Introdução: Os cuidados paliativos (CP) são uma abordagem holística voltada para o cuidado de pessoas com doenças que ameaçam a vida e causam sofrimento, especialmente aquelas que estão em final de vida. Essa abordagem utiliza intervenções multidisciplinares que visam o controle da dor e outros sintomas, considerando uma perspectiva multidimensional. Isso significa que são abordadas as dimensões físicas, psicoemocionais, espirituais e sociais da pessoa. Dessa forma, é essencial que o planejamento dos cuidados leve em conta seus valores, suas práticas culturais e crenças, incluindo as de sua família e/ou cuidadores.
Os CP também estão alinhados com a humanização em saúde, abrangendo desde a assistência direta prestada, até a preparação de um ambiente acolhedor e respeitoso, que prioriza os desejos e vontades da pessoa. Uma das maneiras de assegurar a humanização nesse contexto, contemplando todas as dimensões do cuidado, é por meio do acesso aos sistemas informal e popular para o cuidado, ou seja, as pessoas e práticas que são inerentes ao entorno de quem adoece e que dispõem de ações oriundas de um campo de saber muito particular, sustentado na cultura.
Nessa perspectiva, em 2006 foi instituída a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). As Práticas Integrativas e Complementares (PICS) são abordagens terapêuticas que utilizam a escuta acolhedora, o cuidado continuado e humanizado para promover um cuidado integral. Elas são empregadas na prevenção de agravos, na promoção e recuperação da saúde, e podem ser utilizadas para o alívio de sintomas, visto que consideram os aspectos físicos, emocionais, mentais e sociais dos indivíduos.
Diante disso, o objetivo deste resumo é refletir sobre a incorporação de Práticas Integrativas e complementares no cuidado à pessoa com doença que ameaça a vida a partir da política nacional de cuidados paliativos.
Metodologia: Trata-se de um ensaio teórico-reflexivo, elaborado a partir da experiência de uma acadêmica de enfermagem, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), integrante do Grupo de Estudos sobre Adoecimento e Final de Vida (GEAFI), coordenado pela segunda autora deste resumo. A acadêmica também é bolsista do projeto de extensão intitulado Práticas Integrativas e Complementares na Rede de Atenção em Saúde (PIC-RAS), coordenado pela terceira autora do resumo. Ambos os projetos são vinculados à Faculdade de Enfermagem da UFPel.
Esta reflexão foi desenvolvida através das vivências relacionadas a ambos os projetos e de leituras prévias, buscando articular a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), aprovada e publicada em maio de 2024, com as PICs. A PNCP foi resultado de diversos movimentos sociais e esforços coletivos de profissionais de saúde, usuários/pessoas e familiares. Sua criação representa um marco importante para o sistema de saúde brasileiro, pois estabelece princípios, diretrizes e objetivos para o cuidado de pessoas com necessidade de CP.
Resultados e Discussão: Para discutir sobre os CP, é fundamental contextualizar o local onde eles predominam, ou seja, o hospital. Os hospitais desempenham um papel crucial no controle dos sintomas que não podem ser gerenciados em outros níveis de atenção, por isso é importante refletir sobre o número significativo de pessoas em CP nesse ambiente, que acaba servindo não somente para controlá-los, como torna-se o local onde se vive os últimos dias e se morre. Pessoas em CP são hospitalizadas, em muitos casos, por falta de alternativas ou estrutura nos outros níveis, como a atenção domiciliar (AD) e a atenção primária à saúde (APS).
Idealmente, os CP deveriam ser oferecidos em diferentes cenários, possibilitando que as pessoas recebam cuidados em casa ou em centros especializados de CP. Isso não só proporcionaria um ambiente mais confortável e familiar, mas também aliviaria a superlotação dos hospitais.
Por outro lado, ao pesquisar sobre o uso das PICs, observa-se uma maior concentração dessas práticas na APS com poucos estudos e relatos sobre o seu uso no contexto hospitalar. Esta lacuna pode ser atribuída a vários fatores, incluindo a resistência institucional, a falta de conhecimento ou formação dos profissionais de saúde e a necessidade de mais pesquisas que comprovem a eficácia dessas práticas nesse ambiente.
No entanto, a integração das PICs para as pessoas em CP pode oferecer benefícios significativos, como a redução de efeitos colaterais de tratamentos convencionais, a melhora do bem-estar emocional e a promoção de uma abordagem holística do cuidado, possibilitando a humanização do atendimento. A dualidade entre a predominância dos CP nos hospitais e das PICs na atenção primária evidencia a necessidade de uma convergência entre esses dois cenários, criando uma rede de assistência mais equilibrada e eficiente.
Cabe ressaltar que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) atualmente encontram-se sobrecarregadas, especialmente em um cenário pós-pandemia. As UBS enfrentam um aumento na demanda por serviços, o que limita sua capacidade de atender adequadamente às necessidades das pessoas em CP, que na maioria das situações apresentam dependência e alta carga de sintomas. A PNCP atribui uma grande responsabilidade à APS no cuidado de pessoas em CP. No documento, por exemplo, atribui-se à APS a centralidade e a coordenação dos CP ofertados na Rede de Atenção à Saúde (RAS), também fala-se que as equipes podem ofertar CP em interlocução com outros pontos de atenção da RAS, inclusive utilizando um mesmo plano de cuidado. Contudo, é necessário pensar na exequibilidade e viabilidade de algumas ações. Essa última, por exemplo, exige a comunicação entre as equipes dos diferentes serviços de saúde, como hospital e UBS, que ainda é muito frágil. Ademais, tais equipes não partilham de um mesmo sistema de informação no qual poderia ser mantido o plano de cuidados da pessoa em CP.
Ainda, é preciso considerar que a sobrecarga das UBS pode tornar difícil a implementação eficaz dos CP, demandando a necessidade de soluções alternativas.
Nessa direção, as PICs podem desempenhar um papel crucial, visto que, ao serem incorporadas na APS, podem diversificar e complementar o cuidado às pessoas em CP. Acupuntura, auriculoterapia, aromaterapia, fitoterapia, meditação, entre outras, podem complementar os tratamentos convencionais, ajudando a reduzir sintomas e melhorar o bem-estar geral, contribuindo para uma abordagem holística do cuidado. Tais práticas podem ter efeitos positivos não somente às pessoas em CP, mas também aos familiares e cuidadores, sendo, a nosso ver, fortemente indicada a sua abordagem para com eles. Isso porque, na PNCP, em um de seus pontos, recomenda-se a implementação de espaços de respiro, visando ao autocuidado desse público.
Diante do exposto, urge a necessidade de ampliar as pesquisas e relatos sobre o uso PICs no ambiente hospitalar e em seus diversos contextos na área da saúde, visando aprofundar o entendimento de seu potencial e das outras possíveis barreiras para sua adoção. Além disso, é fundamental proporcionar capacitação aos profissionais que trabalharão com pessoas em CP, especialmente com um módulo dedicado às PICs, a fim de garantir um cuidado culturalmente congruente, que considere a biografia e as crenças daqueles que dele fazem parte.
Conclusão: A integração dos CP e das PICS pode viabilizar a abordagem mais holística e centrada no paciente, melhorando sua qualidade de vida e bem-estar em todas as fases do adoecimento. Criar um sistema de saúde onde CP e PICS não sejam vistos como abordagens separadas, mas como complementares, é essencial para atender às necessidades complexas e diversas das pessoas em CP e familiares de maneira mais eficaz e humana, contemplando todas as suas dimensões físicas, psicoemocionais, espirituais e sociais.