A potência do cuidado extramuros em um CAPS AD III de João Pessoa-PB sob o olhar da Residência Multiprofissional em Saúde Mental

  • Author
  • TAYSA RAYANE LUCAS DE PAIVA
  • Co-authors
  • Filipe Ferreira da Costa , Lorena Silva Marques
  • Abstract
  •  

    O relato de experiência busca apresentar vivências de uma equipe de residentes em saúde mental na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de João Pessoa-PB. Um novo olhar para as pessoas em sofrimento psíquico e/ou em uso abusivo de álcool e outras drogas, foi instituído através das lutas advindas da Reforma Psiquiátrica, demarcando a desinstitucionalização como uma nova realidade do cuidado, pautado na lógica interdisciplinar, territorial e de resgate da autonomia do sujeito. O objetivo deste trabalho é compartilhar as possibilidades e potencialidades do cuidado extramuros em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas, modalidade III (CAPS AD III), onde a estigmatização dos/as frequentadores/as se faz presente em cada canto das paredes, estas que também trazem marcas do colorido deixado pelas expressões através das tintas e pincéis ofertados durante as oficinas de arte do serviço. Atualmente, o programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Paraíba - NESC/UFPB possui sete categorias profissionais, sendo: assistentes sociais, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e profissionais de educação física. Esses profissionais são inseridos nos CAPS em suas diferentes modalidades e imersos nos processos de ensino aprendizagem nos serviços. Entre os confrontos dos aspectos teóricos e práticos entre a própria equipe do serviço, e da equipe para com os residentes, podemos pontuar que nossas práticas e discursos nem sempre são lineares, e requerem constante diálogo e avaliação coletiva. Consideramos que o residente carrega um papel problematizador e de tensionamento nos serviços, o que possibilita contribuir com os processos de trabalho e consequentemente no cuidado ofertado. Dito isto, cabe pontuar que a definição de cuidado é diferente daquela definida e executada pela equipe, e a residência, ao propor novas formas de enxergá-lo, encontra barreiras, mas também novos possíveis caminhos. Assim, a residência em consonância com os preceitos da luta antimanicomial, defende o cuidado em liberdade, o resgate de laços comunitários, buscando o território como ferramenta da Reabilitação Psicossocial. Dessa forma, como rompimento dos muros do CAPS, tornam-se potenciais espaços de produção de cuidado as praças, a feira livre do bairro, os equipamentos sociais como escolas e os centros sociais. Foram nesses lugares que a residência buscou propor o seu trabalho, localizados no bairro do Rangel, periferia de João Pessoa-PB. Na busca de novas estratégias de fomento à Reabilitação Social, buscou-se no território espaços públicos acessíveis e apontados pelos próprios frequentadores, que indicavam frequentemente o uso das práticas corporais, como a “queimada”, o futsal em quadra pública e o futebol em um campo da comunidade. Ao lado da quadra, sob a sombra de uma grande árvore, para aqueles que não gostavam de jogar, outras estratégias e possibilidades foram dialogadas. Ocupamos aquele espaço com circuitos, mini gincanas, brincadeiras de resgate da infância como “amarelinha”, “queimada”, etc. As práticas corporais mostram-se além de um meio de aproximar a si mesmo das potencialidades de seu corpo e mente, redescobrir um encontro consigo mesmo, vincular-se aos pares, dar abertura para os sentimentos serem sentidos e até mesmo compartilhados. Dar voz aos pensamentos e sentimentos que talvez não se sentia mais diante da dureza do mundo em que se vive, e do julgamento e anulação constante de si, se fez um lugar acessível e possível, nessas experiências. Nesses momentos, compreendemos que estávamos num encontro com a vida que pulsa, em um espaço que se abre para compartilhamento de afetos e desafetos da vida. Jogar futebol, por exemplo, no relato dos/as frequentadores/as, era sinônimo de relembrar a infância ou adolescência, mas também era possibilidade de “esquecer da droga”, talvez seria esquecer muito mais que isso. Sentimos que a vida dessas pessoas são potentes e tem muito a nos ensinar. Nesses encontros, a vida acontecia e nos esbarramos com o desconhecido, como exemplo, quando um frequentador encontrou um amigo na rua e nos apresentou como um “irmão da rua”, lugar esse que nós julgamos ser de solidão, mas nem sempre a rua se configura dessa forma, sendo aqui o oposto. Ir à feira livre com frequentadores/as foi uma imersão no território, que é vivo, que acolhe, mas desacolhe também. Fomos convidados a se despir daquilo que julgamos ter conhecimento. Romper os muros era mais que fugir da lógica manicomial estabelecida, mas, buscar caminhos que sustentam e trazem sentido à vida. Buscamos mediar espaços e experiências para que pudéssemos nos conectar com a história de vida dessas pessoas, mas além disso, a conexão de si consigo mesmo. Potencializar espaços de verbalização da realidade é uma das formas para superar os estigmas da loucura e do uso de substâncias psicoativas, consideramos que o maior desafio do trabalho em um CAPS AD é se desfazer dos conceitos morais, portanto, é necessário questionar-se e descristalizar-se para que haja espaço para compreender o outro e as suas necessidades, para então cuidar. A produção cotidiana de espaços que tenham como horizonte a construção de vínculo com a comunidade e o território se coloca como uma peça-chave na garantia do cuidado. Vivenciar o território e suas potencialidades através das praças, daquela quadra e campo de futebol, bem como as caminhadas até a feira-livre, se integravam a um processo potente de resgate da cidadania. Além disso, a construção desses momentos se traduziam em um importante acesso ao arsenal de conhecimentos e experiências dos/as frequentadores/as sobre a dinâmica do território, sendo eles/as os/as principais agentes no processo de territorialização da equipe de residentes. A possibilidade da produção de uma escuta qualificada, acesso a história e as redes vivas de cuidado para além do institucionalizado e a discussão sobre as relações sociais existentes dentro e fora do serviço, coadunam com a lógica do serviço substitutivo que deve operar acolhendo e ouvindo as pessoas. Por fim, experienciar a residência no contexto pós pandemia, diante retrocessos e sucateamento da saúde mental não foi fácil, foi como remar contra a maré. Entretanto, os laços criados com essas pessoas e suas histórias, cercadas de sofrimento, luta e potência, trouxeram fôlego para seguirmos movimentando o cuidado no dia a dia, buscando no território um “chão” para pisar.

     

  • Keywords
  • Saúde mental; Centros de Atenção Psicossocial
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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