O papel da humanização no processo formativo de discentes da área da saúde: Um relato de vivência do projeto VERSUS

  • Author
  • Antonia Lorrane Farias Mendes
  • Co-authors
  • Ana Suelen Pedroza Cavalcante
  • Abstract
  • APRESENTAÇÃO

     A Política Nacional de Humanização (PNH) visa efetivar os princípios do Sistema Único Saúde (SUS) no cotidiano do trabalho de profissionais da saúde e gestores por meio dos preceitos da transversalidade, indissociabilidade entre atenção e gestão e protagonismo dos sujeitos. 

    A humanização é o reflexo da valorização dos usuários e dos trabalhadores, considerando sua autonomia, sua cultura, valores e modo de viver, de modo a construir vínculos solidários com os sujeitos, e fazê-los capazes de transformar a realidade em que vivem através da participação coletiva nos processos de gestão e construção da saúde. 

    Entretanto, quando volta-se o olhar para os cursos de graduação da saúde, a humanização é posta como secundária durante o processo formativo, nessa lógica é fundamental fomentar ainda na graduação, experiências que auxiliem no processo de humanização da atuação de futuros profissionais do SUS, para que assim seja possível formar profissionais comprometidos não apenas com os princípios do SUS, mas também com os valores que voltam sua atenção para o usuário, coletividade e gestão em saúde coletiva e co responsável. 

    Neste sentido, são necessárias ações formativas que colaborem para o desenvolvimento de competências de humanização. Destaca-se o Projeto de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VERSUS) como uma importante estratégia de humanização da formação em saúde, contribuindo para as relações dos usuários com os trabalhadores e dos trabalhadores com seus próprios pares, a partir do estímulo a Educação Interprofissional em Saúde e a Educação Popular em Saúde.

    Assim, o objetivo deste estudo é descrever as vivências realizadas nas redes de atenção à saúde da cidade de São Gonçalo do Amarante/RN, por meio do Projeto de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VERSUS-potiguar). 

     

    DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

    Trata-se de um relato de experiência desenvolvido por uma acadêmica do curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE) a partir de vivências nas redes de atenção à saúde da cidade de São Gonçalo do Amarante/RN por meio do projeto VERSUS-Potiguar.

     As vivências ocorreram no período de 29 de janeiro a 03 de fevereiro de 2024, em coletivo com estudantes, profissionais e gestores das diversas áreas da saúde, como, psicologia, nutrição, serviço social e odontologia, ao longo dos seis dias de vivência foram realizadas visitas aos serviços de saúde dentro dos níveis de atenção primária, secundária e terciária de todo o município em zona urbana e rural, além de visitas a locais estratégicos do território, como comunidades indígenas e santuários religiosos, de modo a contribuir para as percepções acerca dos determinantes de saúde no município.

     

    RESULTADOS

    As vivências iniciaram com a recepção dos graduandos na escola técnica de ensino médio Dr Ruy Pereira dos Santos, em que ficaram alojados durante as vivências. Em seguida, iniciou-se um passeio cultural pela cidade guiado pelo secretário de cultura municipal, para que assim fosse possível conhecer as características  do território.

    No segundo dia de vivência iniciaram as visitas aos serviços, primeiramente na atenção primária do município. Os viventes conheceram Unidades Básicas de Saúde (UBS) na zona urbana e rural,  proporcionando uma compreensão acerca das diferenças de cada território e as particularidades na atuação profissional, bem como as disparidades estruturais e nos determinantes sociais da saúde no campo e na cidade.  

    Ao decorrer dos dias as visitas se seguiram pelos demais níveis de atenção à saúde, desde o secundário ao visitar o Centro de Atenção Psicossocial Municipal (Caps), até o terciário pelas visitas realizadas em dois  Hospitais, um no município e outro na capital do Estado.

    Além do mais, foi realizada uma  visita à comunidade indigena Tapará, na qual os moradores locais compartilharam seus saberes tradicionais, cultura da da etnia e seu histórico de lutas em busca da demarcação de suas terras. Também foi possível conhecer a horta comunitária de onde são retirados parte das ervas medicinais usadas pelos moradores. Por meio dessa visita, foi possível identificar as nuances dos determinantes da saúde dentro de um mesmo território, e a necessidade de fazer uso dos princípios do humanizaSUS como ferramenta de construção de protagonismo para todos os povos.

    Ademais, os viventes contribuíram junto a Secretaria Estadual de Saúde para a construção da Política de Saúde Mental do estado do Rio Grande do Norte, por meio de rodas de conversa mediadas por um membro da Secretaria de Saúde Estadual, nas quais os viventes junto aos gestores municipais, profissionais dos serviços e usuários debateram acerca dos fluxos, protocolos e indicadores necessários ao funcionamento adequado dos serviços de saúde mental do estado, além de estabelecer um debate sólido sobre as fragilidades da rede de atenção psicossocial, de modo a evidenciar o papel fundamental da corresponsabilidade, coletividade e transversalidade na construção e gestão da saúde.

    Cabe ressaltar ainda, o VERSUS como instrumento de fomento para quebrar com as barreiras impostas pelas quatro paredes da universidade, e  paralelamente romper com a estrutura hegemônica de uma formação médica baseado no tecnicismo e no modelo biomédico, pois o contato com a realidade do usuário, suas fragilidades, vulnerabilidades, dores, alegrias e sofrimentos, sensibilizou os viventes de modo a contribuir para uma visão integral dos sujeitos, que vai além de uma doença, sintomas e diagnóstico, mas também instigou-os a construírem-se enquanto futuros profissionais que lutam tanto pelo protagonismo dos sujeitos no processo de cuidado de si e dos seus pares, quanto na construção da saúde coletiva humanizada em qualquer nível de atenção.

    Portanto, mesmo diante da elitização dos cursos de Medicina no Brasil,  da predominância do tecnicismo  ainda presente na matriz curricular, do incentivo à atuação profissional no setor privado, da desvalorização do cuidado integral ainda na graduação e da descriminação dentro e fora da categoria daqueles que escolhem lutar por um SUS e por uma sociedade mais justa e para todos, experiências como o VERSUS colaboram para a construção de uma formação médica junto do povo, com o objetivo de formar profissionais para olhar além da doença.

    A partir disso, verifica-se-se a necessidade de ir além do conhecimento teórico da PNH e seus princípios, para formar profissionais comprometidos com a autonomia do sujeito bem como protagonismo do usuário no processo saúde-doença, para que assim o trabalhador da saúde e os usuários sejam ambos responsáveis por decisões coletivas que constroem a saúde no território.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A vivência proporcionou aprendizados para além do funcionamento e estruturação dos serviços. Foi possível compreender como muitas vezes o usuário não é colocado no centro do cuidado e das decisões pois é visto como passivo frente a responsabilidade do cuidado. Mesmo a PNH prevendo a transversalidade da humanização nos serviços de atenção secundária e terciária essa característica ainda é incipiente, uma vez que existem diversas barreiras implantadas pelo tecnicismo a serem rompidas.

    Para isso, é necessário que a matriz curricular dos cursos de graduação na área da saúde, principalmente na graduação em Medicina, sejam repensadas de modo a incluir mais disciplinas voltadas ao SUS, ao estudo dos seus princípios e políticas que o constroem, como a PNH, bem como o fomento das universidades de experiências extensionistas que estejam alinhadas com os territórios e suas comunidades.

     

  • Keywords
  • Humanização, Saúde coletiva, Medicina, VERSUS, Graduação.
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
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