Homo-lesbo-transfobia Institucionalizada: as dificuldades enfrentadas ao se utilizar da arte para discutir a temática da diversidade de gênero e orientação sexual e o entendimento do “eu” em um município de Minas Gerais.

  • Author
  • Hiago Daniel Herédia Luz
  • Co-authors
  • Camila Gabriela Gonzalez , Luiz Henrique de Carvalho Teixeira , Jurandir Flor , Eduardo Augusto Barbosa Figueiredo , Ana Beatriz Paixão de Queiroz , Ana Flávia Vieira Xavier
  • Abstract
  • Trata-se de um relato de experiência da realização de um espetáculo de teatro com o intuito de abordar as questões da diversidade e da busca do entendimento do próprio “eu” para alunos de uma escola estadual em um município, situado em Minas Gerais. A equidade é um dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde(SUS) e propõe tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade. No âmbito do SUS existem diversas políticas nas três esferas de gestão que orientam as ações de saúde para populações que historicamente são vistas como minorias sociais. A nível de Ministério da Saúde temos por exemplo a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, dentre outras. Em âmbito estadual, no caso de Minas Gerais, tem-se a Política Estadual de Promoção à Saúde e dentro dessa política tem-se um indicador específico para a promoção da equidade, sendo suas ações orientadas por resoluções e notas técnicas específicas, ficando a cargo dos municípios a implementação dessas ações de maneira prática. A homo-lesbo-transfobia é uma realidade que limita direitos, viola a dignidade e ataca a cidadania das pessoas LGBTQIAPN+ e ações de enfrentamento a esse problema social precisam ser implementadas de maneira ampla, inclusive no âmbito do SUS e na Atenção Primária à Saúde(APS). Tendo em vista a LGBTfobia e as ações pactuadas através da Resolução da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais 7610, foi proposta através do Comitê Técnico Municipal de Promoção da Equidade a execução de uma adaptação do espetáculo “Quem é você?” da companhia Toda Deseo. Este espetáculo foi vencedor em 5 categorias do Prêmio Copasa Sinparc de teatro infantil, entre elas: Melhor espetáculo infantil, Melhor direção, Melhor texto dramatúrgico, Melhor iluminação e Melhor atriz coadjuvante para Nickary Aycker. “Quem é você?” é uma peça para todas as idades e aborda o desenvolvimento da última infância e todas as questões que surgem junto com as transformações corporais e psíquicas da adolescência. Nele, a companhia discute, de forma lúdica e imagética, a necessidade de abandonar a segurança do conhecido e arriscar-se em busca de si mesmo e reafirmando seu lugar no mundo. Este trabalho tem a direção de Mariana Lima Muniz, dramaturgia de Raysner de Paula e reúne uma equipe de artistas de destaque na cena mineira. O processo criativo iniciou-se em junho de 2019 e, após uma etapa de exploração de possibilidades de tratar dos desafios e preconceitos vividos na passagem da infância para a adolescência, realizou-se um estudo sobre os contos de fadas e outras histórias para a infância. Uma das referências iniciais foi Pinóquio, do italiano Carlo Collodi, história que conta a transformação de um pedaço de madeira em uma criança de verdade por meio de várias aventuras que possibilitam a Pinóquio conquistar sua identidade. A proposta de apresentação do teatro surgiu a partir de uma demanda trazida ao comitê de equidade, na qual adolescentes da escola estadual do município estavam com queixas de saúde mental devido ao bullying sofrido na escola. Como forma de abordar a temática da diversidade e do processo de descoberta do “eu”, foi proposta a utilização da arte como forma de aproximação e para facilitar a abordagem deste tema complexo através da adaptação do espetáculo “Quem é você?” da companhia Toda Deseo. A princípio o espetáculo estava planejado para acontecer em setembro de 2022, nas instalações do mercado municipal da cidade, contudo após reunião com um dos representantes da escola estadual, que procurou a secretaria de saúde dias antes de acontecer a apresentação do espetáculo, foi cancelada a apresentação e agendada uma reunião extraordinária do comitê de equidades no dia 22 de setembro de 2022, mesmo dia que aconteceria a apresentação do espetáculo. Nessa reunião um representante da escola discorreu que alguns responsáveis haviam o procurado reclamando do teor do espetáculo a ser apresentado. Ficou subentendido que o boicote ao espetáculo partiu da administração da escola estadual e em partes da secretaria de saúde e que o “incômodo dos responsáveis” veio após esses terem tido acesso ao instagram da companhia de teatro e  terem visto uma das atrizes do espetáculo, que é uma travesti, estrelando a peça juntamente com outros atores LGBT. Os integrantes do comitê explicaram o teor do espetáculo para os presentes e ficou definido que o comitê faria um documento solicitando que os pais e responsáveis assinassem e autorizassem os alunos a participarem. Posteriormente a essa reunião, no dia 26 de setembro de 2022, foi agendada uma segunda reunião extraordinária com o Prefeito e Secretários de Saúde, Educação, Assistência Social, Secretário de Governo, Representantes da Escola Estadual e Representantes do Comitê de Equidade para discutir a viabilidade de execução do espetáculo, uma vez que estava havendo muitos boicotes no processo de implementação da ação proposta. Toda a discussão  foi registrada em ata e apesar de todas as tentativas de silenciamento e boicote, o espetáculo aconteceu, dois meses depois, na manhã do dia 29 de novembro de 2022 e contou com a participação de 32 alunos com as devidas autorizações dos pais e responsáveis. Apesar da baixa participação dos alunos, participaram ao todo aproximadamente 80 pessoas, dentre alunos, professores, funcionários, membros do comitê de equidade e representantes das secretarias. O espetáculo foi idealizado e orçado para um total de 200 pessoas, a adesão foi baixa e muito se deve aos boicotes sofridos ao longo do processo. O espetáculo completo foi publicado na página oficial do instagram da secretaria municipal de saúde do município, com autorização da companhia de teatro e essa decisão foi tomada para que o comitê de equidade fosse resguardado de quaisquer acusações de doutrinação ideológica, e também para que aqueles que sentissem dúvidas que se o teatro era para o público juvenil, ou não assistissem e tirassem suas próprias conclusões. Como resultado do espetáculo foi observada ampla participação dos adolescentes e jovens, o teatro por ser interativo aguçou o interesse dos alunos e a equipe organizadora recebeu diversos elogios de professores, alunos e demais participantes sobre a importância da temática abordada. Apesar disso, o boicote sofrido, todas as tentativas de cercear as discussões da temática e outras questões no município contribuíram para que dois funcionários integrantes do Comitê de Equidade, homens gays e que estavam à frente da execução da proposta pedissem demissão. O Brasil é um dos países que mais mata pessoas LGBT no mundo e os índices de automutilação e suicídio entre jovens e adolescentes são alarmantes, sendo necessária a implementação de estratégias que mitiguem todas as formas de discriminação dentro das instituições e inclusive nas escolas. A utilização da arte como tentativa de abordar temas sensíveis e complexos é um bom caminho, principalmente em se tratando do público infanto-juvenil. É necessária a fortificação das redes de atenção e que haja pessoas comprometidas na defesa dos direitos e da cidadania, para que questões como a homo-lesbo-transfobia deixe de ser um problema e a institucionalização do preconceito seja combatida com voracidade.

  • Keywords
  • Diversidade; Teatro; Homo-lesbo-transfobia;
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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