Apresentação: A temática do abortamento possui em seu âmago a estigmatização e a invisibilização como fatores prejudiciais ao reconhecimento dos serviços de referência em abortamento legal para a manutenção social no que tange aos direitos da saúde reprodutiva como um direito do gênero. O Programa de Atendimento à Vítima de Violência Sexual (PAVÍVIS) é um projeto de extensão vinculada à Universidade Federal do Espírito Santo, criado para o acompanhamento médico, laboratorial e psicossocial a adolescentes e adultos em situação de violência sexual, oferecido no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (HUCAM), uma instituição pública de referência na área da saúde. Desenvolvimento: Historicamente, a luta pelo aborto legal é permeada por uma série de desafios e criminalizações. Com a pandemia mundial de Covid- 19 instaurada em 2020, as mulheres se viram ainda mais vulneráveis. Após os primeiros casos de coronavírus, a medida de lockdown foi adotada no Espírito Santo a partir do dia 28 de março de 2020. Considerando a data como um marco dificultador do acesso ao serviço de abortamento, são analisadas no presente estudo as solicitações de interrupção legal de gestação registradas no período entre 28/03/2020 a 28/03/2021. Resultados: No período supracitado, 34 gestantes vítimas de estupro, incluindo de vulnerável, foram atendidas. Acolhidas amplamente pela equipe multidisciplinar do PAVÍVIS, cada paciente recebeu um acompanhamento singular realizado antes, durante e depois da solicitação de abortamento legal. Ao lançar olhar sobre os dados do Relatório Anual de 2020 e 2021, que contém documentado as solicitações demandadas, é possível analisar o perfil da mulher em situação de violência durante o recorte da pandemia. Com idade média de 24,4 anos, a maioria é moradora de Vitória, capital do Espírito Santo, onde se localiza o Programa. A demanda espontânea foi a maior porta de entrada, quando a paciente procura o Programa, representando 41,18% dos casos, também contendo encaminhamentos da Defensoria Pública, do Departamento Médico Legal (DML), da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, entre outros. O principal achado da análise das solicitações de aborto legal nos primeiros 12 meses da pandemia de covid-19 diz respeito ao fato de que 52,94% das pacientes foram violentadas sexualmente por agressores conhecidos, como padrastos, namorados, familiares e ex-cônjuges, evidenciando o contexto de insegurança experenciado por mais da metade das pacientes. Considerações finais: É necessário encarar a discussão dos direitos reprodutivos como urgente, tratando-a como uma questão de saúde pública, compreendendo o aborto legal como uma dívida democrática às mulheres e o seu cerceamento como uma narrativa de violência contra a mulher. O estudo reforça a importância da manutenção e ampliação dos serviços de apoio e atendimento às vítimas de violência sexual como reconhecimento da necessidade fundamental para a garantia do abortamento legal, dos direitos reprodutivos e a proteção da saúde das mulheres, destacando-se como uma prioridade na luta contra a violência de gênero.