Apresentação: A Medicina de Família e Comunidade (MFC) é a área médica responsável pelo cuidado integral e longitudinal do indivíduo. Governada pelo paradigma biopsicossocial, a fusão entre técnica clínica e abordagem humana da saúde para com o paciente, a área é reconhecida pelo esclarecimento de questões que “escapam” à capacidade explicativa do paradigma anatomoclínico. Por meio da realização de uma prática clínica de excelência, de uma anamnese detalhada e de um exame físico cuidadoso unidos a uma escuta qualificada, uma abordagem de acolhimento e uma boa relação profissional-paciente com o indivíduo adoecido, a MFC certifica-se de que os processos vitais sejam amparados de modo integral e longitudinal, abordando todos os ângulos da saúde e o bem-estar geral do ser ao longo da vida.
Diante disso, a Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Passo Fundo possui em sua grade curricular a disciplina de Saúde Coletiva e coloca os estudantes do curso de Medicina desde o primeiro semestre até o fim do ciclo clínico em contato com a rede de Atenção Primária de Saúde do município. Com a intenção de colocar em prática a efetividade da saúde como um direito universal e indispensável para todos os seres humanos.
No terceiro semestre, dentro do componente educativo Saúde Coletiva III, sob a orientação das professoras Daniela Borges, Alessandra Muller Germani, Priscila Pavan Detoni e Renata dos Santos Rabello, os estudantes foram apresentados à prática cotidiana da MFC. A fim de estimular o olhar holístico necessário a ser desenvolvido pelo profissional médico, cada encontro possibilitou o aquilatamento da habilidade investigativa necessária à clínica de uma maneira afinada aos componentes psicológicos, ambientais, culturais, e sociais de saúde.
Durante esse processo, eles atuaram nas áreas adscritas pelas Estratégia Saúde da Família São Luiz Gonzaga, Estratégia Saúde da Família Santa Marta e na Estratégia Saúde da Família São José, ambas localizadas na cidade de Passo Fundo. Após separação da turma em três grandes grupos, a porção da qual fiz parte foi acompanhada e orientada pela professora Alessandra Muller Germani e pela agente comunitária de saúde Patrícia.
Desenvolvimento do trabalho: Infelizmente , por motivos de logística não tivemos a presença da professora, da agente comunitária de saúde, de técnicos em enfermagem, de enfermeiras(os) ou do médico da ESF nas visitas domiciliares realizadas no bairro Santa Marta. Apesar de ser um referencial centro em saúde, o munícipio de Passo Fundo não possui uma estrutura de Atenção Primária de Saúde exemplar. Sem carros para realizar as visitas os estudantes iam caminhando pela comunidade, os pacientes relataram que visitas domiciliares não são comuns, pois a rede não disponibiliza veículos. Além disso, as agentes comunitárias e os médicos nas Unidades Básicas de Sáude são insuficientes para o atendimento de toda a população. Ademais, após combinação com as famílias a serem entrevistadas pelos educandos presencialmente, os alunos passaram a visitar quinzenalmente os núcleos com a intenção de recolher informações para a confecção de um Plano Terapêutico Singular para cada grupo familiar, usando como instrumentos o Genograma, o Ecomapa, o Apgar e as várias técnicas de classificação familiar.
Ao longo de um semestre, recolheram informações biopsicossociais de duas famílias (cada estudante), aplicaram testes como a Escala de Depressão Geriátrica (EDG), a Escala de Katz, Avaliação da Realização de Atividades Instrumentais de Vida Diária (“Escala de Lawton & Brody”) , a Escala de Avaliação de Equilíbrio e Marcha de Tinetti (“Teste de Tinnetti”), o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), o Questionário Pfeffer, a Avaliação da sobrecarga dos cuidadores e o APGAR que representa um acrônimo – palavra forma pela primeira letra de cada item - derivado de: Adaptation (adaptação), Partnership (companherismo), Growth (desenvolvimento), Affection (afetividade) e Resolve (capacidade resolutiva). É um eficiente teste de avaliação rápida do funcionamento familiar no cuidado de pessoas dependentes.
Durante o primeiro semestre de 2024, os estudantes do curso de Medicina da terceira fase da Universidade da Fronteira Sul , foram desafiados a encontrar a problemática das famílias, o que, infelizmente, não foi muito difícil. A maioria das famílias tinham idosos ou eram compostas apenas por eles( isso nos faz pensar sobre novas projeções para a promoção e preservação da qualidade e segurança de vida dos idosos brasileiros visto que a expectativa de vida só aumenta em nosso país).
Problemas como o abandono parental, a violência doméstica, o esgotamento mental do cuidador, a desnutrição, a diabetes mellitus, a obesidade, a hipertensão, os maus hábitos alimentares, os problemas cardiovasculares, a falta de exercícios físicos, o tabagismo, a polifarmácia, a não ingestão de água, o etilismo, o calendário de vacinação com faltas, o não preenchimento correto ou a não entrega de cadernetas do idoso eram comuns nos relatos dos estudantes. Aliás, é impostante ressaltar que sempre após as visitas dominciliares, faziamos o o relato de toda a entrevista para as professoras da Saúde Coletiva, estas, nos auxiliaram na busca de recursos para a elaboração do PTS (Plano Terapêutico Singular)
Diante das problemáticas avistadas pelos estudantes, eles deveriam elaborar uma Proposta de Intervenção e Plano Terapêutico Singular, pois aprenderam a realizar o mesmo ao longo das aulas teóricas do Componente Curricular. A elaboração ocorreu mediante muito estudo, baseado nas Diretrizes Nacionais, Caderneta do Idoso e da Literatura Médica. Já a aplicação do PTS, foi realizada de maneira mais informal, os estudantes buscaram adaptar todos os termos técnicos para a simplicidade de seus pacientes. Muitos idosos não sabiam ler, ou sabiam apenas escrever seus nomes, logo, os educandos prepararam materiais visuais, criativos e coloridos, apresentaram em linguagem simples e cotidiana para seus pacientes, reiterando a necessidade da ação em conjunto pela parte do paciente e pela parte dos profissionais de saúde para a minimização de problemáticas. Para a familia que acompanhei por exemplo, orientei N.S sobre depressão, seus sintomas, riscos e prevenção. Discutimos metas de autocuidado e complicações da doença. No último encontro, entreguei-lhe um material com todas as informações discutidas, para que ela tenha acesso a elas sempre que necessário. Propus que, agora informada sobre sua condição, N.S modifique hábitos prejudiciais. O Plano Terapêutico Singular (PTS) foi criado para prevenir a doença(depressão) e melhorar sua qualidade de vida, através da educação em saúde.
Para outro paciente, que apresentava multicomorbidades e ex-etilista, nem todas as visitas foram realizadas em função disso, foi realizada a confecção de Plano Terapêutico Singular (PTS) para P.S, enfatizando a necessidade dele se hidratar, dormir bem e realizar exercícios físicos.
Resultado: Os estudantes retornaram para a última visita antes do encerramento do semestre para ver se as famílias conseguiram colocar o PTS em prática. Por fim, os estudantes se reuniram com a equipe da UBS a que pertencem essas famílias para partilhar a situação final delas e atualizando os dados da Unidade. É evidente o papel da universidade na saúde integral da região onde está inserida, ainda mais que o munícipio conta com déficits de profissionais na rede básica. Trabalhos como esse driblam dificuldades do sistema e contribuem demasiadamente no currículo de futuros médicos, mais humanizados e comprometidos com a saúde da população. É recomendado que haja intensa relação entre a comunidade acadêmica e a população, a fim de que ocorra o partilhamento de conhecimentos entre ambos os lados, por meio da cooperação. Ainda, esse trabalho conjunto deve trabalhar e lutar por melhorias na APS no município.