Apresentação As doenças infecciosas são marcos desafiadores para os profissionais de saúde e algumas delas provocam altas taxas de mortalidade. A pandemia ocasionada pelo novo Coronavírus (SARSCoV-2), causador da Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), assumiu graves consequências epidemiológicas, gerando inúmeras mortes e prejuízos inestimáveis à sociedade, que em meio ao trabalho de contenção da disseminação do vírus, buscou por estratégias de enfrentamento da finitude da vida em função do expressivo índice de óbitos causados pela pandemia. O tema morte e morrer para os profissionais da área da Enfermagem acaba sendo parte da rotina, porém por não ser uma questão sensível, contribui para gerar diversas reações nos profissionais, como sentimento de impotência, estresse, entre outros. Para alguns profissionais, a morte representa um fenômeno natural, podendo permanecerem indiferentes frente a este processo, no cotidiano de práticas de assistência à saúde. Nesse contexto de práticas assistenciais, temos a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), considerada um ambiente de fronteira entre esses fenômenos, gerando atravessamentos nos profissionais que nela atuam. Este estudo teve como objetivo de compreender como a morte de um paciente, em tempos de pandemia pela COVID-19, afetou a equipe de técnicos em Enfermagem de uma UTI de um Hospital Estadual de referência, no Município de Serra, Espírito Santo. Desenvolvimento do trabalho Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa. A produção de dados aconteceu entre fevereiro e outubro de 2020, período crítico da Pandemia pela COVID-19. Foram realizadas entrevistas individuais, in loco, ou seja, no ambiente de trabalho dos entrevistados, tendo os pesquisadores respeitados todos os aspectos de segurança com uso de equipamentos de proteção individual. Para os critérios de inclusão foi estabelecido ter vínculo empregatício com a instituição; atuar na UTI como técnico de enfermagem por mais de seis meses. Os critérios de exclusão foram: possuir menos de 3 meses de experiência como técnico de enfermagem, na UTI. A análise qualitativa foi feita por meio do método de análise Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Essa técnica consiste em analisar depoimentos obtidos por meio de questões abertas, agrupando aqueles que possuem sentido semelhante em discursos-síntese redigidos na primeira pessoa do singular, como se representassem uma coletividade se expressando. Respeitando as diretrizes de pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob parecer nº4.206.680. Resultados Foram entrevistados 33 técnicos de enfermagem. Para a análise dos resultados, foram utilizados a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Considerando as figuras metodológicas para a concretização do DSC, sendo elas as Expressões Chave (EC) que são pedaços ou trechos de um discurso que revelam a essência do conteúdo desse discurso, e que apontam para uma ideia central (IC) ou para uma ancoragem (AC). Com a análise do DSC foram identificados três eixos: o eixo de naturalização da morte, a negação da morte e o eixo de jovialidade dos pacientes. Para o eixo “Naturalização da morte” foi utilizada a seguinte questão norteadora: Como você lida com o fenômeno da morte e como isso afeta a sua saúde mental? Observou-se a IC nos seguintes entrevistados (04,05,06,11,12,13,14,15,17,21,22). Assim, observa-se no discurso 11, “[..] Depois da pandemia começou a afetar mais porque eu comecei a me deparar com mais óbitos e a sensação que dá é de impotência [..] mas antes da pandemia eu lidava de forma normal[...] Mas depois da pandemia isso começou a me afetar muito mentalmente[...].” Neste discurso observa-se três IC, a ideia de sensação de incapacidade, naturalização da morte e a ideia de afetar muito a mente. E como ancoragem, identificou o sentimento de “ter sido muito afetado mentalmente devido ao número elevado de óbitos”. Após análise minuciosa dos depoimentos, foi compilado o seguinte discurso: “No início me senti um pouco abalada, nunca tinha vivenciado isso. Eu entendo que faz parte da vida. É nascer, viver, morrer. Então tenho uma boa aceitação, eu considero a morte um fenômeno natural da vida. A morte vai acontecer para todo mundo, só que eu prezo pra que quem está no hospital seja bem tratado e que seja assistido, assim, com o tempo a gente vai acostumando com a morte, nós sabemos que é uma parte complicada, nós tentamos fazer o possível pra confortar o paciente enquanto vivo e a família na morte”. Para o eixo “Negação da morte” foi utilizada a seguinte questão norteadora: Como você lida com o fenômeno da morte e como isso afeta a sua saúde mental? Observou-se a IC nos seguintes entrevistados (03,07,10,12,28). Verificou-se o seguinte depoimento do entrevistado 03, “[...] não, não afeta minha saúde mental mas rola um sentimento sim de pensar na família né! [...]”. Nessa categoria, foi extraída duas IC, a ideia de negação de ser afetado e a empatia pela família. Neste discurso não foi identificado ancoragem. Continuando, após análise minuciosa dos depoimentos, foi compilado o seguinte DSC: “Eu entendo que faz parte da vida. É nascer, viver, morrer. Então tenho uma boa aceitação, me conformo. É o ciclo da vida. Isso me afeta, e ao mesmo tempo não, rola um sentimento sim de pensar na família! Que a família vai sofrer, é isso! eu penso tipo morreu ai eu penso poxa a família vai chorar, mas não vai ter como fugir da morte”. Para o eixo “Jovialidade dos pacientes” foi utilizada a seguinte questão norteadora: Como você lida com o fenômeno da morte e como isso afeta a sua saúde mental? Observou-se a IC nos seguintes entrevistados (07,09,14,17,19,20,26). Podemos citar como exemplo o depoimento do entrevistado 20 “[..] Tentamos levar de forma natural. Não conseguiria lidar com o infantil, é mais fácil pra mim lidar com a morte de adultos ou idosos. Às vezes afeta minha saúde mental [..] mas, temos que dar o nosso melhor”. A partir dos depoimentos foi observado duas ideias centrais, a ideia de “jovialidade dos pacientes” e “temos que dar nosso melhor”. Nesse discurso não identificou ancoragem. Assim, pós análise minuciosa dos depoimentos, foi identificado o seguinte discurso: “Eu tenho duas versões de mim: uma pensa que acabou o tempo da pessoa, e por outro lado, a gente fica triste porque tem muitos pacientes que são novos e tem uma família que sofre. É muito difícil, lidamos com óbitos de muitos tipos diferentes de pessoas: vovó, grávida, mãe de família, adolescentes. Mas quando eu vejo um paciente igual a “Rosa” e a “Margarida” que eram pessoas novas e deixaram a vida inteira isso me afeta lógico, eu sou ser humano tem que afetar se não afetar eu não tenho amor pelo meu próximo então me afeta sim de uma forma negativa. Somos seres humanos. Tentamos levar de forma natural. Não conseguiria lidar com o infantil, é mais fácil pra mim lidar com a morte de adultos ou idosos. Nós vamos embora e ficamos pensando que poderia ser alguém da nossa família, as vezes é mais fácil lidar com um senhorzinho partindo que a gente vê que ele está descansando.” Considerações finais Após análise cuidadosa do DSC, torna-se incontestável que durante o primeiro ano da pandemia pela COVID 19, houve manifestação de insegurança, (in)sensibilidade diante da naturalização da morte no ambiente de trabalho. Fica evidente a necessidade de suporte psicossocial para as trabalhadoras e trabalhadores de saúde, em especial aos sujeitos pesquisados, quanto aos impactos da morte na vida laboral.