O Programa Bolsa Família e a saúde das mulheres responsáveis pelo recebimento do benefício: uma perspectiva de gênero

  • Author
  • Luciano Fiorentin
  • Co-authors
  • Daiana Cristina Wickert
  • Abstract
  • Introdução: a pobreza é uma das condições que mais vulnerabiliza o ser humano. Em 2021, quase 30% da população brasileira encontrava-se na condição de pobreza ou extrema pobreza, conforme índices do Banco Mundial. A pobreza também revela a persistente desigualdade de gênero relacionada ao trabalho e à renda. O salário pelo mesmo trabalho é quase 7% menor entre as mulheres em relação aos homens, e quando há recuo nos rendimentos, as maiores proporções de perdas são prevalentes entre as mulheres. Em busca de minimizar essa lacuna existente na sociedade e, oportunizar minimamente condições das famílias pobres a superarem essa condição, o governo brasileiro dispõe do Programa Bolsa Família (PBF), considerado uma das maiores políticas públicas de transferência de renda. O principal objetivo do Programa é o combate à pobreza e a desigualdade social, o qual cumpre seu papel para ser exemplo mundial dentre as estratégias de combate à fome e melhora das condições de vida das famílias em situação de vulnerabilidade. Algumas características do PBF são destaque quando se relaciona às questões de gênero. A mulher tem prioridade para ser responsável no recebimento do benefício. Além de seus efeitos econômicos, os impactos do programa abrangem outras dimensões, como a saúde da mulher, especialmente sob a perspectiva de gênero. Dessa forma, esse estudo tem como objetivo, refletir sobre o PBF e a influência da saúde feminina e destacar a importância de políticas públicas que considerem as especificidades e desigualdades de gênero. Método: Este estudo é um ensaio teórico do tipo reflexivo, sobre a saúde das mulheres de baixa renda, pertencentes ao Programa Bolsa Família, considerando a perspectiva de gênero. As bases de sustentação teórica que descrevem o PBF são estudos encontrados na literatura que tratam da saúde da mulher e suas relações com as perspectivas de gênero. As referências utilizadas foram escolhidas por se tratarem de clássicos e por não ser uma revisão de literatura, não foram aplicados critérios de inclusão ou exclusão para os estudos utilizados para reflexão. A análise das discussões tem como ponto de partida as questões de gênero, a priorização das mulheres no recebimento do benefício do PBF e as repercussões que a mesma representa na saúde da mulher na perspectiva de gênero. Resultados: primeiramente, é importante compreender a formulação originária que se emprega a terminologia de gênero e sua aplicabilidade no contexto da saúde. Conforme o descrito por Rita Barradas Barata (2012), a aplicação do significado de gênero depende do campo em que se é contextualizado. De maneira geral, gênero se refere ao conjunto de seres ou objetos que possuem característica ou particularidades similares, e devido a isso, torna-se passível de categorização. Na área da saúde, o termo gênero é utilizado para categorizar os grupos que apresentam características próprias, comportamentos sociais e para diferenciar o masculino e feminino, além de dar ênfase nas relações sociais existentes entre ambos e suas implicações, capazes de influenciar no estado da saúde. A busca por uma organização social, onde estereótipos são estabelecidos, para justificar culturalmente os papeis de gênero, parece favorecer a existência das desigualdades existentes na sociedade nas relações entre homens e mulheres. Para estabelecer relações entre um programa de distribuição de renda com a  saúde da mulher na perspectiva de gênero, precisamos destacar que nossa sociedade ainda carrega a histórica desigualdade de gênero. Ao imergir nas condições socioeconômicas, caracterizada pela pobreza, as desigualdades tornam-se ainda mais exacerbadas. Embora não seja um objetivo direto, ao direcionar a priorização para o recebimento do benefício financeiro, o PBF contribui para abertura das discussões que envolvem o empoderamento e as relações de gênero na sociedade. O direito  atribuído à mulher de gerenciar os recursos do benefício do Bolsa Família, aumentou sua capacidade de tomada de decisões no âmbito doméstico e a percepção da existência de uma renda mensal reduziu a insegurança financeira, tornando a mulher menos dependente de seus parceiros. No contraponto, esse fato pode remeter a um efeito negativo quando se refere às questões de gênero. Esse viés pode reforçar os papeis tradicionais de gênero e pode atribuir maior peso nas responsabilidades de prover para a família. A melhora da saúde da mulher com o benefício do PBF é uma agregação que a renda contribui, mas nesse caso, está muito mais vinculado às condicionalidades que o programa exige, e que permite o estímulo do início do pré-natal precoce, vacinação infantil e combate à desnutrição e obesidade, principalmente infantil. A autonomia da mulher em gerir os recursos do PBF, ainda que esses sejam modestos, minimiza a pressão psicológica da insegurança financeira resultante de uma sociedade capitalista. Dentro do lar, a autonomia da mulher passou a permitir tomadas de decisões que antes eram atribuídas ao homem, e passou a exercer influência positiva nas relações de gênero. Por outro lado, em alguns casos, quando as condicionalidades do programa sobrecarregam a mulher com a dupla jornada de trabalho (casa e emprego) o efeito sobre a saúde da mulher para ser comprometida. Assim, da mesma forma em que pesquisadores buscam relacionar positivamente a priorização das mulheres em receber o benefício do PBF como um avanço na redução da desigualdade de gênero e melhora na saúde da mulher por meio da autonomia e empoderamento e poder decisório sobre os gastos financeiros da família, estudos também concluem que o PBF é insuficiente para promover mudanças estruturais relacionadas à equidade de gênero e as relações com a saúde da mulher. Deve ser ampliado o campo de discussões sobre quais influências o PBF exerce sobre a equidade de gênero. Essa atribuição de gestora do benefício do Bolsa Família contribui na redução das desigualdades de gênero, ou ao contrário, fortalece os estereótipos sociais tradicionais sobre os papéis e valores atribuídos socialmente sobre relações entre homens e mulheres? Não se pode deixar de considerar a forte tendência da associação da figura da mulher, enquanto prioritária em receber o benefício do PBF, a capacidade de cuidado e proteção familiar, fragilizando a ação pró igualdade de gênero. Conclusão: O programa PBF contribui para o desenvolvimento da autonomia, favorece o empoderamento e contribui para saúde da mulher, especialmente na saúde reprodutiva, acesso facilitado ao pré-natal precoce e vacinação infantil. No entanto, são necessárias políticas complementares voltadas à promoção sociocultural que despertem para a equidade de gênero. Com a renda do PBF não é possível superar a condição de pobreza, e as desigualdades de gênero. Somente por meio de uma abordagem integrada e sensível às questões de gênero será possível alcançar uma transformação duradoura na saúde e no bem-estar das mulheres beneficiárias do PBF. Ainda, a associação da mulher como responsável pelo benefício do PBF pode fragilizar a ação pró-igualdade de gênero, depositando mais responsabilidade sobre ela com poucos recursos.

  • Keywords
  • Saúde da Mulher, Saúde Pública, Renda.
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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