INTRODUÇÃO A educação popular em saúde é um dos referenciais basilares para a construção da gestão participativa do cuidado, assim como do Sistema Único de Saúde (SUS), consolidada com a aprovação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEP-SUS) em 2013. Esta política é orientada pelos seguintes princípios: diálogo, amorosidade, problematização, construção compartilhada do conhecimento, emancipação e compromisso com a construção do projeto democrático e popular. A PNEP-SUS reafirma o compromisso com os princípios e diretrizes do SUS e promove a construção coletiva de saberes em saúde, beneficiando a comunidade ao facilitar o acesso à informação adequada e colaborar para a autonomia e protagonismo dos cidadãos. Entretanto, na graduação em Medicina, a educação popular em saúde muitas vezes não é vista como uma ferramenta de promoção da saúde nos territórios e seu papel é colocado como secundário ou até mesmo a parte da determinação social do processo saúde-doença, uma vez que majoritariamente ainda predomina um modelo de educação tradicional e tecnicista. Nesse sentido, é crucial fomentar experiências comunitárias e sociais nos mais diversos territórios desde a graduação, por meio de uma abordagem educativa orientada a formar profissionais comprometidos com a justiça social e equidade no SUS, assim como com a valorização do saber popular no processo de cuidado dos usuários. OBJETIVO Descrever as vivências realizadas no Assentamento Rural Palmares de construção e execução de atividades de educação em saúde considerando os princípios da educação popular. METODOLOGIA Trata-se de um relato de experiência desenvolvido por acadêmicos e docentes do curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE/FAEC), sobre as vivências relacionadas à construção e à execução de ações de educação popular em saúde no Assentamento Rural Palmares do município de Crateús-Ce, ocorridas no mês de abril e maio do ano de 2024, como parte da disciplina de educação em saúde. As ações, baseadas em orientações para melhoria da qualidade de vida, tiveram como temas: reforma agrária e o direito à saúde, saúde mental e promoção da saúde. Essas ações foram realizadas com as moradoras e os moradores, adultos e idosos, do referido Assentamento. A coleta de dados foi realizada por meio de observação simples e diário de campo. RESULTADOS E DISCUSSÕES As vivências no Assentamento Palmares possibilitaram o entendimento da relevância da promoção da educação popular em saúde na comunidade, sobretudo nas mais interioranas, com localização remota em relação aos centros urbanos e com acesso difícil aos serviços de saúde, principalmente às Unidades Básicas de Saúde (UBS). Estimula-se, assim, o reconhecimento dos saberes populares a partir de sua inclusão na formação do curso de Medicina, uma vez que a valorização desses saberes fortalece a relação médico-paciente e colabora para o aumento da resolutividade do cuidado. A partir das experiências, os estudantes puderam participar de forma dialógica e integrada das rodas de conversas sobre o movimento sem terra, discussões acerca da utilização de técnicas da medicina tradicional, as consequências advindas do uso de agrotóxicos e a importância de uma alimentação natural e orgânica. Além disso, participaram da atividade de instrução de medicina preventiva no assentamento voltada para cuidados em saúde relacionados a diabetes e hipertensão. De forma prática, atuaram na aferição de pressão arterial, medição de glicemia e oximetria da população local, no intuito de contribuir para o acesso à saúde da população. Ademais foram realizadas visitas aos quintais produtivos dos moradores locais, nos quais os estudantes puderam conhecer as espécies de plantas frutíferas e medicinais cultivadas e o modo como são usadas na alimentação e no tratamento de doenças pela comunidade, bem como a dinâmica de cuidado desses espaços para que possam ser livres de quaisquer contaminantes, como agrotóxicos, fertilizantes sintéticos e lixo. A produção nesses quintais não apenas sustenta os moradores, mas também é comercializada em feiras e mercados locais. Além do mais, as visitas aos quintais incitaram o debate acerca de práticas não sustentáveis que são realizadas em comunidades vizinhas que impactam diretamente os moradores e modo de vida agroecológico prezado pela comunidade, como o uso de inseticidas e pesticidas em lavouras de milho e feijão que acabam contaminando o açude, que abastece as famílias do assentamento, em razão do escoamento de córregos e rios perenes. Notou-se que o vínculo Comunidade-Atenção Primária de Saúde deve ser intensificado, contudo, alguns pontos precisam ser reavaliados, visto que, fatores como a distância do assentamento à UBS mais próxima e a baixa frequência de visitas domiciliares da equipe multiprofissional da localidade compromete o atendimento regular dos moradores e distancia a população do serviço público de saúde. Adicionalmente, houve uma roda de conversa sobre saúde mental no campo, mediada por profissionais psicólogos, na qual os moradores compartilharam suas percepções sobre saúde mental e os desafios que enfrentam na comunidade e na vida do campo. Essa conversa foi fundamental para superar os estigmas dos moradores do assentamento relacionados à saúde mental. A interação da população com esse debate trouxe reflexões acerca do preconceito e da necessidade de abordar assuntos como, ansiedade, depressão e síndrome do pânico, enfatizando que essas não são questões insignificantes e que é importante buscar ajuda profissional. Além disso, houve momentos de convivência com a comunidade, onde ocorreram partilhas de alimentos regionais, danças e música, fortalecendo os laços da comunidade e promovendo um ambiente de acolhimento e integração. A visita ao Assentamento Palmares contribuiu fortemente para que, desde o início da formação, os estudantes de Medicina estivessem em contato com realidades ímpares como a de comunidades mais isoladas, de modo a vivenciarem a realidade do SUS e da população da região em que estão dando seguimento a sua formação. Essa experiência incita e mobiliza os futuros médicos a trabalharem em prol da população, de forma conjunta, com consciência crítica, ética e política. CONCLUSÃO A experiência possibilitou aos estudantes a compreensão do conceito ampliado de saúde, bem como a singularidade da prática de saúde no território especificado. A troca de saberes durante as atividades práticas contribuiu para o aprendizado dos estudantes de Medicina, a partir do compartilhamento de conhecimentos com a população, sendo fundamental para enfrentar os desafios de saúde no campo. Essa vivência reforça a necessidade de profissionais e estudantes da saúde reconhecerem os fatores sociais, econômicos e culturais dos usuários, visando à efetivação do cuidado, promovendo uma abordagem mais humanizada, integral, eficaz e centrada no paciente. Neste sentido, salienta-se a importância do estímulo à integração ensino-serviço-comunidade nas matrizes curriculares dos cursos de Medicina do país.