Este trabalho faz parte do ComVida: Projeto Integrado de Estratégias Territoriais de Promoção e Educação em Saúde, que tem como objetivo Compreender e fomentar a participação social e as iniciativas de produção de saúde e de vida no território, sistematizando-as em uma perspectiva interseccional como educação permanente no enfrentamento à Covid-19, às iniquidades e às violências, intensificadas pela pandemia.
Percebe-se, que o isolamento social teve diversas consequências em diferentes aspectos da vida das pessoas e da sociedade como um todo. Algumas das mais comuns foram: o aumento significativo dos problemas de saúde mental, sentimentos de solidão, tristeza e isolamento emocional, aumento da violência doméstica. Exacerbou as desigualdades existentes na sociedade, onde grupos marginalizados e de baixa renda foram particularmente afetados devido à falta de acesso a recursos adequados, incluindo cuidados de saúde, educação e apoio econômico.
O Projeto ComVida, propôs como uma das camadas de investigação-intervenção a Estação ComVida Cidadã, um espaço que concentra formações oferecidas para os atores estatais e atores sociais, na lógica da Educação Permanente, baseada nas situações reais e demandas locais. Também se configura como um espaço de compartilhamento de experiências, no enfrentamento à violência, à vulnerabilidade econômica, alimentar e garantia dos direitos humanos. Uma das estratégias encontradas para fazer acontecer a Estação ComVida Cidadã, foi estabelecer conexões com uma das Bibliotecas Comunitárias da rede Beabah, em uma sinergia de ações. As bibliotecas comunitárias se mostraram agentes de suporte às comunidades onde estão inseridas e mostram potencial para mitigar as consequências da pandemia de covid-19.
Durante o período crítico, momento em que não havia possibilidade de abrirem as portas para mediações de leitura, empréstimos e tantas outras atividades culturais; se fizeram presentes doando cestas básicas, roupas, entrega de refeições e ações culturais virtuais. Se mostraram um meio de compartilhamento, mesmo nos momentos difíceis. Com a retomada das atividades no ano de 2022, as bibliotecas comunitárias se depararam com um novo cenário. Onde as relações com serviços de assistência, saúde e escolas passaram a ser retomadas e seus interagentes, pessoas que fazem uso das bibliotecas comunitárias, agentes transformadores do espaço, chegando com novas demandas. As comunidades se depararam com consequências do isolamento social e as bibliotecas comunitárias, por serem espaços de acolhimento, se tornaram ainda mais essenciais na retomada da vida cotidiana, do convívio social e na busca por qualidade de vida das populações periféricas.
Durante o ano de 2021, o trabalho presencial foi interno, com algumas intervenções junto à comunidade. Na segunda metade de 2022, iniciou-se a retomada dos empréstimos, mediações de leitura, ações socioculturais das mais diversas, um trabalho de muitas conexões, em um espaço de escuta, afeto e acolhimento. A partir das práticas realizadas em outros territórios, trouxemos a experiência para o IFRS – Campus Alvorada, localizado em uma região periférica de alta vulnerabilidade social, com a Biblioteca Comunitária 11 de Abril, projeto que busca difundir o livro, a leitura e a literatura, como processos de arte e cultura. Nas bibliotecas comunitárias, algumas práticas se assemelham, como a mediações de leitura, que ao trabalhar obras de autoras e autores negros, LGBTQIAP+, periféricos e de diferentes origens, proporcionam um sentimento de reconhecimento e pertencimento aos interagentes, empoderando-os para contar suas próprias histórias a partir do uso de diários, com diferentes propostas para cada grupo de trabalho, incentivando a escrita das próprias histórias, ampliando perspectivas e elevando a autoestima de forma coletiva.
Ao aproximar a literatura da realidade dos indivíduos e proporcionar acesso ao livro, à leitura e à literatura, as bibliotecas comunitárias ampliam perspectivas, elevam a autoestima e promovem a inclusão social. Através dessas ações, as bibliotecas comunitárias movimentam a estrutura social, incentivando a educação popular, a alfabetização de adultos e idosos e o empoderamento de grupos marginalizados.
A biblioteca comunitária demonstra o potencial transformador desses espaços. Através de práticas de educação popular, mediação de leitura, encontro com o autor, divulgação de autores periféricos, além de parcerias com redes intersetoriais demonstram ser dispositivos que promovem saúde (no seu conceito ampliado), possibilitando a inclusão social e o fortalecimento das comunidades locais. Este projeto de pesquisa ainda está em andamento, mas já se percebe que as práticas realizadas através da ação da biblioteca comunitária contribuirão para fomentar a participação social e as iniciativas de produção de saúde e de vida no território.
O projeto demonstrou ser uma potente forma de difusão da cultura literária, ao deixarmos os livros disponíveis ao público, sem controle físico, criando um ambiente acolhedor e convidativo à exploração literária, à curiosidade e ao interesse pelo livro, leitura e literatura, se faz natural, algo que podemos notar com pouco tempo de observação de interação das comunidades interna e externa com o ambiente criado.
A mediação de leitura, que conectamos com outros projetos, como o Empoderamento através da leitura e escrita, com encontros que envolvem mediação de leitura, oficina para confecção de Diários de Memórias e encontro com escritores, apresentamos ao público escritoras negras, periféricas e muita história para contar, desenvolvendo assim, reconhecimento e pertencimento para com o mundo do livro, da leitura, da literatura e da escrita. Durante a oficina para confecção dos Diários, feitos a partir da encadernação artesanal, diversos relatos foram sendo feitos pelos participantes. Aqui trago dois momentos marcantes, o primeiro de uma senhora, que durante o processo relatou ter esquecido, após um AVC, que quando a neta nasceu começou a escrever para ela, contando os encantamentos que ela trazia à vida da avó, memória que voltou durante a oficina. O segundo deixou-nos com uma inquietação social, uma outra participante chateada ao não conseguir realizar a encadernação, traz a seguinte frase “Eu sou só uma diarista, não vou fazer isso de novo, vou guardar de recordação”. Não nos demos conta de que a motivação para aquela atividade não tinha ficado nítida a todos, nenhuma das pessoas ali “é só” algo, todas têm muito para contar. É a partir do empoderamento pela leitura e escrita que podemos proporcionar reconhecimento da própria história e da potência individual de cada um.
À medida que a biblioteca mantém suas estantes e corações para a comunidade, ela nos lembra do potencial inexplorado que reside em cada um. Através do acesso livre à literatura, da valorização das histórias pessoais e do reconhecimento da singularidade de cada indivíduo, transcende as páginas dos livros e enriquece a vida de todos que cruzam seu caminho. A lição fundamental é clara: somos todos mais do que "apenas" algo e nossas palavras têm o poder de inspirar, conectar e empoderar. Sendo um farol de luz literária, guiando-nos para um mundo onde todas as histórias são valorizadas e todas as vozes são ouvidas. O projeto é um exemplo de como as bibliotecas e a promoção da leitura podem ir além do fornecimento de livros e se tornar um meio poderoso de enriquecer vidas, promovendo inclusão, diversidade, empoderamento, atuando como ferramenta de promoção da saúde de acordo com a definição de saúde da OMS como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.