INTRODUÇÃO: A doença falciforme (DF) é uma das enfermidades genéticas e hereditárias mais comuns no mundo. Decorre de uma mutação no gene que produz a hemoglobina A, originando outra, mutante, denominada hemoglobina S, de herança recessiva ¹. Essa combinação é a que se denomina anemia falciforme ¹. A DF é uma doença que historicamente teve inserção no Brasil devido ao tráfico de pessoas negras trazidas de países do continente africano como Nigéria, Gana, Congo e Senegal. Uma das teorias é de que esse teria sido uma adaptação genética que garantiria a sobrevivência em resposta a outras comorbidades. O afoiçamento das hemácias gera seu menor período de vida, enquanto uma hemácia não falcizada vive um tempo médio de 120 dias na circulação sanguínea, a hemácia falcizada tem cerca de 12 dias de vida. A gravidade clínica é variável, mas um contingente significativo de pacientes tem as formas crônica e grave da doença, exacerbada pelas chamadas “crises”. A morbidade e a mortalidade são o resultado de infecções, anemia hemolítica e de microinfartos decorrentes de uma vaso-oclusão microvascular difusa ². Assim como muitas das políticas que versam sobre saúde da população negra, os avanços sobre a DF foram impulsionados pela luta dos movimentos sociais negros. Importante destacar que o protagonismo do Movimento Negro Brasileiro que, em 1995, caminhou em Brasília-DF com a Marcha Zumbi dos Palmares: Contra o Racismo, Pela Igualdade e a Vida, inserindo dentre suas diversas pautas a questão da DF, enfrentando sua invisibilidade histórica e colocando-a pela primeira vez na pauta da política pública brasileira, que reforça o protagonismo do povo negro, mostra sua força e articulação³.O Estado Brasileiro reconhece, na Conferência de Durban em 2001, Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância promovida pela ONU contra o racismo e o ódio aos estrangeiros, o racismo; e, a partir desse momento, passa a executar ações de reparação histórica e ações afirmativas. Um desses frutos é a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que se ocupa de estabelecer estratégias de enfrentamento ao racismo, promoção de saúde da população negra e combate às práticas racistas no SUS. No ano de 2023 a DF foi incluída como de notificação compulsória pelo Ministério da Saúde, ou seja, comunicação obrigatória ao serviço de saúde em todas as instâncias.O Estado brasileiro, dentro de seu processo histórico, somado ao sistema capitalista, legitima a condição de desvantagem da população negra e a coloca em posição de desvantagem social, o que impacta no seu processo de saúde-doença. Sendo o racismo um determinante social de saúde (DSS), herança escravocrata, o corpo negro das pessoas que vivem com DF também é atravessado pelo racismo dos serviços de saíde, somado ao preconceito em relação à doença, o que expande a vulnerabilidade desses individuos. Os DSS são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. OBJETIVO: Relatar a experiência de trabalhadoras do SUS e promotoras de saúde da população negra sobre o percurso de 2022 a 2024 sobre construção de iniciativas de cuidado a pessoas que convivem com DF. DESENVOLVIMENTO: Ao longo do ano de 2022, foi criado um grupo de trabalho (GT) multiprofissional, com diversas área técnicas de Secretaria Municipal de Saúde (SMS), para elaboração do fluxo de atendimento, que tem o objetivo de instrumentalizar os profissionais de saúde da rede, sobre quais condutas seguir com os usuários que vivem com DF e para qualificar os acompanhamentos de saúde. Fruto desse trabalho foi a construção da LINHA DE CUIDADO E FLUXO DE ATENDIMENTO: DOENÇA FALCIFORME, a linha de cuidado é um trabalho escrito a muitas mãos, uma vez que a DF atravessa várias esferas da saúde. Ainda dentro da perspectiva de cuidado a pessoas com DF, a gestora da AT de saúde da população negra, Gisele Gomes, idealizou o projeto intitulado “PROJETO MEIA LUA”, com o objetivo de ser uma ferramenta terapêutica/socialização. O projeto Meia Lua foi estabelecido como uma proposta de espaço de arte com geração de renda solidária e recebe esse nome devido à similaridade de formatos das hemácias falcizadas a uma meia lua. O espaço foi ofertado para os usuários que fizeram atendimento nas unidades de saúde e que residem no município de Porto Alegre. A dor na DF é um gatilho para desencadeamento de crises, o que compromete a qualidade de vida do usuário e limita suas possibilidades de ser/estar no mundo. A captação dos usuários foi realizada por meio telefônico e via grupos de aplicativo de mensagem da Associação Gaúcha de Anemia Falciforme (AGAFAL), sendo seu público-alvo pessoas que vivem com DF e seus cuidadores. Em agosto de 2022, foi promovido pela área técnica de saúde da população negra um “Dia D”, para cadastramento e atualização do cadastro dos dados dos usuários que convivem com DF no município. O monitoramento dos usuários já cadastrados na listagem da área técnica é realizado semestralmente. Com isso, foi possível divulgar para alguns o “Dia D”. Nesse contato, já foi possível perceber a vulnerabilidade social em que se encontravam alguns usuários; muitos referiram não ter condições financeiras para realizar o deslocamento até a SMS; dificuldades em conseguir manter o uso das medicações; recebemos solicitações de orientações em relação a benefícios sociais; a maioria das falas versavam sobre carência de alguma proteção social.Sendo majoritariamente pessoas negras, isso expõe a desproteção social dessa população.CONSIDERAÇÕES: A DF é uma doença com fisiopatologia e tratamento conhecidos pela medicina, mas ainda assim enfrenta o desconhecimento de grande parte dos profissionais de saúde. Todas as atividades realizadas pela área técnica têm em comum a pretensão de qualificar a produção de cuidado e oferecer espaço de instrumentalização aos profissionais de saúde para oferecer uma assistência integral e universal, investindo em tecnologias leves como ferramenta de produção de cuidado.Profissionais da assistência são promotores de saúde, que deveriam estimular a autonomia do usuário do sistema de saúde para o manejo do seu autocuidado, a partir do compartilhamento de saberes sobre a doença. RESULTADOS: O produto de todos esses esforços é colocar luz sob a assistência e oferecer suporte aos usuário com cuidado equânime seguindo as diretrizes da PNSIPN.