O presente relato deriva de experiências vivenciadas pelos alunos de graduação inseridos na realização de uma pesquisa do Instituto René Rachou - Fiocruz Minas Gerais nos meses de maio e junho de 2024. A pesquisa visa identificar as barreiras e facilitadores de acesso aos equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) destinados ao cuidado em álcool e outras drogas pela PSR no município de Belo Horizonte/Minas Gerais. Os pesquisadores responsáveis pelo trabalho de campo conduziram aplicações de questionários quantitativos para a PSR junto aos alunos de Iniciação Científica durante visitas aos dispositivos da saúde que integram a RAPS de Belo Horizonte e da política de assistência social. Dentre a complexa trama de elementos que compõem a trajetória de vida da população em situação de rua (PSR), o uso de substâncias, como o álcool e outras drogas, está presente em parte considerável dos casos, seja de forma anterior à situação de rua, ou como estratégia para suportar viver na rua. Quais significados pode assumir o uso de uma substância psicoativa para um sujeito que se encontra radicalmente à margem? São vivências pautadas a partir de um imperativo do agora, em que a necessidade de luta para a sobrevivência está posta a cada instante. O que o uso de álcool e outras drogas nos diz sobre a vida nas ruas? Com base nesses questionamentos, entende-se que a temática do uso e abuso de substâncias pela PSR ainda precisa ser amplamente debatida. Durante a aplicação dos questionários, foi necessário ter uma escuta acolhedora aos atravessamentos que se davam a partir das perguntas do questionário. Por exemplo, a pergunta: “Quais motivos te levaram à situação de rua?” trouxe diversos desdobramentos sobre assuntos sensíveis da violação de direitos presentes na vida das pessoas em situação de rua. Foi possível observar que para muitos desses indivíduos, o uso das substâncias figura como uma estratégia de enfrentamento para lidar com a realidade da vida nas ruas. Além disso, a falta de moradia, a fome e o processo de exclusão social inviabilizam a vida da PSR, fazendo com que esta crie estratégias de sobrevivência, como por exemplo, usar o álcool para anestesiar dores físicas e oferecer uma sensação temporária de bem-estar. Não é o objetivo dessa exposição abordar o uso das substâncias como algo sem prejuízos, mas sim compreender e fazer o enfrentamento ao estigma que a PSR sofre, de que estão nas ruas devido unicamente ao uso prejudicial de álcool e outras drogas, de maneira que se o uso for interrompido, todos os problemas das pessoas em situação de rua desaparecerão. Esse estigma associado ao uso de drogas muitas vezes leva à simplificação do problema e ignora questões estruturais da ausência de moradia, como desigualdade social e falta de acesso a direitos básicos.
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