O presente resumo é um fragmento da dissertação de mestrado intitulada “Tá normal! Tá normal! A saúde chegou”: Etnografia da atuação do Consultório na Rua de Belo Horizonte nas Cenas de Uso. Durante a pesquisa foram realizadas entrevistas com os trabalhadores das equipes Consultório na Rua (eCR), neste sentido, um aspecto marcante na análise das entrevistas foi o olhar de uma trabalhadora sobre o espaço físico do Parque Guilherme Lage, local público da cidade que abriga uma cena pública de uso de drogas atendida pela eCR. A trabalhadora relatou que a eCR utilizava a “entrada principal” para facilitar o acesso às pessoas em situação de rua (PSR) e ofertar os atendimentos em saúde, mas, devido o cenário epidemiológico causado pela Covid-19, a “entrada principal” foi fechada por uma tela, dificultando o acesso da equipe aos usuários atendidos. Os usuários, então, abriram uma fresta na tela instalada pela prefeitura na “entrada principal”, por onde entravam e saiam da cena de uso. Diante disso, a equipe passou a utilizar outro local, por uma “entrada lateral”, que segundo a trabalhadora, havia um acesso dificultado e a equipe precisava entrar com a van, pois ficava um pouco distante da cena de uso onde os usuários permaneciam. Me perguntei o porquê de a trabalhadora inverter a lógica, já que o local nomeado como “entrada lateral” por onde tinham acesso com a van é a entrada principal do parque, a única portaria existente, sinalizada por uma placa institucional da prefeitura. Já a entrada nomeada por ela como a “entrada principal”, sempre foi um pequeno portão quebrado nos fundos do parque - entretanto, era o local mais próximo da cena de uso atendida pela eCR. Percebe-se que o olhar estava tão centrado nos usuários, que extrapolou as delimitações institucionalizadas pela prefeitura, e o saber do profissional de saúde passou a ser guiado pelos sujeitos que a eCR atendia. Esse relato me remeteu à lógica do usuário-guia, concepção que coloca o usuário da política pública no centro da produção do saber. Nessa perspectiva, os pesquisadores são levados pelo usuário, percorrem os seus caminhos, assumindo a posição de usuário-guia. Considerando que a interação do cuidado só é possível quando o usuário está na centralidade desse processo, é possível transpor a lógica usuário-guia para a perspectiva do cuidado em saúde, associando-o, também, à Redução de Danos como ética de cuidado centrada no sujeito, de forma que tais estratégias se revelam como potentes instrumentos de cuidado. Desse modo, permitir ser guiado pelo usuário pode trazer outras perspectivas para o profissional de saúde, podendo gerar novas e múltiplas possibilidades de construção de cuidado que são singulares para o sujeito acompanhado. Isso pode contribuir para assegurar sua autonomia, promover a equidade, além de aprimorar a condução técnica do trabalhador, que é deslocado do centro do saber nessa relação.