Apresentação
O objetivo deste resumo expandido é apresentar a pesquisa intitulada “Medicalização no ensino superior: um estudo com universitários” iniciada em 2022, como o objetivo compreender como tem se dado o processo de medicalização da forma de viver e ser nos cursos universitárias, em especial nas engenharias, considerando as relações líquida da vida contemporânea que se pautam na competição, rapidez e performance. Obteve-se a participação de 15,2% dos matriculados nesta pesquisa com universitários de dez cursos da área tecnológica, sendo nove cursos de engenharia e um de ciências e tecnologia, de dois campi, de uma universidade federal da Região Sul do Brasil
A medicalização da vida é um processo sócio-histórico, multidimensional que se agrava ao longo do tempo, em destaque a alta competitividade nos ambientes profissionais. A medicalização da vida é um fenômeno cada dia mais estudado, pois o acesso facilitado a fármacos, surge como resposta rápida. A universidade é reflexo de sua sociedade, sendo assim, as mazelas sociais também encontro na universidade espaço para se expressar. No ambiente universitário a medicalização tem sido a resposta de estudantes e profissionais aos conflitos cotidianos e às angústias de um ambiente competitivo, ansiógeno e onde os sujeitos são levados a testar seus limites cognitivos e emocionais.
Desenvolvimento do trabalho
A pesquisa contempla três etapas, sendo a primeira dela com a utilização do método de levantamento de dados por meio de questionário, na segunda fase a coleta de dados é durante grupo focal de voluntários, e na terceira fase o método de coleta de dados é através da a análise de narrativas. O presente resumo busca apresentar dados preliminares da primeira etapa que teve sua coletados em 2022/2.
A metodologia é fenomenológica, transversal e utilizou um questionário semiaberto. A pesquisa está aprovada pelo Comitê de Ética na Pesquisa no registro CAAE 51459621.9.0000.0121 (Plataforma Brasil). A pesquisa foi divulgada durante dois meses na página oficial dos campi, no e-mail institucional, Facebook, Instagram, cartazes em murais com QRCode para facilitar o acesso, visita de apresentação e convite em salas de aula.
Os dados são apresentados neste trabalho, quantitativamente, no que diz respeito ao quadro sociodemográfico do processo de medicalização entre os universitários de engenharia pesquisados, e faz-se uma análise qualitativa (interpretação/compreensão).
A partir dos aspectos investigados no questionário, caracterizou-se e discutiu-se a medicalização entre os universitários de engenharia, a partir da:
a) Utilização atual ou passada de algum tipo de medicação psiquiátrica;
b) Correlação do índice de uso de medicações entre os universitários da engenharia considerando as matrículas em cursos específicos, ano de ingresso, idade, gênero e etnia;
c) Identificação de quais e quando começaram os sintomas que motivou o tratamento medicamentoso;
d) Especificação das estratégias utilizadas antes do tratamento medicamentoso;
e) Tipificação do diagnóstico psiquiátrico;
f) Associação do tipo de medicamento utilizado, para qual fim, com qual frequência;
g) Distinção da dependência, efeitos colaterais e efeitos considerados positivos além dos esperados pela prescrição medicamentosa;
h) Indicação do juízo moral dos universitários da engenharia sobre ACF.
Inquiridos sobre as experiências pessoais com a farmacologização, obteve-se que 44,8% dos participantes, que representavam 6,87% dos matriculados nos cursos de engenharia dos campi pesquisados, em 2022/2, tomam ou já tomaram alguma medicação psiquiátrica/controlada (tarja vermelha ou preta) ou outros remédios para depressão, ansiedade, insônia, transtorno bipolar, déficit de concentração/atenção e memória ou para melhorar o desempenho em alguma atividade. Desses 26,4% estavam fazendo uso da medicação em 2022/2.
36,4% dos participantes já fizeram uso de alguma medicação para melhorar o desempenho, mas no momento não fazem mais, e quando o fizeram, visavam concentração, atenção e foco (43%), diminuir a ansiedade e agitação (18%), aumentar a disposição e energia (11%) e melhorar a memória (7%), outros (21%) como oratória, insônia, paciência, desenvolvimento pessoal, assimilação e ideação suicida.
36,1% dos participantes conhecem alguém que usa medicamentos para melhorar o desempenho universitário, conhecido como aprimoramento cognitivo farmacológico (ACF).
Entre os 26,4% que estavam fazendo uso de medicação à época da pesquisa, identificou-se que há correlação entre os índices de uso nos cursos de Engenharia Mecatrônica (24,5%), Engenharia Aeroespacial (19%), Engenharia Naval (17,5%) e Engenharia Civil de Infraestrutura (10,1%), os demais cursos estão entre 2,5% e 6,3% de uso. No que tange aos percentuais de respostas por cursos, correspondem ao curso de Engenharia Aeroespacial 23%, seguidos pelos de Engenharia Mecatrônica (16%), Engenharia Civil de Infraestrutura (12%), tendo os demais contribuído entre 5% e 9% de participantes. A distribuição dos participantes nos cursos não é homogênea, entretanto, é compatível com os matriculados em cada curso. Correspondem ao curso de Engenharia Aeroespacial 23%, seguidos pelos de Engenharia Mecatrônica (16%), Engenharia Civil de Infraestrutura (12%), tendo os demais contribuído entre 5% e 9% de participantes. A distribuição dos participantes nos cursos não é homogênea, entretanto, é compatível com os matriculados em cada curso.
Um indicador importante é o gênero, 57,53% dos universitários se autodeclaram do gênero masculino e 42,14% de do gênero feminino e apenas 0,33% se autodeclarou gênero-fluido, ou seja, apenas 1 dos 299 participantes. Entre os participantes que fazem uso de medicação (26,4% - 79 sujeitos na amostra de 299), 56% são do gênero feminino, 43% do gênero masculino e 1,3% do gênero fluído. O marcador gênero é um fator importante para o adoecimento, e/ou a competitividade exacerbada , e por consequência o uso de medicações.
Resultados
Os resultados preliminares explicitam o processo de medicalização entre os universitários dos cursos de engenharia e relacionam as características e fatores da medicalização na comunidade estudada, como o fato de que 44,8% dos participantes faziam ou já tinham feito uso de psicofármacos. Dentre os usuários, 74,7% o faziam para tratar ansiedade e 73,4% começaram a fazer uso após ingresso na universidade.
A procura por tratamento começa a partir do surgimento de sintomas como ansiedade (81%), depressão (64,6%), ataques de pânico (45,6%), aumentar a produtividade (44,3%) e melhorar a concentração (39,2%). Inicialmente procuram estratégias não medicamentosas, como a psicoterapia (53%), atividade física (41%), meditação e yoga (19%), reeducação alimentar (19%), técnicas de respiração e para dormir (10%), técnicas de concentração e controle do estresse (9%), acupuntura, arteterapia e fitoterapia (6%), técnicas de estudo e organização do cotidiano (6%) e viajar/mudar de ambiente (6%). Contudo, as cobranças pela celeridade das respostas sintomatológicas impelem os universitários à medicalização.
41,8% dos usuários, compreendendo a relação entre o sofrimento e o ambiente universitário que o desencadeou, percebendo mudanças que consideram positivas e produtivas na concentração/atenção/foco (63,64%), ansiedade (18,18%), produtividade (12,12%), memória (9,09%). Mas tais mudanças não são sem consequências, há diversos efeitos colaterais, como variações no apetite (45,5%), náuseas e problemas intestinais (39,2%), diminuição da libido (39,2%), sonolência (38%), boca seca (33%), embotamento afetivo (25,3%), tremores (24%), entre diversos outros, até, inclusive, reações cutâneas (7,6%), ideação suicida (2,5%) e candidíase (1,26%).
Considerações
Os desafios do ensino superior seja pela permanência estudantil, seja pelos desafios da formação não podem ser fatores que justifiquem o adoecimento e levem a medicalização da vida. Não se pode deixar de pensar que o ambiente educacional-acadêmico em cursos de engenharia, possa, de alguma forma, reproduzir a dinâmica da exigência por produtividade e pressões psicológicas dos ambientes comerciais-industriais e, na esteira dessa, uma visão médico-naturalista que atribui somente aos indivíduos a responsabilidade e causa de suas mazelas orgânicas e emocionais, sem considerar a complexidade das condições sociais-sanitárias deles.