozes’ tende a ser interpretado, pelos critérios diagnósticos, como o sintoma de uma experiência psicótica, que tende a gerar intenso sofrimento e possuir alto estigma social. Entretanto, a experiência de ouvir vozes é tão antiga quanto as demais relações humanas, mas diferentemente interpretadas e simbolizadas no contexto histórico-cultural a que os sujeitos pertencem. Os grupos de ajuda mútua chamados ‘ouvidores de vozes’ tem sido um espaço de acolhimento e cuidado a esta experiência tão singular, pois, de modo conjunto, os usuários de saúde mental tendem a possuir orientações e estratégias, individuais e coletivas para uma vida diária mais saudável, com autonomia e empoderamento.