No Brasil, no ano de 2024, o estado do Rio Grande do Sul está vivenciando uma das maiores tragédias climáticas do país, tragédia essa, anunciada por ambientalistas e pesquisadores climáticos que já indicavam a incidência de chuvas intensas fora do comum, sendo comunicando com semanas de antecedência a Defesa Civil Estadual e a Federal. Importante salientar que no ano anterior uma tragédia semelhante havia acontecido no estado, destruindo cidades como o Vale do Taquari.
Em Porto Alegre e região metropolitana, desde o mês de abril vivenciamos os impactos das mudanças climáticas que superam as enchentes de 1941, que segundo historiadores, haviam sido as maiores do estado até então, inundando ruas, casas e deixando muitos desabrigados.
Com mais de 70 anos depois, mesmo com todos os avisos, notícias e alertas, medidas de prevenção e proteção não foram tomadas nem pelo governador do Estado, Eduardo Leite, muito menos pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo. Assim, não evitando essa tragédia, que levou a óbito 173 pessoas e ainda possui 38 desaparecidos no Rio Grande Sul.
As pessoas desabrigadas e desalojadas foram acolhidas por abrigos destinados pelas prefeituras, por empresas privadas, universidade e até mesmo em escolas que cederam seu espaço para abrigar as vítimas.
Esse cenário fez com as Políticas Públicas como Assistência Social, Saúde, Habitação e Saúde Mental, se reinventassem e pensassem estratégias novas para intervir nessa realidade.
Importante ressaltar que no final de 2019, o governador Eduardo Leite, propôs um novo código ambiental, alterando 480 pontos do arcabouço de proteção ambiental, para facilitar de construção de barragens, além do desmonte da defesa Civil que teve apenas 50 mil reais investidos no ano de 2024 com todo os sinais apontando para essa tragédia.
Um exemplo, é a cidade de Porto Alegre, que teve o fechamento do DEP, um Departamento de Água e Esgoto, fundamental para o controle de detritos, que foram exatamente esses detritos que inundaram as regiões da Cidade! A ausência de manutenção das 14 estações de bombeamento que jogam o excesso de água das chuvas de volta ao Rio Guaíba, a falta de manutenção e o abandono das comportas de contenção do Cais Mauá, além do desmatamento de grande parte das árvores e parques da cidade, que foram privatizados para fins da especulação imobiliária. Nós, do FGSM acreditamos que a questão ambiental está diretamente relacionada e tem impactos direto na saúde da população!
Porém, o estado fez “passos de formiga” e a assim, o Fórum Gaúcho de Saúde Mental se mobilizou para apoiar as famílias que hoje são consideradas como pessoas refugiadas climáticas. Trabalhando de forma autogestionada com a disponibilização de uma escuta terapêutica através de uma plataforma online. Foi criado um grupo de trabalho chamado AcolheDor de Atenção à Crise para nortear as ações em diversas cidades e apoiar as pessoas que mais precisam neste momento. Construindo escuta e troca, não apenas para as vítimas, mas para voluntários e profissionais que estavam na linha de frente. O Fórum Gaúcho criou também na linha de cuidados, o “Acolhe RS, Eu Tô Aqui”, O Cuidado no Caminho das águas e o Chimarrão com Artesanário, este último junto com a Rede Unida. O intuito dessas ferramentas é fortalecer o cuidado e aproximar à todos diante de um cenário caótico.
Além de criar grupos de apoio, o FGSM atuou diretamente nos resgates e também nos abrigos, direcionando integrantes que estivessem mais próximos dos territórios afetados. Ao estar diretamente nos abrigos, vivenciamos no corpo o trabalho vivido em ato, as dificuldades, as complexidades e os obstáculos no trabalho voluntário. Assim, trazemos nessa escrita, através da vivência dos nossos participantes nos momentos mais críticos (resgate e abrigagem) a ausência do Estado nesses espaços, onde, em mais de um mês desde o início da tragédia, a visão dos abrigos era de voluntários exaustos e assim o esvaziamento de pessoas para acolher e dar suporte.
O voluntariado precisa ser uma expressão da solidariedade humana e não a atuação para cobrir onde temos ou deveríamos ter políticas públicas de intervenção.
Mesmo com a atuação do Fórum e muitas outras entidades revolucionárias como o Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB), Movimento dos Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, Fórum Estadual de Redução de Danos (FERD), Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) e tantos outros que estavam na linha de frente dando suporte e se colocando a salvar vidas. É dever dos movimentos sociais estar à frente das lutas, não apenas intervindo e cuidando, mas denunciando o poder público diante do caos vivenciado até o momento nas cidades afetadas pelas enchentes. A sociedade civil ocupa assim seu lugar como ampliação do estado, não como gestor público.
O papel de atuação principal deve ser do estado, não apenas no resgate ou abrigagem, mas também na reestruturação da vida de todos afetados diretamente ou indiretamente por essa calamidade. O despreparo do poder público, a inércia diante da tomada de decisão tanto na prevenção quanto na evacuação das pessoas das moradias, a precariedade de barcos e de plano de resgate para a retirada das pessoas em risco, a falta lugares adequados para acolher, a ausência de profissionais técnicos destinados para atendimento e precarização da garantia de direitos não devem ser apenas apontados como despreparo administrativo, mas sim como crime e negligência!
Continuaremos na luta pela luta ambientalista com consciência de classe, por justiça social, por um cuidado humanizado e por Políticas Públicas que possam acolher a sociedade diante de tragédias climáticas e até mesmo na prevenção dessa catástrofe!