A "escrevivência", um conceito desenvolvido pela escritora Conceição Evaristo, emerge como uma metodologia poderosa na pesquisa qualitativa, especialmente na documentação e elaboração das experiências. Esse método combina escrita autobiográfica e ficcional para criar narrativas que não apenas registram, mas também transformam e recontam as vivências de seus sujeitos e atravessamentos.
Conceição Evaristo propõe a escrevivência como uma prática que transcende a mera escrita autobiográfica, ao fundir vivências pessoais e coletivas em narrativas que refletem as múltiplas dimensões das experiências de vida. Esse conceito encontra eco nas obras de Annie Ernaux, que utiliza a fusão entre autobiografia e ficção para explorar as profundezas de suas próprias experiências, ampliando a compreensão dessas vivências a um nível universal. Autoras como Isabelle Stengers, Donna Haraway e Ursula Le Guin também enfatizam a importância das narrativas na reimaginação das realidades e na criação de novos mundos possíveis. Stengers e Haraway, em particular, discutem a narrativa como uma ferramenta epistemológica que desafia as hegemonias do conhecimento, enquanto Le Guin explora a ficção especulativa como um meio de moldar percepções e oferecer novas perspectivas sobre o mundo.
No contexto da pesquisa com mulheres em situação de rua, a escrevivência se destaca como uma das 'geringonças' que carrego para realizar uma cartografia sentimental. Este método permite a escuta ativa e a documentação das experiências dessas mulheres, criando mapas afetivos que revelam as "redomas (in)visíveis" que permeiam nossas vidas. As narrativas autobiográficas e ficcionais geradas através da escrevivência destacam aspectos como a "necropolítica" que condiciona algumas existências, a busca pela sobrevivência em condições adversas, e as diversas formas de "mulheridades" que emergem como estratégias de resistência e resiliência.
Dessa forma, a escrevivência se afirma como uma metodologia inovadora e transformadora na pesquisa qualitativa, oferecendo um meio de elaborar narrativas das violências de gênero e de construir novas possibilidades de existência e resistência. Essa abordagem possibilita a escuta atenta e a cartografia sentimental das vivências das mulheres, contribuindo para uma compreensão mais ampla e complexa das suas realidades e desafios.