A literatura científica tem demonstrado que a espiritualidade representa um papel fundamental na vida humana como um todo, de forma que estudos sobre o tema na área de saúde são cada vez mais realizados e documentados. As discussões sobre a relação entre a espiritualidade e a saúde física e mental de pacientes apresentam destaque para as doenças crônicas, e especialmente para doenças com alto grau de mortalidade, como os cânceres e também no cuidado paliativo de enfermos. Nesse sentido, considerando a enorme variabilidade de comorbidades apresentadas pelos pacientes em acompanhamento ambulatorial, e também a diversificada forma como cada um desses indivíduos reage e lida com as situações, é de fundamental importância haver um bom entendimento do paciente como um todo e em suas individualidades, pelos profissionais de saúde que realizam os atendimentos. Dessa maneira, o conhecimento sobre como diversos aspectos influenciam as decisões e o processo de pensamento dos pacientes é essencial para guiar a entrevista clínica e prover o cuidado, acolhimento e orientação pertinentes. Dentro desses aspectos, se encontra o tópico da religiosidade, espiritualidade e crenças religiosas, que, ao ser abordado e identificado como um conteúdo prolífero, pode ser de grande auxílio no processo de adoecimentos físicos e mentais, e contribuir também no fortalecimento da relação profissional-paciente e também proporcionar uma melhor adesão aos tratamentos sugeridos.
Considerando estes pontos, o estudo em questão tem como objetivo analisar fatores relacionados com a espiritualidade e saúde em uma população referenciada para um centro de atenção ambulatorial secundária.
Sobre a metodologia utilizada, o estudo em questão se trata de um estudo transversal descritivo e de análise quantitativa, realizado com usuários da Unidade de Atenção Especializada em Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UAES/UFV), uma unidade de atenção ambulatorial da atenção secundária que é parte da rede de atenção e atendimento em saúde do município de Viçosa-MG. Os indivíduos considerados aptos para participar do estudo deveriam ser pacientes do estabelecimento, maiores de 18 anos de idade, sem problemas psiquiátricos ou neurológicos que impossibilitem a participação íntegra e coerente, e que autorizassem a utilização dos dados para estudos subsequentes, através da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Por conseguinte, o instrumento utilizado para a pesquisa compreende um questionário semiestruturado, adaptado segundo o questionário World Health Organization Quality of Life - Spirituality, Religiousness and Personal Beliefs, possuindo 18 perguntas adaptadas ao nível socioeducacional dos participantes. Dentro da entrevista, as indagações são relacionadas ao nível de escolaridade, estado civil, habitação, autopercepção de saúde, religiosidade, afiliação religiosa e sobre experiências espirituais, religiosas e crenças pessoais dos participantes.
Após a coleta de 172 entrevistas com participantes voluntários, no período de agosto de 2022 a dezembro de 2022, os dados referidos foram tabulados com o auxílio do programa Excel, conferidos e exportados para o software SSPS/IBM, a partir do qual fora realizada uma análise descritiva por meio do cálculo de medidas de tendência central, com média, mediana, e medidas de dispersão, como desvio padrão para as variáveis quantitativas. Além disso, a presente pesquisa atendeu às normas regulamentadoras da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que dispõe sobre os aspectos éticos do desenvolvimento de pesquisas que envolvam seres humanos no Brasil.
Em linhas gerais, os resultados obtidos no estudo estão em concordância com as descobertas anteriores na literatura, destacando a relevância do tema, especialmente em relação à autoavaliação da saúde. De forma mais detalhada, foi observada uma perceptível influência da religião e da espiritualidade em porcentagem significativa do total de entrevistados, tendo como predomínio as religiões de origem e derivação Cristã, informação que pode ser relacionada às raízes culturais e históricas contextuais de Viçosa-MG e região. Quando o questionário passou a abordar questões mais subjetivas sobre a conexão dos entrevistados com Deus e como isso estava correlacionado com o enfrentamento de problemas de saúde e situações difíceis, houve uma certa mudança no que concerne a porcentagem de resultados obtidos, e isso destaca quão intrínseca e complexa é a relação entre religiosidade, espiritualidade, crença em pessoais e a resposta problemas e alcance de bem-estar. Além destes tópicos, o questionário também apresentou perguntas no sentido de explorar a opinião do paciente no que tange às crenças dos profissionais de saúde, se sentem-se melhor sendo da mesma crença que o profissional que os atendem e sobre a necessidade de abordagem do assunto e acolhimento com relação a ele. Nesta parte, os dados mostraram que grande parte dos pacientes não tem o hábito de questionar os profissionais sobre as crenças deles e nem são questionado por eles, mas que gostariam de falar de espiritualidade e religião e que se sentiriam validados e acolhidos nestes casos.
De forma geral, os resultados alcançando no estudo corroboram com resultados avaliados na literatura e demonstram a importância que o tema possui, principalmente de forma inversamente proporcional a autopercepção de saúde, isto é, quanto pior a autopercepção, maior é importância e a ligação que os indivíduos avaliam possuir com as questões relacionadas à religiosidade.
Pretendia-se com o presente estudo investigar a influência da espiritualidade e, sobretudo, das expressões religiosas na saúde de paciente atendidos à nível secundário de atenção à saúde e, neste ínterim, que também fosse avaliado o impacto da abordagem destes domínios no que tange a melhoria dos indicadores de saúde e da relação médico-paciente – servindo ao propósito de ampliar a discussão.
Apesar de apresentar limitações por se tratar de uma avaliação transversal, o estudo apresenta a impossibilidade de estabelecer relação de causa-efeito entre as variáveis estudadas, no que tange a religiosidade e a autopercepção de conforto e bem-estar e a quantificação da importância da espiritualidade e das crenças pessoais dos pacientes a nível individual. Cabe ressaltar também que a amostragem dos participantes não foi aleatorizada, e sim por conveniência relacionada ao grupo de pessoas que frequentaram o cenário de coleta no momento e período da mesma, o que, evidentemente, poderá ter influenciado os resultados encontrados.
Ainda assim, o estudo pôde contribuir para iniciativas de educação em saúde, que estimulem o propósito de ensino de competências em comunicação clínica na abordagem de questões relacionadas a espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais dos pacientes.